A Bitcoin, no fundo, é uma placa de argila!
Lá atrás no tempo, trocar um boi por um quilo de tâmaras não deveria ser nada fácil. Num mercado destes, em que a necessidade define o preço, se dono do boi não tiver mais nada para trocar, pode mesmo ficar sem o boi por um punhado de tâmaras.
Os sumérios inventaram de uma só vez o sistema bancário, o crédito e o dinheiro. O produto mais comercializado no seu tempo eram os cereais, pelo que os génios sumérios construíram silos grandes onde toda a gente depositava os cereais, recebendo em troca uma placa de argila onde estava desenhado aquilo que eles poderiam comprar com os cereais entregues. Imaginem uma placa com o desenho de 2 vacas, 5 tijolos, 100 couves...
Na realidade o silo funcionava como banco e de certa forma como agregador comercial, pois emitia as placas com base nas transações habituais da economia local. As placas eram no fundo a moeda, dando crédito ao possuidor para trocar a placa por outra coisa que lhe fizesse falta. Hoje essa placa seria mais ou menos como aqueles cupões de descontos e ofertas que as pessoas vão usando: um dia desconto de 10% num menu, outro dia uma garrafa de cola de oferta, etc.
Acredita-se que a bitcoin nasceu para ser o “novo dinheiro”: à prova de políticas, de dívida, de inflação e de tudo aquilo que rege a economia de hoje. Não está indexada a nada a não ser aos custos de mineração (quase todos são custos de energia) e pode ser trocado em qualquer parte do mundo por qualquer outro bem, seja uma piza, um carro ou um apartamento.
Também pode ser transportada aos milhões sem sequer ser transportada, porque funciona mais ou menos como uma conta suíça das antigas, em que bastava o número de conta para identificar o proprietário. No caso da bitcoin existe uma particularidade: todos podem saber que aquela conta existe e quanto é que entrou e saiu.
Confuso? Não esteja. Lembra-se da nota de 2000 escudos com Bartolomeu Dias? Agora imagine que seria possível saber exatamente em que carteiras ela passou desde 1991 até hoje... Isso é a bitcoin!
A bitcoin aparece anunciada como o “melhor dinheiro do mundo” mas, francamente, não acho que venha a ser o nosso dinheiro, assim como muitos já não acham. Michael J. Saylor, da Microstrategy, e um dos maiores proprietários de bitcoins após a sua conversão ao criptoativo em 2020, chama-lhe agora “ouro digital”, deixando cair o conceito da moeda digital. Talvez Saylor concorde que não se vão fazer muitas transações em bitcoins, mas que possivelmente a bitcoin será uma excelente forma de guardar valor. É mais ou menos como o ouro de Portugal: não o podemos vender livremente (por acordos pré-estabelecidos), mas ele está lá a acumular valor.
Nota: Saylor quer precisamente transformar a Microstrategy numa espécie de Banco de Portugal, em que o ouro é a bitcoin e a Microstraategy emitirá produtos com base na bitcoins acumuladas.
A questão dos 80 000 euros que a bitcoin vale hoje [meados de novembro de 2024] é mesmo: qual é o valor real da Bitcoin se não tem associado qualquer ativo subjacente?”. A resposta provavelmente não chegará tão cedo: a Bitcoin primeiramente é uma tecnologia, depois é algo muito difícil de produzir, depois é escassa (21.000.000 não parece muito, se considerarmos os milhares de milhões que já somos), depois é impossível de copiar - consigo imaginar quantos dos sumérios tentaram fazer placas de argila falsas para tentar ir trocar por pistachos. A tudo isto aliamos a rastreabilidade e temos algo único. Moeda digital? Ouro Digital? Pacotes de energia? Provavelmente, ainda não se chegou à verdadeira conclusão da sua utilidade, mas sabemos que é uma forte disrupção do modelo económico construído pela civilização moderna, ao ponto de parecer mais um retorno ao modelo de troca inventado há mais de 5000 anos do que uma evolução do modelo atual.
Mas há uma utilidade de que ainda não ouvi falar e da integração da bitcoin numa área que, a bom rigor, nem existia quando apareceu o Bitcoin... Isso fica para amanhã!
Leia mais artigos deste autor sobre a bitcoin aqui.