Exclusivo: Os restos do ouro branco. Milhões em fundos europeus e públicos não acabaram com centenas de escombreiras das pedreiras de mármore

12 dez 2022, 21:26

Área para depositar resíduos do mármore custou milhões. Projeto ficou semi-abandonado ao fim de um ano

Maria Manso e Joaquim Anjinho falam com resignação: nunca perceberam ao certo aquilo que aconteceu com o projeto que em nome do interesse público os levou a ficar sem os terrenos que tinham na freguesia de Rio de Moinhos, em Borba.

A ideia, já antiga aquando da inauguração em 2008, era criar as chamadas Áreas de Deposição Comum (ADC) para os resíduos do mármore que se acumulavam e continuam a acumular, há décadas, nos concelhos do Alandroal, Borba, Estremoz e Vila Viçosa, o centro da exploração de uma rocha que alguns apelidam de "ouro branco" do Alentejo.

Estavam previstas oito ADC, numa obrigação imposta pelo Plano Regional de Ordenamento do Território da Zona dos Mármores (PROZOM), aprovado em 2002 pelo Conselho de Ministros, numa altura em que todos identificavam nas 178 escombreiras da região um problema ambiental grave que precisava de ser resolvido pelas 'cicatrizes' que deixa na paisagem.

"Depois de tanta despesa..."

Com financiamento europeu e dinheiro público nacional, gastaram-se, segundo os valores divulgados na altura, cerca de 5,6 milhões de euros na primeira ADC inaugurada em Borba com a presença do então Ministro do Ambiente, Francisco Nunes Correia, durante o primeiro governo liderado por José Sócrates.

António Paixão, ex-presidente da Junta de Freguesia de Rio de Moinhos, esteve na cerimónia e hoje admite que o projeto foi uma desilusão. A paisagem e os problemas ambientais continuam iguais e toda a população ficou admirada: "Depois de tanta despesa, gorou-se o objetivo e nem se notou o efeito nas escombreiras".

O relatório do administrador de insolvência que tratou da falência da empresa dona da ADC, consultado pelo Exclusivo da TVI (do grupo da CNN Portugal) no tribunal de Vila Viçosa, confirma os relatos: "Um ano após a abertura não existia qualquer empresa a entregar os seus subprodutos do mármore, estando a ADC num estado de semi-abandono".

O documento faz o diagnóstico, apontando como causa o cancelamento das obras públicas previstas em 2008 que poderiam receber a pedra britada, mas também os custos do transporte entre as pedreiras de mármore e a ADC. 

"Tornou-se notório desde o início que os custos para as empresas eram incomportáveis", refere o administrador de insolvência.

Abandono e vandalismo

Depois de anos ao abandono e até sujeita a vandalismo, os quase 30 hectares da ADC foram leiloados em 2019 no âmbito do processo de insolvência que apenas permitiu pagar parte das dívidas da empresa gestora do espaço.

A "Edc Mármores - Empresa Gestora das Áreas de Deposição Comum dos Mármores" era detida pelas quatro autarquias com mais pedreiras de mármore (Alandroal, Borba, Estremoz e Vila Viçosa), Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Alentejo, empresas e associação do setor.  

Apesar dos relatos que confirmam a rápida paragem no funcionamento da Área de Deposição Comum dos resíduos do mármore, a CCDR do Alentejo (que também fiscaliza a aplicação dos fundos europeus) garante, por escrito, que o projeto esteve a funcionar até ao final de 2016, como previa o contrato assinado para receber os fundos comunitários. Uma resposta que além de contrariar os relatos ouvidos em Borba (e o administrador de insolvência), parece contrariar a própria associação do setor que detinha 43% da empresa dona da ADC.  

Os responsáveis da Associação Portuguesa da Indústria dos Recursos Minerais (ASSIMAGRA) recusaram ser entrevistados, mas num documento por escrito enviado ao Exclusivo da TVI referem que a concessão da ADC só esteve a funcionar entre julho de 2009 e o final de 2010. 

Segundo a Assimagra, "a falta de obra pública na região e o impedimento verificado ao nível da incorporação dos agregados britados nas grandes obras públicas projetadas inicialmente (como a alta velocidade cancelada posteriormente) condicionaram decisivamente a continuidade da atividade da ADC", apesar dos alegados esforços feitos para viabilizar a empresa.

50 cêntimos por metro quadrado

Apesar da insistência, nenhum dos envolvidos no projeto (autarcas ou empresários) aceitou ser entrevistado, tal como alguns dos proprietários que admitiram ter sido prejudicados com a venda forçada, há 15 anos, dos terrenos onde foi instalada a ADC.  

Os proprietários que aceitaram dar a cara recordam que receberam apenas 50 cêntimos por metro quadrado, muito abaixo do valor de mercado na altura, depois das pressões dos responsáveis da Câmara Municipal de Borba.

"A expropriação era para um bem comum, mas ao fim de um tempo tudo ficou assim como está lá agora [abandonado]", ou seja,"as pessoas sem os terrenos e aquilo sem trabalhar", refere Joaquim Anjinho.  

Maria Manso recorda que na altura até disse ao marido que não valia a pena contestar pois seria para "benefício do planeta". Conformou-se, mas "no final não foi para benefício de ninguém...", afirma.

A primeira e única ADC inaugurada já não existe, apesar de continuar a marcar presença em inúmeras placas que se encontram nas estradas de Borba. Os terrenos estão vazios depois de terem sido leiloados durante o processo de insolvência. 
Catorze anos depois, as escombreiras com montes gigantes da pedra que sobrou da exploração do mármore continuam praticamente na mesma.

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