Não é novidade nenhuma que uma campanha política é composta por momentos mais acesos, mais aguerridos e até momentos mais familiares. Este tipo de atividades procura mostrar as várias facetas dos políticos, desde a sua capacidade para liderar, lidar com situações mais tensas, até aos momentos mais “humanos”, revelando as múltiplas dimensões da personalidade de cada um. Nada disto é estranho ao leitor, nem anormal, pois, na verdade, todos somos iguais na individualidade que nos torna humanos. Porém, a história não acaba aqui - e alguém quer aproveitar-se da nossa distração. Quem? Já lá vamos.
Faz agora, sensivelmente, seis meses que o mundo foi surpreendido com o resultado das eleições na Roménia, onde um quase perfeito desconhecido, sem grandes movimentos ou apoios partidários, sem o suporte mediático que fosse notório, ou até sem o grande carisma dos políticos de antigamente, venceu, para surpresa geral, as eleições presidenciais. O que o destacava? Uma avassaladora campanha digital sem precedentes, dominada por milhares de perfis aparentemente independentes, que, como vozes solitárias, gritavam em letras garrafais as mesmas frases de indignação ou promessas. Este discurso comum não falhou em chamar a atenção das pessoas, que partilharam freneticamente as publicações - quer por concordarem, quer por discordarem do conteúdo.
Aliás, este tipo de ação não é novidade e já vimos isto com Trump e até com Obama, mas onde jaz a diferença? Na Roménia, por exemplo, o candidato era quase um desconhecido!
Cá por terras lusas, o panorama não está diferente. Apesar de redes sociais como o TikTok, entre outras, possuírem sistemas complexos que estão a conseguir, ou pelo menos a tentar, minimizar o impacto destas contas do mundo da fantasia, a tarefa não está a ser fácil. E porquê?
Porque estas contas conseguem fazer aquilo que nenhuma organização de campanha consegue com tanta eficácia: isto é, ter uma linguagem simples, emocional, quase sempre binária - “eles” são corruptos, “nós” somos o povo, “eles” andam a roubar - num discurso que depois é replicado por contas que parecem reais em tudo, com fotos de família, opiniões sobre futebol e até receitas de culinária; mas que, ao olhar atento, demonstram um padrão de criação em massa.
Para quem está preparado para este tipo de fenómenos, estas estratégias não passam despercebidas, pois a capacidade de abstração permite ver que, ao sobrepor o estilo como se fossem montes de folhas de papel, a mancha negra em cada folha não passa para fora das margens da que está por baixo, mostrando que há mão alheia por trás. Mas como chegámos aqui?
Ora, essa é uma pergunta que daria outro texto do tamanho deste. Mas… digamos apenas que tudo ganhou visibilidade com o escândalo da Cambridge Analytica. Esta empresa utilizou modelos de perfis psicológicos - os chamados “Big Five” (openness, conscientiousness, extraversion, agreeableness, neuroticism) - desenvolvidos por investigadores da Universidade de Cambridge, para segmentar emocionalmente os utilizadores do Facebook. Os dados que o permitiram vieram de milhões de pessoas e foram usados em campanhas hipersegmentadas, orientadas para a manipulação da perceção individual, e foi nesse momento que se ensaiou o que hoje assistimos nas redes sociais. Alegadamente, esta estratégia ajudou a eleger Trump nos Estados Unidos e a impulsionar o Brexit no Reino Unido.
Confesso que, para mim, nada disto é novo - mas é, acima de tudo, altamente simples de implementar e Portugal não é exceção; também por cá operam os sucedâneos da Cambridge Analytica, bem como grupos de interesse internacional, as estruturas partidárias disfarçadas e os “tolos” das redes sociais.
O resultado? Bolhas artificiais de entusiasmo que condicionam jornalistas, confundem opositores e atraem eleitores desiludidos com o sistema tradicional, conseguindo vitórias surpreendentes à custa da manipulação algorítmica da emoção humana. Não foi a política que mudou, foi a perceção da realidade que foi sequestrada. E agora, em plena campanha para sabermos quem será o próximo primeiro-ministro de Portugal, o truque está a ser implementado. Por quem?
Essa é a pergunta importante. Quem?
Não há provas diretas de quem o está a fazer, ou melhor, há, mas não de tudo. Há, de facto, muitos indícios que mostram que são “exércitos de trolls” — isto é, pessoas juntas na mesma sala ou no mesmo espaço digital mundial, que, por estratégia ordenada por vários poderes com interesse em desestabilizar os seus pares, dão instruções para que a balança seja “ajustada”, para eleger alguém mais próximo das suas ideias ou menos antagonista à sua liderança.
De forma mais localizada, há também os fanáticos partidários que, solitariamente ou em grupos mais ou menos organizados, criam contas para espalhar toda a espécie de verborreia mental que inflama, mente e cria uma realidade alternativa, tanto para engrandecer os que apoiam como para destruir os que detestam. Temos ainda os partidos políticos que pagam a empresas para o fazer, como vimos nas mais recentes notícias, em que, alegadamente, um gastou 40 mil euros com uma empresa que tinha uma estratégia para contornar os mecanismos das redes sociais - nomeadamente bots que utilizavam redes de cafés, padarias ou VPNs para criar os perfis falsos, para manietar opiniões. Vale tudo meu caro leitor, vale tudo enquanto se pousa no peito a mão e se fazem juras de honra.
A lista de quem o quer ou pode fazer é longa, tal como as suas intenções ou razões. Porém uma coisa é certa, recorrem à manipulação para levar avante os seus objetivos e prejudicar todos pois nada disto é transparente e ignorar não resolve.
Não ignore por favor, denuncie. Ignorar este fenómeno será entregar a democracia aos algoritmos e como todos nós já o sabemos, os algoritmos não possuem moral.