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Estratega & Ex Cripto-céptico

A bitcoin poderá vir a valer zero

8 jan, 12:59
Bitcoin e criptomoedas Foto ilustração

Com a cotação da bitcoin a roçar os cem mil dólares, o físico e conhecedor do mercado de criptoativos Bernardo Mota Veiga escreve sobre esta moeda digital. Os artigos, que não são recomendações de investimento, pretendem melhorar o conhecimento e o debate sobre a bitcoin

O valor de um bem não é definido pelo vendedor, mas sim por aquilo que alguém está disposto a pagar por ele.

Neste momento, os vendedores de bitcoins continuam a ter quem esteja disposto a pagar perto de 100.000 euros por cada bitcoin existente. Em tempos (lá para 2018), dizia-se que a bitcoin poderia vir a substituir o dinheiro tal como o conhecemos. Digamos que foi a altura em que eu comecei a olhar a bitcoin com um pouco mais de atenção. Nunca achei que a bitcoin iria substituir o dinheiro que conhecemos, mas coloquei como hipótese o facto de as transações online passarem efetivamente a ser feitas em bitcoins.

Apliquei uma lógica tão simples que hoje me envergonha:

se a bitcoin é uma moeda digital, então é normal que seja implementada primeiramente nesse mesmo mercado: o digital.

Comecei a fazer testes de sensibilidade a uma possível implementação da bitcoin como moeda digital, tentando adivinhar o seu potencial valor. Se 15% das transações digitais fossem feitas em bitcoins, estaríamos a falar de 1.650 biliões anuais. Aos atuais valores de 100.000 dólares bitcoin, a bitcoin vale aproximadamente 1.800 biliões. Os meus cálculos acertaram na “mouche”!

Na minha cabeça, esta lógica da batata parecia funcionar. A bitcoin não iria substituir as notas, mas iria um dia chegar aos 100.000 dólares caso alcançasse uma penetração significativa no mercado das transações digitais. Lembro-me que, nessa altura, a bitcoin tinha descido significativamente e alcançou um valor de cerca de 3000 euros - e foi quando eu pensei que deveria comprar pelo menos uma bitcoin. Mas não comprei. Não segui a minha lógica da batata.

E ainda bem. Até poderia ter feito bom dinheiro com a dita bitcoin, mas nos investimentos não interessa muito bem se ganhamos ou se perdemos, mas sim se os nossos pressupostos e análises estão corretos.

Os meus, além de simplistas, também estavam completamente errados neste caso. A bitcoin não virou moeda digital nem é usada de forma relevante em transações digitais. A bitcoin é afinal outra coisa qualquer que não o tal dinheiro digital, apesar do nome Bit-Coin ou “moeda de bits”.

Quando investimos com base em pressupostos errados e tivemos lucro, uma coisa é certa: tivemos um golpe de sorte difícil de repetir e ou retiramos o nosso investimento e o dito ganho, ou iremos rapidamente perder tudo, porque iremos voltar a investir noutra coisa qualquer com base nos mesmos pressupostos errados, mas sem a mesma sorte.

É por isso que não invisto sem saber tudo o que posso acerca da cesta onde coloco os ovos (veja no artigo “Apostar nos cavalos todos garante sempre a vitória”), isso ajuda-me a perceber os riscos e a manter a confiança no processo até os pressupostos virarem.

Deixei de acreditar em investimentos com base em dicas ou feelings. Não compro uma ação só porque alguém me diz para comprar ou só porque está a subir, tenha essa pessoa a craveira que tiver. Também não diversifico muito, como expliquei nesse mesmo artigo. O mesmo se aplica às criptos. Não se deve investir sem se conhecer o projeto, com a agravante de que é muito mais difícil analisar um projeto cripto do que uma empresa.

Conhecer as criptos

Há imensos projetos criptos muito bons, que estão a construir futuro, que podem ou não ter sucesso, mas em que tal não depende de oportunismo dos promotores, da chico-espertice ou mesmo de esquemas (porque também os há). Como em todos os mercados, há gente genuína, bem-intencionada e inteligente, e depois há os outros.

Seguir a tendência do momento num investimento critpo pode ser catastrófico precisamente porque podemos estar a seguir uma manada desenfreada que corre para o lado errado ou baseada em pressupostos que desconhecemos.

Em muito destes projetos, o maior risco fica para os últimos. Os que ficam com a “sacola na mão” como dizem os degens.

A última grande confusão nas criptos (neste caso uma memecoin) resultou da fama meteórica que uma jovem obteve após um vídeo que se tornou viral. Hawk Tuah Girl. Ouviu falar?

A jovem viu-se envolvida na criação de uma memecoin que foi lançada com base no seu sucesso mediático e que, no mesmo dia, chegou a valer 490 milhões de dólares, caindo logo de imediato mais de 95%. Alguém saiu torrado da torradeira! Alguém saiu com uma sacola de pedras na mão!

Claro que uma memecoin é, à partida, um projeto social e não económico, mas o facto é que muitos foram a correr investir no projeto que, por trás, teria aparentemente muito pouco suporte mesmo ao nível social. O mais certo é vir a acabar tudo em tribunal já que o “Pump and Dump” é ilegal e já são muitos a dizer que isso possa ter acontecido com a Hawk Tuah coin .

Não é errado investir nesta memecoin ou noutra qualquer. É errado investir sem se saber exatamente no que se está a investir. Quem investe conhecendo os riscos não olha para trás porque mediu os vários cenários. Se o meu pressuposto for investir em movimentos sociais, está tudo bem desde que eu saiba que eles são isso mesmo e que os estude o suficiente para saber o que realmente está envolvido.

Nem tudo são meros racionais financeiros e nestas criptos, não temos propriamente um balancete para analisar o projeto. Não há mercadoria vendida, não há margem bruta, não há tudo aquilo que os investidores estão habituados a ver. O que não quer dizer que não haja potencial.

A banana colada com fita-cola chegou aos milhões de euros e não teve por trás qualquer racional económico, certo? Se eu comprar uma cripto que, por alguma razão, se torna apetitosa para todos os utilizadores do TikTok, provavelmente estarei a fazer um bom negócio, tal como acontece sempre que a procura é maior do que a oferta.

Já há dezenas de milhares de criptos. Como vamos saber quais são boas ou não?

Ou se estuda cada uma delas, o que é difícil pelas razões que já especifiquei, ou o melhor é não fazer nada.

Deitar dinheiro à balda numa cripto que se desconhece de todo é talvez menos certo do que atirar com as fichas para o número 27 numa roleta.

Chamar de investimento a algo que desconhecemos é simplesmente uma forma pomposa de nos caracterizarmos, quando na realidade estamos a jogar. Podemos mesmo até ter menos chances de ganhar do que num jogo de casino, porque os jogos de casino são, pelo menos, regulados, e, como tal, não viciados. Os projetos cripto podem estar viciados à partida. Qualquer pessoa pode fazer uma cripto em casa, alimentá-la numa blockchain e esperar que a manada corra. É possível fazê-lo com meia dúzia de patacos... literalmente!

Esta foi a grande diferença que a bitcoin e ethereum conseguiram face a todas as outras. Conseguiram estabelecer-se como um projeto efetivamente descentralizado e suficientemente regulado pelo menos nos Estados Unidos. Até o regulador americano permitir a criação de ETFs, ainda pairava no ar a possibilidade de a bitcoin poder vir a ser um saco de pedras. Ao terem permitido os ETFs, os reguladores deram legitimidade à bitcoin e ethereum de entrarem no mundo financeiro “tradicional”.

Se o seu valor pode ir a zero? Já poucos acham que não mas eu ainda acho que tudo vai depender muito da forma como as mesmas se dispersarem nas mãos de investidores. É verdade que a escassez gera apetite e motiva o valor, mas também é verdade que se a bitcoin acabar nas mãos de poucos (ETFs, Governos, Microstrategy e mais uns poucos), os outros acabam por perder o interesse na mesma e, sem procura, não há valor.

Se pensarmos que neste momento os mais dinâmicos com a bitcoin são mesmo os Estados Unidos, e se a maioria das bitcoins acabar por lá, antevejo que os outros países vão deixar os americanos ficar com o “saco das pedras”.

Esse é, para mim, o grande risco atual: uma sede demasiado evidente e unilateral americana. Vamos ver se a ganância de ficarem com a maioria das bitcoins não vai motivar o desinteresse de todos os outros - e atirar o valor das bitcoins para zero!

 

*Nota do editor: degens, palavra do jargão das criptomoedas, abreviação de degenerate/degenarados, refere-se a investidores em bitcoin de elevado risco e pouco conhecimento do mercado ou da moeda.

Leia mais artigos deste autor sobre a bitcoin aqui.

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