Para ganharem €61/dia há bombeiros que têm de trabalhar 24 horas seguidas

15 jul 2022, 07:00

Um dos maiores problemas do sector é ainda o facto de os bombeiros estarem mal distribuídos pelas zonas do país: há a mais nuns sítios e a menos noutros. Este é o retrato de quem zela por nós no combate às chamas

O pagamento dos bombeiros portugueses é feito consoante o seu grau de profissionalização. No caso dos bombeiros voluntários, que não são assalariados, o Governo decidiu aumentar de 57 para 61 euros o valor diário a pagar àqueles que integram o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais.

No entanto, António Nunes diz que essa é uma forma enviesada de ver a situação. É que um bombeiro voluntário não ganha 61 euros por um dia de trabalho normal. Ao invés disso, 61 euros é o máximo que pode receber num dia. Ou seja, esse operacional só receberá os 61 euros caso trabalhe as 24 horas do dia, algo que, naturalmente, não acontece.

"Os bombeiros voluntários não recebem salário. Têm uma compensação diária que corresponde a 24 horas de trabalho. Se eu só fizer 12 horas só sou compensado pelas 12 horas", afirma, explicando que o salário por hora ronda os 2,5 euros por hora.

Salários diferentes têm os bombeiros sapadores e os bombeiros municipais, corporações consideradas profissionais e que recebem de acordo com a sua categoria. Segundo o documento que prevê os salários da Administração Pública para 2022, um bombeiro sapador entra a ganhar 960,98 euros brutos por mês, salário que vai evoluindo de acordo com as diferentes categorias e que pode chegar aos 3.778,97 euros brutos em topo de carreira, que nos sapadores será o cargo de comandante de regimento ou de batalhão.

Já nos municipais o topo de carreira dará direito, num corpo de bombeiros de categoria 3 ou 4, a uma remuneração de 3.023,18 euros brutos. Todos os bombeiros municipais que estejam abaixo de cargos de comando estão, desde maio deste ano, equiparados aos salários dos bombeiros sapadores.

Sobre estes valores, António Nunes assume que são baixos mas vê este como um problema da sociedade e não da profissão: "Os polícias e os professores também ganham mal", refere, apontando que nunca poderia ser apenas esta classe a ser aumentada pelo Estado.

"Os salários são sempre relativos. Não podemos pagar mais a um bombeiro que a um polícia ou a um GNR. Portugal tem salários baixos, mas tem salários baixos em todas as categorias", acrescenta.

A mais nuns sítios, a menos noutros

Segundo o relatório do Tribunal de Contas, o financiamento dado aos bombeiros portugueses não garante "níveis mínimos" em todo o país. No entanto, o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses garante à CNN Portugal que a força existente é suficiente para garantir a segurança da população, ainda que por estes dias não chegue para todas as ocorrências. “Se falarmos de terça e quarta-feiras desta semana, esta força é insuficiente. Se fizermos um rácio por habitante, talvez seja suficiente”, aponta António Nunes, que identifica antes um outro problema: a distribuição dos operacionais.

O responsável refere que essa distribuição não está a ser bem feita, o que faz com que existam locais do país onde há mais bombeiros que o necessário, sendo que o contrário também acontece. António Nunes coloca assim a cargo da Proteção Civil a necessidade de criar o Comando Nacional de Bombeiros, um organismo que serviria para “alocar os bombeiros de acordo com as necessidades previstas e com o risco”. “O número global está certo, mas não está bem distribuído”, afirma o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses.

De certa forma, António Nunes concorda com parte das conclusões do Tribunal de Contas, que apontou que a distribuição dos corpos de bombeiros pelo continente "não atende a critérios de economia, eficiência e eficácia", por não estar definido um "desempenho padrão em função do risco e das características do território" ou por os corpos de bombeiros apresentarem "diferenças substanciais de meios e de níveis de serviço" que dependem da sua tipologia (sapadores, municipais, voluntários com ou sem equipas de intervenção permanente), mas também, e em grande medida, "da capacidade e disponibilidade" de cada município para suportar o financiamento, mesmo que seja apenas parcial, como acontece com os corpos que são Associação Humanitária de Bombeiros (os voluntários), a grande maioria em Portugal.

A Liga dos Bombeiros Portugueses afirma que não é a profissionalização dos bombeiros que vai facilitar a situação, afirmando que é necessária uma coordenação entre bombeiros voluntários e equipas que garantam a realização dos serviços de emergência em cada área de atuação.

Grandes desequilíbrios (exemplo: Oeiras vs. Castelo Branco)

Os dados mais recentes da distribuição de bombeiros em Portugal datam de 2019 e foram publicados em maio deste ano num relatório global do Tribunal de Contas, que fez a auditoria ao financiamento das diferentes corporações.

Segundo aquela análise existiam em 2019 434 corpos de bombeiros, sendo que apenas 22 eram profissionais (detidos por municípios) e que 412 eram voluntários (detidos por Associações Humanitárias de Bombeiros). Uma realidade que tem diferentes fatores regionais. No Alentejo e no Algarve há mais corporações municipais. De resto, em concelhos como Coruche, Loulé ou Tavira não existiam, àquela altura, bombeiros voluntários.

Já quanto ao número de corporações, a diferença faz-se entre Litoral e Interior. Quanto mais perto do mar mais corporações de bombeiros existem, o que explica que apenas em concelhos das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto existissem mais de cinco corporações de bombeiros. Uma diferença que também se faz por área de intervenção: se em Castelo Branco, que tem mais de 1.400 quilómetros quadrados, existe apenas uma corporação de bombeiros, no caso de Oeiras, concelho com apenas 45 quilómetros quadrados, são sete as corporações, o que fazia daquele o quinto município com mais bombeiros em 2019 (392).

Corporações de bombeiros em Portugal em 2019 (Tribunal de Contas)

Lisboa era o concelho com mais bombeiros (1.069), espalhados por sete corporações, enquanto o Alandroal, com apenas 17 bombeiros numa corporação, era o município com menos efetivos. De resto, apenas os nove concelhos com mais efetivos distribuíam-se todos pelas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

A onda de calor que atinge Portugal esta semana, em conjunto com outros fatores, está a provocar uma onda de incêndios como há muito não se via. Disso mesmo são espelho Faro, Ourém ou Palmela, onde o fogo obrigou pessoas a fugirem das suas casas, destruindo mesmo algumas das habitações por onde passou. De resto, o Governo já tinha avisado que estávamos perante a “pior conjugação de fatores desde Pedrógão Grande”.

13 mil destacados para o verão

Portugal tem atualmente 12.917 operacionais destacados para o combate a incêndios, naquele que foi definido como o nível IV do empenhamento operacional - o grau mais elevado e que vai de 1 de julho a 30 de setembro.

Isso mesmo foi definido pelo Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais, que mobiliza agentes de várias forças como os bombeiros, a Força Especial de Proteção Civil, a GNR, a PSP ou o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. Do dispositivo atual, quase metade são bombeiros: entre voluntários e profissionais são 6.731, que contribuem ainda com 1.508 dos 2.833 veículos que Portugal tem disponíveis no mesmo período, que conta ainda com 60 meios aéreos. Números que aumentam consideravelmente em relação a 2021, quando Portugal teve, no mesmo período, 5.777 bombeiros apoiados por 1.332 veículos.

É uma fatia de um total de 29.362 bombeiros que Portugal tem efetivos, entre o quadro ativo e o quadro de comando, segundo os dados fornecidos à CNN Portugal pela Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.Desses, cerca de dois terços são bombeiros voluntários (18.173), enquanto 354 são bombeiros municipais e 1.825 são sapadores, o que confirma o que foi dito num relatório do Tribunal de Contas, que aponta que “o sistema assenta numa lógica de voluntariado”. A Proteção Civil destaca ainda que os corpos de bombeiros voluntários dispõem de mais 9.010 operacionais que são profissionais mas que não pertencem nem aos municipais nem aos sapadores. Há ainda 8.347 bombeiros no quadro de honra.

O número de mulheres efetivas também aumentou. Se há uns anos eram pouco mais de 5%, as mulheres correspondem hoje a 22% do total de efetivos, sendo 6.704 os operacionais do sexo feminino. Quanto a idades, a média do quadro ativo está nos 38,2, enquanto o quadro comando tem uma média de idades de 45,7 anos

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