Defender a Amazónia é uma tarefa perigosa. Críticos dizem que Bolsonaro está a piorar as coisas

CNN , Análise por Kara Fox
17 jun 2022, 11:00

Entre 2009 e 2019, mais de 300 pessoas foram mortas no Brasil no meio de conflitos de terras e recursos na Amazónia

A Polícia Federal brasileira confirmou a descoberta dos corpos do jornalista britânico Dom Philips e do ativista e especialista em assuntos indígenas Bruno Pereira durante as buscas na Amazónia

Ainda não foi dada nenhuma explicação clara para o seu desaparecimento, mas o caso chamou a atenção global para os perigos frequentemente enfrentados por jornalistas e ativistas ambientais no Brasil.

Phillips, um jornalista veterano que fez reportagens extensivas sobre os grupos mais marginalizados do Brasil e sobre a destruição que os agentes criminosos estão a causar na Amazónia, viajara com o especialista em assuntos indígenas, Pereira, para pesquisar esforços de conservação no remoto Vale do Javari.

Embora formalmente protegido pelo Governo, o Vale selvagem de Javari, como outras terras indígenas demarcadas no Brasil, é assolado por exploração mineira ilegal, exploração madeireira, caça e tráfico internacional de drogas – que muitas vezes trazem violência no seu encalço, enquanto os autores colidem com defensores ambientais e ativistas dos direitos indígenas.

Entre 2009 e 2019, mais de 300 pessoas foram mortas no Brasil no meio de conflitos de terras e recursos na Amazónia, segundo a Human Rights Watch (HRW), citando dados da Comissão Pastoral da Terra, uma organização sem fins lucrativos afiliada à Igreja Católica.

E em 2020, a Global Witness classificou o Brasil como o quarto país mais perigoso para o ativismo ambiental, baseado em mortes documentadas de defensores ambientais. Quase três quartos desses ataques no Brasil ocorreram na região da Amazónia, dizia.

Os povos indígenas no Brasil têm sido alvos frequentes de tais ataques, bem como de campanhas de assédio. No início de janeiro, três defensores ambientais da mesma família, que tinham desenvolvido um projeto para repovoar a água local com tartarugas bebés, foram encontrados mortos no estado nortenho brasileiro do Pará. Está em curso uma investigação policial.

Depois de assistir às conversações sobre o clima da COP26 na Escócia, em novembro passado, a casa da líder ambiental e indígena Alessandra Korap foi alegadamente invadida por agressores desconhecidos; outra ativista indígena, Txai Suruí, disse que foi ameaçada online e pessoalmente após o seu discurso em Glasgow.

Um problema de longa data

A atração de recursos valiosos na floresta significa que as incursões em terras indígenas e a violência contra aqueles que resistem não são novidade no Brasil. Mas alguns especialistas dizem que  a retórica e as ações de Bolsonaro criaram uma cultura de impunidade.

No início deste mês, Bolsonaro assinou um decreto ambiental que estabelece multas mais elevadas por desflorestação, extração ilegal de madeira, queima, pesca e caça, com o Governo a dizer que é "um passo importante na lei ambiental".

Mas numa série de ações desde que chegou ao poder, em 2019, o Governo de Bolsonaro enfraqueceu efetivamente as agências ambientais federais, demonizou organizações que trabalham na preservação da floresta tropical e apelou ao crescimento económico em terras indígenas, argumentando que é para o próprio bem-estar dos grupos indígenas.

A sua retórica em particular – com apelos para "desenvolver", "colonizar" e "integrar" a Amazónia – tem "efetivamente dado luz verde" às redes criminosas envolvidas no comércio ilegal de exploração madeireira e mineira, disse César Muñoz, investigador sénior das Américas na HRW e especialista em defensores do ambiente nas comunidades indígenas.

E embora o Governo de Bolsonaro já tenha destacado os militares do país para defender a Amazónia da extração ilegal de madeira e limpeza de terras, Muñoz diz que a medida acabou por afastar funcionários da agência ambiental do país, o IBAMA, resultando na perda de conhecimentos ambientais.
O IBAMA e o gabinete do Presidente não responderam aos pedidos de comentário da CNN.

Roberto Liebgott, coordenador da região sul do Conselho Missionário Indígena do Brasil, um grupo de defesa dos direitos indígenas afiliado à Igreja Católica, aponta para preconceitos e estereótipos culturais na origem da atividade criminosa na Amazónia.

Pelo menos duas narrativas estão a alimentar a violência, disse Liebgott à CNN: "A primeira está ligada à ideia de que os povos indígenas não estão sujeitos a direitos como os outros humanos, perpetuando a narrativa do 'selvagem' e, como tal, podem ser agredidos, atacados, expulsos ou mortos."

A segunda, disse, "está ligada à narrativa de que os povos indígenas não precisam de terra e de que tudo é feito por eles".

A retórica de Bolsonaro também é conhecida por incentivar os estereótipos deste tipo, afirmando num vídeo de 2020 que os brasileiros indígenas ainda estão "a evoluir".  Nesse mesmo ano, descreveu um "sonho" de há muito para abrir as reservas indígenas à exploração mineira.

Em contraste, as reportagens de Phillips focavam-se nas ameaças colocadas por exploração mineira ilegal e criadores de gado a grupos indígenas isolados, e destacavam os esforços que os povos indígenas estavam a fazer para salvar o seu ambiente.

É uma das muitas razões pelas quais o seu trabalho e o de Pereira é tão crucial, diz Muñoz, e é também por isso que o seu desaparecimento é tão desolador.

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