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Brasil: primeiro mês com mais acertos do que erros

1 fev 2023, 08:48

O Brasil voltou ao cenário internacional, mas a declaração “Quando um não quer, dois não brigam”, sobre a invasão da Rússia à Ucrânia, é desrespeitosa com as vítimas da guerra e com a própria diplomacia brasileira

Que Lula enfrentaria uma série de desafios ao assumir o comando do Brasil, todos sabiam. No entanto, as situações difíceis de lidar foram muito piores do que imaginado neste primeiro mês: tentativa de golpe de estado, destruição da sede dos Três Poderes e uma assustadora crise humanitária com os índios Yanomamis, fruto de quatro anos de descaso do governo anterior.

O novo presidente soube e está sabendo lidar à altura de todos os desafios. O que vemos é uma equipe unida trabalhando diariamente em várias frentes, tanto para atender emergências, como a visita aos índios em Roraima e a intervenção federal em Brasília, quanto em pautas importantes, como o combate à fome, a sustentabilidade e os direitos das mulheres.

Ao mesmo tempo, a ampla lista de problemas para lidar no país não fez com que fosse deixada de lado a tão esperada retomada da diplomacia brasileira, respeitada antes da agenda ultraconservadora e isolacionista de Bolsonaro. Em apenas 30 dias, Lula manteve metade do total de encontros bilaterais que Bolsonaro teve durante todo o mandato. É um sinal mais do que claro de que o Brasil está de volta.

Viagens nas próximas semanas estão marcadas para os Estados Unidos, China, Portugal e países africanos. O presidente francês, Emmanuel Macron, e o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, também devem desembarcar em terras brasileiras nos próximos meses. Logo logo, Lula vai ultrapassar a marca dos 31 encontros bilaterais realizados por Bolsonaro. 

Visitas oficiais já foram realizadas na Argentina e Uruguai, países governados por políticos de ideologias diferentes, mas ambos democratas e civilizados. Lula deu sinais fortes de que pretende assumir o protagonismo da América Latina, um papel que o país possui total condição de desempenhar.

Ainda quando esteve em Buenos Aires, o presidente brasileiro acertou com Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, a realização de uma cimeira em Bruxelas no mês de julho. Michel e outros representantes da União Europeia (UE) são muito assertivos sobre a vontade de finalmente fechar o acordo com o Mercosul.

O tema da sustentabilidade e a defesa da Amazônia também voltaram a ser centrais, com uma agenda séria e comprometida, que conta com amplo apoio internacional. Esse apoio ficou ainda mais central e necessário com a crise dos indígenas sendo dizimados pela fome e doenças causadas pelo garimpo ilegal na região.

É preciso condenar a invasão russa 

Se as coisas correm mais do que bem nesse sentido, Lula ainda peca na sua visão sobre a guerra na Ucrânia. Ao lado de Olaf Scholz, chanceler alemão que visitou o Brasil nesta semana, o presidente usou uma frase popular para definir a invasão russa: “Quando um não quer, dois não brigam”. 

A fala é desrespeitosa com as vítimas da guerra iniciada por Putin, que incluem não só os ucranianos, mas os soldados russos que foram obrigados a ir para a linha de frente. É também um desrespeito com a própria diplomacia brasileira, que defende a neutralidade. Dizer que a Rússia cometeu um “erro clássico” não é neutro. 

O direito internacional é muito claro sobre quem é o agressor nesta guerra. Ao mesmo tempo, o argumento de que o Brasil “tem uma guerra contra a fome” não invalida uma posição mais enfática sobre o conflito. Em 2003, Lula repetiu o mesmo discurso sobre o conflito com o Iraque. No entanto, o cenário internacional era totalmente diferente. 

Hoje, tanto os Estados Unidos quanto a Europa, totalmente afetada pela guerra, são grandes aliados da Ucrânia contra a Rússia. Scholz também lembrou que o Brasil é impactado economicamente pela guerra, sem contar o aumento no preço dos fertilizantes determinado por Putin.

Aliás, o envio do material bélico foi solicitado não pela Ucrânia, mas pela Alemanha, que precisa de munição que o Brasil possui em estoque. É legítimo que o país não queira participar com o envio do armamento, mas não é aceitável que o Brasil continue com posições retrógradas sobre quem é o culpado. 

Afinal, não é a primeira vez que as declarações de Lula, agora chefe da nação, culpam a Ucrânia pela guerra. Em uma entrevista à revista TIME em maio de 2022, Lula já havia dito que o presidente ucraniano estava sendo “estimulado ao confronto” e “se achando o máximo”. 

Quem analisa a situação com humanidade, sem cegueiras ideológicas, enxerga que Zelensky representa um povo que está lutando bravamente por sua soberania, pelos seus costumes e tradições. Mais do que isso, está lutando por suas próprias vidas, que correm risco todos os dias com ataques mortais, falta de energia no inverno congelante e estupros das mulheres por parte dos soldados russos. 

Como bem pontuou Scholz ao lado de Lula, a Rússia invadiu o território soberano da Ucrânia, matando milhares de inocentes e fazendo milhões de refugiados, portanto, é Putin quem deve retirar as tropas para iniciar a negociação de paz. Até lá, resta ao povo ucraniano se defender e tentar sobreviver. Para isso, precisa de ajuda internacional como está tendo. Sem isso, o número de vítimas seria muito maior e a Ucrânia já teria perdido a guerra. 

A paz, sonhada por Lula, é ainda mais sonhada pelo povo da Ucrânia. Mas, se depender dos desejos de Putin, a paz está longe de ser alcançada e não tão cedo os líderes do mundo estarão na mesa de negociações. Mas, quando isso acontecer, esperamos que o Brasil lá esteja, assim como tantos outros países que condenam a guerra, ajudam a Ucrânia e mantém contato com Putin para tentar negociar o fim deste pesadelo prestes a completar um ano.

* Amanda Lima escreve a sua opinião em Português do Brasil

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