Biocombustíveis até podiam ser fundamentais - mas “mal aquecem” o motor

ECO - Parceiro CNN Portugal , Jéssica Sousa
3 jun 2023, 23:00
Biodiesel (foto: Thomas  Kienzle/AP)

Aposta na produção não está a acompanhar as necessidades de descarbonização, sobretudo no que toca aos transportes pesados, o setor que mais pode beneficiar destas soluções

Os biocombustíveis desempenham um papel fundamental na rota para a descarbonização da economia, fornecendo uma solução de baixo carbono para tecnologias existentes, como veículos ligeiros e camiões, navios ou aviões. Apesar de ser atribuída uma importância elevada a este tipo de combustível, a verdade é que, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), este setor encontra-se fora da trajetória necessária para se alcançar a neutralidade carbónica, em 2050.

A procura global de biocombustíveis, em 2021, atingiu os 3,92 exajoules (EJ) (159.200 milhões de litros), regressando a níveis próximos de 2019, depois de um ligeiro declínio, em 2020, devido à pandemia de covid-19 – altura em que a procura se situou nos 3,69 EJ. Ainda assim, esta recuperação não foi suficiente e, nos próximos anos, a prioridade do setor deverá passar por impulsionar a produção.

De acordo com as estimativas da AIE, para que seja concretizado o cenário de net zero até 2050, a produção global terá que chegar aos 15 EJ, meta que exige um crescimento médio de cerca de 16% por ano.

Na ótica da Associação de Bioenergia Avançada (ABA) os biocombustíveis são determinantes para a descarbonização porque permitem uma redução significativa das emissões de gases com efeito estufa, principalmente, o dióxido de carbono. Comparativamente ao gasóleo, a diferença é de cerca de 84%.

Aviação e transportes rodoviários assumem maior importância

O setor que mais poderá beneficiar deste tipo de combustível será o dos transportes. Segundo a AIE, os biocombustíveis representaram 3,6% da procura global de energia nos transportes em 2021, principalmente para os transportes rodoviários. Até 2030, e num cenário de evolução positiva de rumo à descarbonização, esse valor terá que mais que quadruplicar para os 15%, representando quase um quinto da procura de combustível apenas para os veículos rodoviários.

A acompanhar esta evolução, surge o jetfuel, combustível “verde” destinado ao setor da aviação, que, de acordo com a agência liderada por Fatih Birol, teria que dar “passos dramáticos” até 2030 para se alinhar com os objetivos de neutralidade carbónica até 2050.

As estimativas apontam que esses “passos” se traduzam num crescimento de 0,1% da procura registada, em 2021, para mais de 5%, em 2030. Apesar de ser uma subida menos expressiva quando comparada com o setor dos transportes rodoviários, a AIE sublinha que o salto está dependente de vários fatores, entre eles, a implementação de políticas públicas e regulatórias.

“Para se alinharem com o cenário de neutralidade carbónica, os países precisam de implementar políticas e reforçá-las antes de 2026. Estas políticas devem assegurar que os biocombustíveis sejam produzidos de forma sustentável e evitem o risco de impactos na biodiversidade, abastecimento de água, preços e disponibilidade de alimentos”, lê-se no relatório da agência internacional. Além disso, refere a entidade, é importante que estas políticas incentivem a redução de gases com efeito de estufa (GEE).

Cooperação internacional é chave para acelerar produção

Além de ser imperativo que os países definam políticas públicas mais focadas em acelerar a produção de biocombustíveis, a agência internacional sublinha ser imperativo que exista uma melhor e mais focada colaboração a nível internacional, de forma a serem partilhadas as melhores práticas.

Isto pode ser executado através de parcerias ou iniciativas, nomeadamente, a BioFuture Platform Iniciative, a qual íntegra 22 países, entre eles Portugal, e que quer promover uma bioeconomia avançada com baixo teor de carbono.

“Além de olharmos para o que de bom já se pratica no estrangeiro, enquanto modelo orientador para acelerarmos a mudança em território nacional, é essencial entendermos que entraves ainda existem [em Portugal] para alcançarmos [as nossas] metas”, defende a secretária-geral da Associação de Bioenergia Avançada (ABA), Ana Calhôa.

Um dos entraves que identifica é o nível dos limites de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis fósseis rodoviários que, lá fora, são “mais ambiciosos”. Por cá, Portugal conta com um teto máximo de incorporação de 11%, valor que fica muito aquém quando comparado com países como Suécia ou Finlândia, onde a percentagem de incorporação de biocombustíveis no setor rodoviário já ultrapassa os 20%. Quanto a este valor, Portugal só conta atingi-lo em 2030, de acordo com o Plano Nacional de Energia e Clima que está atualmente em revisão e que será apresentado até ao final do primeiro semestre. Segundo o Governo, a nova versão do PNEC contará com metas mais ambiciosas, e isso deverá incluir, também, os biocombustíveis.

A par deste obstáculo, acresce ainda o volume de produção, fator essencial para aumentar o papel dos biocombustíveis no rumo à descarbonização. Enquanto os Estados Unidos, o Brasil e a Indonésia ocupam o pódio dos maiores produtores mundiais de biocombustíveis, Portugal ainda não otimizou toda a sua capacidade. Segundo a Associação Portuguesa de Produtores de Biocombustíveis (APPB), o país tem a capacidade de produzir cerca de 770.000 metros cúbicos de biocombustíveis por ano. No entanto, em 2022, foram produzidos apenas 212.684.

“Os nossos níveis de produção estão imensamente abaixo da capacidade total do país”, aponta o secretário-geral da APPB, Jaime Braga.

Segundo Ana Calhôa, em Portugal existe “uma grande capacidade de produzir maiores quantidades de biocombustíveis”, e embora existam “perspectivas positivas para o futuro neste âmbito”, “é importante continuar a aproximar esta alternativa do público, informando os consumidores, pressionando o poder decisor nesta mudança e auxiliando todos os operadores na cadeia de valor para melhorarmos a resposta, a produção, a qualidade e a distribuição destes biocombustíveis”.

Este artigo integra a segunda edição do Yearbook, do Capital Verde, que será publicado a 6 de junho.

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