Fraude eleitoral, golpe, prisão ou o adeus à carreira política. O que acontece se Bolsonaro perder as eleições? E se for Lula?

17 set 2022, 14:00
Lula da Silva e Jair Bolsonaro (AP Photos)

Analistas políticos e jornalistas brasileiros explicam à CNN Portugal o que acreditam que será o destino do candidato que perder as eleições presidenciais. Entretanto a campanha já começou com acusações de parte a parte entre Lula da Silva e Jair Bolsonaro. Para o líder do Partido dos Trabalhadores, o adversário está "possuído pelo diabo", enquanto o ainda presidente acusa Lula de ser "comunista".

Os cidadãos brasileiros têm as próximas cinco semanas para decidir quem será o próximo presidente do país, e, embora possam escolher entre 12 candidatos, já é certo que só vai haver um derrotado e um vencedor no dia das eleições - Bolsonaro ou Lula da Silva. Tendo em conta que as sondagens dão vantagem a Lula, com cerca de 45% das intenções de voto, face aos pouco mais de 30% de Bolsonaro, parece já evidente para muitos analistas políticos e jornalistas brasileiros que o Palácio do Planalto vai sofrer alterações a partir de outubro.

O professor de Ciência Política da Universidade de Brasília Frederico Bertholini e os jornalistas brasileiros João Almeida Moreira e Liane Varsano não têm dúvidas - a derrota de Bolsonaro é "o cenário mais provável". Mas desengane-se quem pensa que esse será o fim do Bolsonarismo no Brasil.

O cientista político e os dois jornalistas acreditam que Bolsonaro "dificilmente vai aceitar" uma eventual derrota, tal como Donald Trump não aceitou os resultados das presidenciais de 2020 - não fosse Trump o "mentor" do chefe de Estado brasileiro, como assim o descreve Liane Varsano. 

Aliás, o presidente brasileiro "tem estado a preparar terreno para isso", diz João Almeida Moreira à CNN Portugal, lembrando que Bolsonaro "há muito que anda a criar suspeições em relação ao voto eletrónico", tal como o antigo presidente norte-americano fez em relação ao voto por correspondência, meses antes das eleições. Assim, caso não seja reeleito, é possível que Bolsonaro reproduza também a estratégia de Trump ao alegar fraude eleitoral após a divulgação dos resultados.

Um golpe "mais perigoso" do que aconteceu nos EUA

A possibilidade de uma fraude eleitoral não é o que mais alarma os brasileiros. "Tem outras questões do Bolsonaro que o tornam potencialmente muito mais perigoso para o Brasil do que o que aconteceu nos EUA", diz Frederico Bertholini, lembrando a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 e referindo-se às ligações entre o presidente brasileiro e as Forças Armadas que podem abrir caminho para um golpe de Estado.

"Nos EUA estava relativamente claro que não ia haver adesão de militares à tentativa de autogolpe. Aqui [no Brasil] não está exatamente claro. Alguns, inclusive, fazem parte da chapa [partido] do presidente", sustenta. 

Também o jornalista João Almeida Moreira salienta esta possibilidade, lembrando que as Forças Armadas são "um dos braços que apoia Bolsonaro". "Isso parece meio ridículo, tendo em conta que o Brasil já é uma democracia relativamente sólida, já tem 30 e poucos anos, então parece uma coisa meio dramática demais, mas a verdade é que não é um cenário tão irreal quanto isso", considera. 

A jornalista Liane Varsano parece mais otimista, considerando mesmo que esse é um cenário que "está longe" de acontecer, tendo em conta o facto de "os militares já não terem o interesse que existia nos anos 60" de avançar com uma ditadura militar no Brasil. "Acho que esse movimento já não volta mais", diz.

Os cenários não se esgotam aqui, pois, de acordo com João Almeida Moreira, "há ainda a possibilidade de ele [Bolsonaro] ser preso". "Ele próprio já o manifestou, na medida em que tem alguns processos - perto de 20 processos -contra ele e que, por ter imunidade pelo cargo de presidente, estão parados. Mas, perdendo as eleições, torna-se num cidadão comum e alguns desses casos podem vir a tramitar nos tribunais - entre eles processos em relação à covid. Houve uma comissão parlamentar de inquérito que o acusou de nove crimes e isso andaria para a frente mais facilmente com ele perdendo [as eleições]", sustenta o jornalista.

Bolsonaro "vai emular Trump"

Independentemente dos vários cenários possíveis, uma coisa é certa: Bolsonaro não vai deixar a vida pública e vai fazer tudo para "continuar relevante" na esfera política, acreditam os especialistas. "Ele vai manter ativo esse eleitor que lhe é fiel. Ele vai emular Trump - ele emula Trump em muitas coisas - então ele vai manter uma oposição ativa no Congresso, até porque também deve fazer uma boa bancada, bem como na sociedade e nas redes sociais", prevê Frederico Bertholini.

Donald Trump e Jair Bolsonaro Donald Trump e Jair Bolsonaro (JIM WATSON/AFP via Getty Images)

"O grande desafio que fica para ele é: será que ele vai conseguir manter isso?", questiona o cientista político, salientando que, por muitas "conexões simbólicas" que Bolsonaro tenha construído ao longo dos últimos anos junto do seu eleitorado, a verdade é que "sem os recursos do poder conferido pela presidência, fica difícil criar novas conexões".

O chamado 'Auxílio Taxista' é um exemplo disso mesmo, afirma o politólogo. Esta semana, o governo de Jair Bolsonaro anunciou que vai pagar 2.000 reais a mais de 245 mil motoristas no Brasil, uma medida enquadrada num pacote de ajuda aprovada no Congresso Nacional e que já é vista como a "arma eleitoral" de Bolsonaro. Frederico Bertholini acredita que, com esta medida, o presidente brasileiro terá conseguido criar uma "nova conexão" com os profissionais deste setor, o que é vantajoso para as eleições.

Mesmo não tendo os "recursos" inerentes à presidência do Brasil, Bolsonaro tem um trunfo na manga - os filhos. "Ele tem filhos que são deputados, filhos que são senadores, que têm outros cargos públicos. Então acho que ele vai continuar a fazer barulho e vai fazer um 'governo paralelo', sendo oponente a tempo inteiro", diz Liane Varsano.

De facto, o clã Bolsonaro está bem presente na esfera pública do Brasil. Em 2016, Carlos Bolsonaro (Republicanos), o segundo filho do presidente, foi o vereador mais votado do Rio de Janeiro, com mais de 106 mil votos. Em 2018, Eduardo Bolsonaro, o terceiro filho de Bolsonaro, foi o deputado federal mais votado do Brasil, pelo Partido Social Liberal (PSL), com 1,84 milhões de votos. Também em 2018, Flávio Bolsonaro (PSL), o primeiro filho do presidente brasileiro, foi eleito senador pelo Rio de Janeiro. O mais novo, Jair Renan Bolsonaro, de 24 anos, revelou recentemente que ambiciona uma carreira política, "mas só em 2028", tendo em conta a lei do Tribunal Superior Eleitoral, que refere que "são inelegíveis para o cargo de chefe do executivo o cônjuge e os parentes" do presidente, "salvo se este, reelegível, tenha falecido, renunciado ou se afastado definitivamente do cargo até seis meses antes do pleito" [ato eleitoral].

Bolsonaro (no meio) com os filhos Eduardo (à esquerda), Renan, Carlos e Flávio Bolsonaro (D.R.)

O que acontece se Lula perder?

Este é o cenário que os analistas políticos consideram "menos provável", tendo em conta as sondagens. Ainda assim, há muito em jogo e as próximas cinco semanas de campanha podem ficar marcadas por uma reviravolta nas intenções de voto.

Neste caso, e ao contrário do que esperam de Bolsonaro, os jornalistas João Almeida Moreira e Liane Varsano admitem que este possa ser o fim da carreira política de Lula da Silva. "Provavelmente encerraria a carreira política, pelo menos do ponto de vista formal. Claro que continuaria a ser influente no partido dele, na esquerda, mas do ponto de vista formal acho que não se candidataria depois em 2026, já com 80 anos", afirma João. 

Lula da Silva (Andressa Anholete/Getty Images)

Uma eventual derrota de Lula não só seria "colossal" para Lula, que, nos últimos meses, tem estado sempre a liderar as intenções de voto, como também seria "muito mau" para o Partido Trabalhista (PT), admite o jornalista. "Provavelmente entraríamos num processo de substituição de líder no PT", diz, algo que, considera, seria "um problema", tendo em conta que o nome que tem sido apontado por muitos como sucessor de Lula da Silva, Fernando Haddad, vai concorrer a governador de São Paulo e tem "fortes probabilidades de ganhar".

"Se ele ganhar a corrida para governador de São Paulo, dificilmente depois vai disputar uma sucessão de Lula no PT. Acho que o PT também ficaria num beco sem saída", problematiza.

O politólogo Frederico Bertholini, por sua vez, acredita que o antigo sindicalista não vai deixar a carreira política. "Eu acredito que a tendência do Lula será manter-se de alguma forma ativo, o que vai ser um grande desafio para ele, porque a gente não sabe qual vai ser o tamanho do PT no parlamento. O que vai acontecer depois vai depender do sucesso ou insucesso de um segundo mandato de Bolsonaro", argumenta. 

Economia e 'guerra santa': as "esperanças" de Bolsonaro

Questionado sobre se Bolsonaro já entra para esta campanha derrotado, tendo em conta as sondagens, que apontam sempre para intenções de voto pouco acima dos 30%, o jornalista João Almeida Moreira diz que "o campo bolsonarista ainda tem esperanças".

O presidente brasileiro parece agarrar-se agora à esperança de que o Auxílio Brasil, um programa de ajuda monetária destinado às famílias em situação de pobreza em todo o país (semelhante ao Bolsa Família, criado pelo governo de Lula, em 2003) que foi aprovado pelo Congresso, possa renovar as suas expectativas de reeleição.

Além disso, face ao "aumento brutal" do preço da gasolina no Brasil - chegou a estar entre as mais caras do mundo - Bolsonaro "conseguiu, com umas mexidas na Petrobras [a empresa petrolífera estatal], conter esses aumentos e até baixar um pouco o preço", acrescenta o jornalista.

"Com essas medidas na economia, ele acredita que pode ganhar alguns votos, e a maioria dos analistas concorda com isso", aponta.

Além destas medidas económicas, Bolsonaro também está a "entrar ao ataque" com a chamada 'guerra santa' para tentar "convencer os evangélicos, e também os católicos mais conservadores, a votar nele", acrescenta.

Nesta questão da religião, "há muitas fake news pelo meio", comenta João Almeida, apontando como exemplo a recente polémica em torno de Marcus Feliciano, um pastor evangélico e deputado bolsonarista que espalhou nas redes sociais que Lula iria fechar as igrejas evangélicos caso fosse eleito. Entretanto, o PT já veio desmentir as acusações, mas o episódio acabou por manchar a campanha, que ainda agora começou.

"Eu não acho que ele [Bolsonaro] entre derrotado [nesta campanha], até porque, bem ou mal, ele é combativo, principalmente em eleições. Mas está atrás e sabe disso. Por mais que diga que não acredita em sondagens, acredita e sabe que está atrás", resume o jornalista.

Mais uma vez, a ameaça da desinformação e as acusações de parte em parte parecem a espinha dorsal desta campanha, deixando o debate sobre políticas públicas para segundo plano, como refere o politólogo Frederico Bertholini:

"Numa eleição destas, dificilmente os problemas do país vão ser debatidos. Vão acabar por passar ao lado, porque as decisões ja estão muito consolidadas. Além disso, vai ser um espaço de campanha oficial muito curto e há possibilidade de serem sonegados debates, então o mais provável é que nem tenha muito debate. E mesmo se houver com a presença dos dois primeiros colocados, vai surtir poucas políticas publicas e pouco debate sobre os destinos do país."

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