O crime de branqueamento tem aumentado em Portugal, mas há menos fiscalização às empresas por parte da Autoridade Tributária. Armazéns vazios, documentos de pessoas com problemas de adição, no terreno os inspetores encontram de tudo. É fácil abrir negócios no país e, por isso, devia haver mais "atenção"
A Autoridade Tributária é uma das entidades responsáveis por controlar as empresas, mas neste momento as ações de “inspeção” estão muito limitadas diz à CNN Portugal Nuno Barroso, Presidente da APIT - Associação Sindical dos Profissionais da Inspeção Tributária e Aduaneira. No terreno encontravam de tudo um pouco: desde armazéns vazios, até documentos de pessoas com problemas de adição. Portugal tem um sistema que facilita a abertura de empresas, mas o maior problema está na falta de fiscalização.
“A Autoridade Tributária, é uma das entidades que fazia a fiscalização. É o que nós chamávamos de início de atividade, ou seja, as empresas quando iniciavam a atividade nas finanças, havia uma verificação, uma espécie de ‘checklist’ para avaliar o risco”, explica.
O aumento do crime de branqueamento de capitais não surpreende Nuno Barroso. Há cada vez mais dinheiro a passar por Portugal e cada vez mais empresas, criadas no país, envolvidas. “O que existe é um sistema que permite facilmente, mesmo que seja um estrangeiro, chegar a Portugal, criar a sua empresa, registar-se, pedir um NIF nas finanças e depois abrir uma atividade. Após essa abertura de atividade, chegar ao banco, abrir uma conta e a partir daí está livre”.
“O que se calhar não estamos a fazer devidamente é uma visita ao local, ver se a atividade é realizada ou não”, diz Nuno Barroso, acrescentando: “Neste momento, o que está a acontecer é que nós não temos recursos suficientes alocados a atividades inspetivas e sobretudo a atividades inspetivas aos inícios da atividade”.
Apesar de tudo, o sindicalista considera que “a ideia da empresa, na hora, é boa no sentido de trazer realmente alguma simplificação de procedimentos para quem está a querer iniciar a sua atividade”, o que não impede, como em tudo, que haja “um abuso e a possibilidade desse abuso” que, acredita, “só pode ser combatido com uma fiscalização mais ativa e, sobretudo, mais no terreno”.
E isso é algo que agora não acontece. “O que temos? Uma Autoridade Tributária que, neste momento, que está descapitalizada em termos de recursos humanos. Portanto, temos na AT 2.800 inspetores de carreira, mas só 1.000 é que estão a fazer a inspeção”, lamenta.
E o que fazem os restantes? “Temos essas pessoas a fazer secretariado, a fazer atendimento telefónico, o que não tem problema nenhum em fazer, desde que houvesse recursos para as atividades inspetivas. E o que se fez foi canibalizar a inspeção, retirando recursos humanos às atividades inspetivas”.
E este facto, na sua opinião, “abre aqui uma porta para que as situações não estejam devidamente fiscalizadas. Mesmo quando a banca faz o seu trabalho, poderemos ter várias situações em que não chegamos a tempo e o dinheiro passa. E quando estamos a falar de dinheiro passar, não estamos a falar de milhares de euros, estamos a falar de centenas de milhares de euros, estamos a falar de milhões”. Sendo que outro problema é estarmos perante “criminalidade organizada”.
“A maior parte desses criminosos passam por Portugal, mas não ficam cá”
Nuno Barroso já tem muitos anos de experiência e recorda algumas situações com que se deparou: armazéns vazios, pessoas com problemas de adição: “Essas são as situações mais habituais”. O criminoso paga sobretudo a toxicodependentes, ou pessoas de rua, ou a pessoas com uma vida fragilizada. Paga 50 ou 100 euros para darem os dados fiscais e criarem aquelas empresas”.
E mais uma vez conta: “Quando vais ao terreno é que consegues perceber. Primeiro se a morada corresponde a uma atividade, se a pessoa que está indicada como sendo o gerente corresponde, se é alguém que está ligado a essa atividade, ou se é uma pessoa que foi ‘comprada’, entre aspas, para tal”.
Mas os que gerem o esquema, “a maior parte desses criminosos passam por Portugal, mas não ficam cá. Eles criam é os mecanismos necessários para utilizá-los no sentido de passar o dinheiro”.
A CNN Portugal questionou o Ministério das Finanças sobre o número de atividades inspetivas da Autoridade Tributária nos últimos anos, mas não obteve resposta.
“Ao invés de criar um estabelecimento, cria 10 ou 100. É a facilidade do sistema”
Miguel Viegas, é docente na Universidade de Aveiro e foi deputado no Parlamento Europeu entre 2014 e 2019, pelo PCP. Já escreveu vários livros, mas um deles é dedicado ao Branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, com uma síntese de tudo o que é essencial saber sobre o tema.
“A necessidade de branquear dinheiro e o introduzir de uma forma legal para depois ser usado para os maiores benefícios necessita, obviamente, de uma fechada legal”, afirma à CNN Portugal. E por isso, não é de estranhar que os criminosos recorram às empresas na hora. Mas alerta que nem todos os negócios representam o mesmo nível de suspeição: “Podia ter um restaurante, mas depois para mascarar e para ser credível, tinha que ter custos elevados”, explica. Por norma criam “empresas mais simples” como, por exemplo, “aluguer de viaturas”.
Ou seja, “por um lado, é muito fácil criar empresas, por outro, os agentes que branqueiam capitais são desafiados a estabelecer circuitos cada vez mais complexos. Tudo para despistar os agentes que fiscalizam”, afirma acrescentando depois que “ao invés de criar um estabelecimento, cria 10 ou 100. É a facilidade do sistema”. Desta forma, em vez de passar um milhão numa conta bancária, passa um valor menor por várias contas e empresas e dão menos nas vistas. Sem querer criámos “instrumentos que depois são utilizados de forma perversa pelos agentes branqueadores”.
Miguel Viegas sabe que este não é um problema só de Portugal, mas defende que deveria haver “uma atenção especial” da parte de todos os que lidam e fazem registo destas empresas. Já estão previstos sinais de alerta, mas talvez devessem ser mais e pudessem ser aplicados “com mais vigor”, talvez até “tipificar determinados ramos” de negócios mais “suscetíveis de serem utilizados para este efeito”.
“Hoje, com as empresas criadas na hora, que é benéfico para a economia e nós compreendemos as vantagens que isso comporta” não se podem ignorar os riscos. “Não há bela sem senão e ao nível das autoridades isso implica, claro, um redobrar de atenção”.
Considerando que “a questão do branqueamento de capital é tão vasta que ultrapassa qualquer capacidade de vigilância ativa por parte das autoridades” a luta contra o fenómeno acaba por estar “nas mãos de todos nós”.
As redes criminosas criam empresas, abrem contas bancárias e são milhões que se perdem numa teia de operações bancárias.