Crash nas bolsas: esta estratégia de investimento popular rebentou na cara dos investidores

CNN , Allison Morrow
8 ago, 08:00
Bolsa de Nova Iorque (EPA)

ANÁLISE || Sabe o que é o "carry trade"? É uma das causas do descalabro esta semana na Bolsa de Tóquio. E mostra quão arriscado é tentar ganhar "dinheiro fácil"

Por vezes, os mercados financeiros caem devido a um acontecimento grande e inequívoco, como uma pandemia, uma guerra ou uma travagem económica. Outras vezes, caem devido a forças menos visíveis, como manobras financeiras de alto nível destinadas a gerar lucros a partir do nada.

Esta semana, os mercados têm-se debatido com as duas situações.

As vendas maciças em Wall Street começaram na semana passada com algumas preocupações fundamentais: os lucros do sector tecnológico foram decepcionantes e houve sinais de alerta no mercado de trabalho dos EUA que poderiam indicar um sério abrandamento da maior economia do mundo.

Mas a mudança financeira que deitou gasolina no fogo é mais obscura e tão técnica que mesmo alguns investidores de longa data têm dificuldade em explicá-la de forma sucinta.

Quando se ouve os comentadores falarem esta semana do "carry trade do iene" ou do "grande desmantelar", eles estão a referir-se a uma estratégia de negociação popular que, de repente, está a rebentar na cara dos investidores.

O "carry trade" explicado

Em termos simples: um "carry trade" acontece quando se pede dinheiro emprestado num local onde as taxas de juro são baixas e se utiliza esse dinheiro para investir noutro local em ativos que geram algum tipo de rendimento.

O local onde se pode obter dinheiro a baixo custo é, há anos, o Japão, onde as taxas de juro se têm mantido constantemente no zero ou perto disso.

Um investidor pode pedir emprestado ienes japoneses (mediante o pagamento de uma pequena taxa) e utilizá-los para comprar, por exemplo, acções de empresas tecnológicas norte-americanas, obrigações do tesouro ou o peso mexicano - todos eles com rendimentos sólidos nos últimos anos. Em teoria, enquanto o iene se mantiver baixo em relação ao dólar, pode pagar o que pediu emprestado e ainda sair com um bom lucro.

"Durante o século, até agora, teríamos ganho mais dinheiro com o 'carry trade' iene-peso do que com o [investimento no índice bolsista] S&P 500", disse John Authers, colunista da Bloomberg, no podcast Big Take Daily. "Isso é de loucos".

O "carry trade" do iene revelou-se especialmente popular nos últimos quatro anos, porque o Japão era a única grande economia do mundo que essencialmente "vendia" dinheiro grátis. (Enquanto os EUA, a Europa e outros países aumentavam as taxas de juro para combater a inflação, o Japão tinha o problema oposto e mantinha as taxas de juro baixas para incentivar o crescimento económico).

Contrair um empréstimo a troco de quase nada e obter um rendimento de 5% sobre um título do Tesouro dos Estados Unidos parece uma opção fácil.

"É uma boa arbitragem, mas não é realmente uma arbitragem porque não é isenta de risco", disse John Sedunov, professor de finanças na Villanova School of Business. "É preciso que a taxa de câmbio trabalhe a nosso favor."

Dinheiro fácil torna-se perigoso

Os problemas começaram quando o valor do iene começou a subir há algumas semanas, corroendo o lucro potencial de um "carry trade".

Na semana passada, o Banco do Japão aumentou as taxas de juro pela segunda vez desde março, fazendo subir ainda mais o iene (e tornando assim mais caro o pagamento do seu empréstimo em ienes).

Entretanto, o dólar enfraqueceu à medida que a Reserva Federal dos EUA deu a entender que se avizinham cortes nas taxas e as acções tecnológicas dos EUA caíram. Se você é um "carry trader", dirigiu-se para a porta da saída. O mesmo aconteceu com toda a gente.

É aqui que as coisas se complicam.

"Não se pode desfazer o maior 'carry trade' que o mundo já viu sem partir algumas cabeças", disse Kit Juckes, estratega macro global do Société Générale, numa nota enviada aos clientes na segunda-feira.

O "carry trade" baseia-se na contração de empréstimos, o que significa que se trata de uma posição alavancada. (Regra geral, sempre que se ouve falar de alavancagem em finanças, pensa-se em "risco elevado").

Quando começam a acumular-se perdas, mesmo que pequenas, os credores vão exigir que o investidor disponibilize mais dinheiro para cobrir as perdas potenciais, um processo conhecido como cobertura de margem [em inglês, "margin call"]. Isso pode significar a venda de acções para obter dinheiro ou o fecho total da posição [ou seja, a sua liquidação].

"Nem toda a gente vai ter um valor de cobertura adicional de uma só vez, mas as pessoas mais arriscadas podem ter, e depois começam a liquidar", disse Sedunov. "E isso gera perdas para as pessoas mais a jusante na cadeia, que têm de vender coisas, e depois é uma espécie de espiral".

Na segunda-feira, o mercado bolsista japonês caiu 12,4%, desencadeando uma derrocada global. Na terça-feira, as acções japonesas recuperaram algumas das suas perdas. Os mercados dos EUA também recuperaram. Mas o alívio pode ser temporário.

"Ainda não terminámos", disse Arindam Sandilya, co-diretor da estratégia global de câmbio do JPMorgan Chase, na Bloomberg TV. "O desenrolar do carry trade... está algures entre 50%-60% concluído".

Por outras palavras: apertem os cintos e não entrem em pânico.

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