Com a cotação da bitcoin a roçar os cem mil dólares, o físico e conhecedor do mercado de criptoativos Bernardo Mota Veiga escreve uma série de artigos de opinião sobre esta moeda. Os artigos, que não são recomendações de investimento, pretendem melhorar o conhecimento e o debate sobre a bitcoin
São 12h49 do dia 22 de Novembro de 2024. A bitcoin está a 98 606 dólares, a tocar os máximos de sempre. Há quem esteja a preparar a festa dos 100 000 dólares. Será tarde demais?
Vamos imaginar que a bitcoin tem o potencial de chegar a 1 000 000 (um milhão) de dólares como alguns têm mencionado (note-se que alguns também mencionam que pode chegar a 10 dólares). São, números redondos, 10 vezes mais do que a cotação atual.
A pergunta de um milhão de dólares que vou tentar responder é mesmo: “Ainda é possível ficar rico com a bitcoin?”
A resposta é NIM. Uma das razões óbvias: quem puder comprar uma bitcoin pelos actuais 98 000 dólares e deixar esse dinheiro parado por um longo período de tempo já é, em Portugal, uma pessoa rica, portanto já enriqueceu antes de comprar bitcoins. Mas há outras.
Eu vi a bitcoin a 3 000 euros em 2018 e nessa altura pareceu-me um bom investimento. Nessa altura, para produzir uma bitcoin eram precisos 5 000 euros de energia, portanto o break-even estava assegurado pelos custos de produção. De facto, em bens não perecíveis, quando se compra algo não obsoleto abaixo do preço de produção está-se a fazer, em princípio um bom negócio.
Quem, na altura, em vez de comprar um telemóvel de 1 000 euros tivesse comprado 0,33 bitcoins teria hoje 30 000 euros; e quem tivesse comprado um carro com menos 3 000 euros de extras e tivesse optado por comprar uma bitcoin teria hoje 90 000 dólares (ou seja, o preço de um automóvel topo de gama). A segunda pessoa seria rica, a primeira talvez não fosse.
Se a bitcoin for parar ao milhão de dólares, a primeira pessoa terá então aproximadamente 300 000 euros em bitcoins e a segunda terá três vezes mais. Já diria que ambos ficaram ricos!
Mas e hoje, será demasiado tarde para entrar?
A grande questão é efetivamente saber o que é que o bitcoin virá a ser:
Hipótese A: ativo de reserva de valor
Comparando os investimentos por grupos de ativos, a totalidade de bitcoins comparada com outros “pacotes de ativos” de investimento é hoje de aproximadamente:
- 10% do ouro, 10% da arte, 25% de colecionáveis, 1,5% de ações, 0,5% de imobiliário. Para simplificar: a totalidade do mercado de principais produtos de investimento vale 900 biliões (ou milhões de milhões, que os americanos quantificam em trillion, pelo que seriam 900T USD) e a bitcoin está em 1,4 biliões ou seja 0,15% do total (fonte: Jesse Myers).
Se reduzirmos o mercado aos dois itens mais falados como sendo o objetivo de partida da bitcoin (moeda 120 biliões de dólares e ouro 16 biliões de dólares) temos a bitcoin a representar hoje 1%, o que já não é nada mau para algo que ainda agora começou.
Mas há uma coisa que nós sabemos: o mundo está mais rápido. Algo que demorava antigamente muitos anos a ganhar tração, hoje pode levar meses. Nunca as exponenciais estiveram tanto na moda e a bitcoin está naquele ponto em que, aconteça o que acontecer, não vai ficar como está. Ou vinga, ou não! E se vingar vai de facto “roubar” posições nas outras carteiras de ativos; mas se não vingar, também não não vai ficar a marinar: vai desaparecer com a mesma velocidade com que apareceu.
A bitcoin tem estado a fazer a sua luta com outros ativos, certo? Parece que tem estado a ganhar, mas a representatividade do valor da bitcoin é ainda demasiado baixa para que os outros ativos de investimento o “sintam”. Esse tem sido o princípio dos analistas, mas se é mesmo assim, então o sucesso da bitcoin depende do insucesso dos outros ativos? Então, pela lógica, se o valor da bitcoin subir, o valor de algumas outras coisas terá de descer, pelo que se cada Bitcoin vier a valer 10 vezes mais do que hoje, vão desaparecer de qualquer lado 14 biliões de dólares de algum outro ativo... Para perceber a escala, isso representa dois terços do valor de investimentos em ouro e 10% dos investimentos em moeda!
Ou seja, se, como dizem os analistas estamos perante um jogo de ativos cuja soma é nula, quanto mais a bitcoin subir, mais algo vai descer e esse algo será naturalmente num dos ativos “old school”. Neste cenário, quem estiver do lado da bitcoin ganha das duas formas: pela valorização da bitcoin e pelo que os outros ativos desvalorizarem.
Olhando para a outra possibilidade, se o todos fugirem da bitcoin e o seu valor for parar a zero, à data de hoje o impacto nos outros ativos será muito residual, mas se tal acontecer quando a bitcoin valer 10 vezes mais, então a queda da bitcoin pode significar a subida significativa de outros ativos. A bitcoin começa agora, para o bem e para o mal, a entrar nas contas e a criar impacto.
Ou seja, às cotações atuais, investir um salário em bitcoin pode mesmo não deixar ninguém rico, mas não investir nada em bitcoin pode mesmo vir a deixar esse alguém mais pobre.
Leia mais artigos deste autor sobre a bitcoin aqui.