Arcebispos que têm missão de interrogar bispos suspeitos de encobrir abusos garantem que nenhum está a ser investigado

17 mar 2023, 07:00
Diocese de Coimbra recebeu lista com nome de sete sacerdotes suspeitos

No caso de haver denúncia ou suspeita de ocultação de abusos por parte de algum bispo, seriam os colegas de Évora, Lisboa e Braga que teriam de investigar com ajuda das autoridades do Vaticano. Mas todos garantem que não há qualquer ordem nesse sentido e lembram que a comissão que recolheu testemunhos não lhes forneceu qualquer lista com nomes de bispos suspeitos de encobrir situações

Para apurar se houve encobrimento de situações de abuso sexual na cúpula da Igreja Católica portuguesa, há três elementos da Conferência Episcopal que têm funções especiais: os arcebispos de Évora, Lisboa e Braga. Segundo as normas da Santa Sé, lançadas pelo Papa Francisco, são estes “arcebispos metropolitas” - nome que recebem por terem um papel diferente - a quem cabe fazer investigações e inquéritos a outros bispos que possam ser suspeitos de abusos sexuais de menores ou da sua ocultação.

Essa missão dos arcebispos de conduzir as investigações com a ajuda das autoridades da Santa Sé foi, aliás, reforçada pelo Papa Francisco quando reviu o manual do Vaticano sobre as orientações a seguir no caso de pedofilia na igreja, onde define as inquirições que devem ser feitas aos próprios bispos suspeitos.

“Aqui na minha paróquia eclesiástica não há nenhuma investigação a outro bispo. E não recebi nenhum pedido do Vaticano nem da Nunciatura para interrogar algum bispo suspeito de ocultar alguma coisa”, adianta à CNN Portugal o bispo de Évora, Francisco Senra Coelho – que é responsável pelas investigações nas dioceses de Évora, Beja e Algarve.  

Por outro lado, salienta Francisco Senra Coelho, a comissão que recolheu os testemunhos “não entregou nenhuma lista com nomes de bispos que encobriram casos” para que pudesse ser aberta alguma investigação, com base em denúncias concretas. “Só nos deram os nomes de padres suspeitos. Não há nada de bispos”, afirma. “E no relatório também não vem nada sobre bispos no ativo que encobriram casos”, acrescenta, referindo-se ao documento com mais de 480 páginas elaborado pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica portuguesa, que dá conta de 512 testemunhos, estimando um número mínimo de 4.815 vítimas.

Lembrando que o eventual interrogatório a outro bispo seria uma “coisa totalmente nova em Portugal”, Francisco Senra Coelho explica que, com base no manual do Vaticano sobre abusos sexuais (Vademecum), se os arcebispos metropolitas receberem alguma denúncia ou tiverem conhecimento de algo em concreto devem informar o Núncio, isto é, o represente do Papa em Portugal, e depois, uma vez mandatados pela Santa Sé, fazem um interrogatório ao colega. A ordem de investigação também pode vir diretamente do Vaticano, onde podem igualmente chegar denúncias.

Também o bispo-auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, adiantou à CNN Portugal que não tem conhecimento de nenhum bispo no ativo que tenha ocultado casos de abuso e garante que na diocese não há qualquer inquérito em curso. “Até agora, que eu saiba, não há nada. Não há nenhum pedido nesse sentido, nem nada a ser investigado na diocese de Lisboa” - que tem a missão de fazer inquirições aos bispos de Angra, Funchal, Guarda, Leiria-Fátima, Portalegre-Castelo Branco, Santarém, Setúbal e Forças Armadas. Recentemente, numa entrevista, Américo Aguiar explicou que se algum bispo tiver encoberto será responsabilizado, numa ação promovida pela Santa Sé.

Na arquidiocese de Braga o cenário é o mesmo. Não há, garante o arcebispo José Cordeiro, “nenhuma investigação em curso, nem nenhuma ordem nesse sentido”. Ao responsável da diocese de Braga caberia fazer o inquérito aos bispos de Aveiro, Bragança-Miranda, Coimbra, Lamego, Porto, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu.

Comissão fala em “proteção, silêncio e encobrimento das hierarquias

Esta semana, o Papa Francisco voltou a falar do tema, sublinhando que o “abuso sexual por parte do clero e o seu encobrimento por parte dos bispos e superiores religiosos deixou uma ferida indelével no corpo de Cristo”.

A ocultação dos casos de abusos no seio da Igreja foi denunciada pela Comissão que recolheu os abusos e no relatório final garantem que houve “proteção, silêncio e encobrimento das hierarquias”. No documento onde retratam o que se passou nos últimos 70 anos, referem que, “nas investigações prévias dos anos 1950, 1960 e 1970” a abusos sexuais de crianças e adolescentes, “a motivação primeira das hierarquias” foi a da “proteção da boa imagem da Igreja, enveredando pelo encobrimento público”. E, referindo-se aos bispos que estão no ativo, os elementos da comissão adiantaram, no relatório, que “a maioria” lhes disse “que nunca lidaram com casos deste tipo”.  

“Apenas oito bispos referenciaram, no total, treze casos do seu próprio conhecimento e, curiosamente, apenas a partir do momento em que se tornaram bispos (nunca como párocos ou simples sacerdotes) e bispos da atual diocese - portanto, com processos pendentes que vêm do seu antecessor”, escreveram os elementos da comissão.

Neste momento, já vários bispos suspenderam padres que se encontravam na lista de suspeitos de abuso sexual de crianças entregue por aquela comissão. Neste momento, há dez padres suspensos. Da lista com cerca de 100 nomes, pelo menos 36 (um deles um leigo) já morreram.

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