Como um grupo de borboletas voou 4.200 quilómetros através do Oceano Atlântico sem parar

CNN , Taylor Nicioli
21 jul 2024, 11:00
Os cientistas descobriram provas de que um grupo de borboletas-bela-dama atravessou o Oceano Atlântico sem parar, segundo um novo estudo. Gerard Talavera

A descoberta põe fim a um mistério de uma década, que começou quando o entomologista e principal autor do estudo, Gerard Talavera, encontrou cerca de dez borboletas-bela-dama, conhecidas pelo nome científico Vanessa cardui, numa praia da Guiana Francesa, em outubro de 2013. Os insetos, que não são normalmente encontrados na América do Sul, estavam desgastados e tinham buracos e rasgões nas asas

As borboletas-bela-dama aventuram-se por todo o lado com os seus impressionantes padrões migratórios que se estendem por milhares de quilómetros - mas viajam frequentemente por terra, para poderem parar para descansar.

Os cientistas descobriram agora provas de que um grupo destes viajantes alados voou mais de 4.200 quilómetros através do Oceano Atlântico sem parar, de acordo com um novo estudo publicado na revista Nature Communications.

A descoberta põe fim a um mistério de uma década, que começou quando o entomologista e principal autor do estudo, Gerard Talavera, encontrou cerca de dez borboletas-bela-dama, conhecidas pelo nome científico Vanessa cardui, numa praia da Guiana Francesa, em outubro de 2013. Os insetos, que não são normalmente encontrados na América do Sul, estavam desgastados e tinham buracos e rasgões nas asas.

"Pareciam exaustos. Nem sequer conseguiam voar muito – saltavam, em vez de voar", disse Talavera, investigador principal do Conselho Nacional de Investigação espanhol no Instituto Botânico de Barcelona. "A única explicação que me ocorreu foi que se tratavam de migrantes de longa distância."

Mas atravessar um oceano inteiro era algo inédito para borboletas, mesmo para borboletas tão mundanas como as bela-dama. Talavera, juntamente com os seus colegas, teve de excluir alguns fatores, antes de concluir que estas borboletas conseguiram o que se pensava ser impossível.

Até onde pode voar uma borboleta?

Um estudo de outubro de 2016, do qual Talavera é coautor, concluiu que as bela-dama da Europa migram em longas distâncias, de cerca de 4.000 quilómetros, para a África subsariana, e enfrentam obstáculos como o Mar Mediterrâneo e o Deserto do Saara. Mas, mesmo assim, as borboletas permanecem maioritariamente em terra, onde podem "parar e reabastecer, alimentar-se de flores e obter energia para continuar", observou Talavera.

De acordo com o novo estudo, a travessia do Atlântico levaria entre cinco a oito dias para uma borboleta-bela-dama, dependendo de diferentes variáveis.

Com base na análise dos constrangimentos energéticos, os investigadores concluíram que as borboletas podiam voar até um máximo de 780 quilómetros sem parar, mas foram as condições favoráveis do vento que lhes permitiram completar a longa viagem, explicou Talavera.

"Na verdade, trata-se de um recorde para um inseto, especialmente para uma borboleta, realizar um voo tão longo sem a possibilidade de parar", sublinhou Talavera, que também lidera o Projeto Global de Migração da Bela-Dama, um projeto de ciência que segue as rotas migratórias dos insetos.

Houve outros casos em que os especialistas suspeitaram que as borboletas e outros insetos migratórios percorreram distâncias mais longas do que o habitual, tendo aparecido em navios, ilhas remotas ou países onde não são habitualmente encontrados, indicou Talavera.

Os investigadores acreditam que estas borboletas faziam parte de um grupo da sua migração anual para sul, a partir da Europa, mas perderam-se quando o vento as empurrou para o oceano, acrescentou. É provável que as borboletas tenham resistido a ventos alísios, que sopram de leste para oeste perto do equador, até chegarem a terra na América do Sul.

"Ficar suspenso na coluna de ar à altura certa, para tirar partido dos ventos alísios, é realmente extraordinário", considerou Floyd Shockley, diretor de coleções do departamento de entomologia do Museu Nacional de História Natural Smithsonian em Washington, EUA, que não participou no novo estudo. "Isto levanta a questão: será que fazem isto há muito tempo e nunca o documentámos porque não procurámos na América do Sul?"

A descoberta de cerca de dez borboletas distantes do habitat habitual, em comparação com a descoberta ocasional de um único exemplar que provavelmente foi apanhado pelas tempestades, pode ser prova suficiente de que se tratou de um evento migratório coordenado por um grupo de insetos, argumentou Shockley.

Seguir o rasto de uma borboleta

Os investigadores tomaram algumas medidas cruciais para confirmar que estas borboletas perdidas viajaram, de facto, através do oceano.

Em primeiro lugar, para excluir a possibilidade de os insetos terem viajado por terra a partir da América do Norte, os investigadores analisaram o seu ADN e verificaram que coincidia com o das populações europeias e africanas. Em seguida, a equipa utilizou uma técnica conhecida como rastreio de isótopos, que analisa a composição das asas das borboletas para obter provas dos tipos de plantas que comeram quando eram lagartas, explicou a coautora do estudo, Megan Reich, pós-doutorada da Universidade de Otava, no Ontário, Canadá. Utilizando este método, os cientistas concluíram que o local de nascimento das borboletas era a Europa Ocidental, o Norte de África ou a África Ocidental.

Os cientistas concluíram que o local de nascimento das borboletas era a Europa Ocidental, a América do Norte ou a África Ocidental, utilizando o rastreio de isótopos, método que analisa a composição das asas das borboletas para determinar os tipos de plantas que comeram quando ainda eram lagartas. Gerard Talavera

Mas a chave para encontrar a rota que as borboletas seguiram foi um método descrito pela primeira vez num estudo de setembro de 2018, liderado por Talavera, que descobriu que o pólen agarrado às borboletas pode ser revelador da sua viagem migratória através das plantas de que se alimentam. As borboletas observadas em outubro de 2013 tinham pólen de duas plantas da África Ocidental, Guiera senegalensis e Ziziphus spina-christi. Os arbustos tropicais florescem entre agosto e novembro, segundo o estudo, e esta época de floração coincide com a cronologia das borboletas que Talavera descobriu na América do Sul.

Além disso, uma análise dos dados meteorológicos das 48 horas anteriores à descoberta das borboletas revelou-se "excecionalmente favorável à dispersão das borboletas através do Atlântico a partir da África Ocidental", referem os autores no estudo.

Se os insetos viajaram desde o seu provável local de nascimento, a Europa, para África e América do Sul, a viagem das borboletas pode ter sido de 7.000 quilómetros ou mais.

"Muitas pessoas pensam que as borboletas são criaturas muito frágeis. Penso que isto mostra bem como são fortes e resistentes e como fazem estas incríveis viagens que não devem ser subestimadas", apontou Reich.

Os investigadores esperam utilizar as mesmas técnicas para investigar os padrões de migração de outras espécies de borboletas.

"Este é apenas o primeiro passo de um longo processo para tentar perceber porquê e como é que isto aconteceu", disse Shockley.

Se a investigação futura concluir que a viagem das borboletas é provavelmente um padrão migratório regular, tratar-se-á de uma das mais longas migrações de insetos do mundo, acrescentou.

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