Caso BES: Ricardo Salgado condenado a pagar 950.000 euros no caso do prospeto de aumento de capital

Agência Lusa , BCE
10 out 2022, 16:50
Ricardo Salgado

Além da coima única de 950.000 euros pela prática dolosa de quatro contraordenações, Salgado viu-lhe ser aplicada a pena acessória de inibição do exercício de funções em instituições financeiras por um período de quatro anos

O Tribunal da Concorrência condenou esta segunda-feira o ex-presidente do BES a uma coima de 950.000 euros, baixando em 50.000 euros o valor aplicado pela CMVM no caso do prospeto do aumento de capital de maio de 2014.

Na decisão do julgamento dos recursos apresentados por Ricardo Salgado e os ex-administradores Amílcar Morais Pires, Rui Silveira, Joaquim Goes e José Manuel Espírito Santo, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, considerou provados todos os factos de que vinham condenados pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), à exceção do relativo à obrigatoriedade de incluir no prospeto informação relativa à Rioforte.

No caso de Ricardo Salgado, a juíza Mariana Gomes Machado salientou a sua posição de liderança e visão porventura única que tinha de todo o universo Espírito Santo e lembrou as várias decisões do TCRS já transitadas em julgado nas quais foi condenado, nomeadamente, por gestão ruinosa.

A juíza frisou que, apesar das condenações, Ricardo Salgado não tomou qualquer diligência para o pagamento voluntário das coimas que lhe foram aplicadas, estando inclusivamente em curso um processo de execução.

Por outro lado, afirmou que a situação de saúde invocada pelos seus mandatários não se colocava à data dos factos, pelo que não releva a responsabilidade da sua atuação.

Além da coima única de 950.000 euros pela prática dolosa de quatro contraordenações, Salgado viu-lhe ser aplicada a pena acessória de inibição do exercício de funções em instituições financeiras por um período de quatro anos.

Neste processo, em que a CMVM aplicou multas que totalizaram 2,8 milhões de euros, Ricardo Salgado pedia a impugnação da coima de um milhão de euros, Amílcar Morais Pires de 600.000 euros, Rui Silveira de 400.000 euros, Joaquim Goes de 300.000 e José Manuel Espírito Santo de 500.000 euros.

Em causa está a qualidade da informação contida no prospeto do aumento de capital do BES de maio de 2014, bem como operações ocorridas até junho (período aberto a investidores interessados) que a CMVM considera que deveriam ter originado adendas ao documento, processo que as defesas disseram hoje ao TCRS ter sido “altamente escrutinado” pelos supervisores, sem nunca ter sido feito qualquer reparo.

O MP e a CMVM afirmaram que os arguidos sabiam que o prospeto omitia informação relevante para os investidores, nomeadamente, a exposição à Espírito Santo Finantial Group e à carteira de crédito do BESA e operações realizadas no período, como novos financiamentos à ESFG, as cartas de conforto à Venezuela e o financiamento à Rioforte, que deveriam ter originado adendas.

Tendo caído a infração relativa à Rioforte, cujo risco Mariana Machado disse ter sido mitigado pela colaterização imposta pelo Banco de Portugal, o TCRS decidiu pela suspensão em 20%, por dois anos, dos valores das coimas aplicadas a Morais Pires (500.000 euros), a Joaquim Goes (250.000 euros) e a Rui Silveira (400.000 euros), tendo sido este o único que não viu o valor global da coima reduzido.

Quanto a José Manuel Espírito Santo, a sentença do TCRS considerou adequada e proporcional uma sanção de admoestação, pesando a seu favor o facto de as testemunhas que apresentou terem sido as “únicas que revelaram sentido crítico”, com os seus depoimentos a contribuírem para a descoberta da verdade e o conhecimento histórico dos factos em causa nestes autos, além da situação de doença em que se encontra.

Tribunal da Concorrência aponta "incoerência" à CMVM pela demora do processo

O Tribunal da Concorrência apontou “incoerência” à CMVM no caso do prospeto do aumento de capital do BES em maio de 2014, pelo tempo que o processo demorou até chegar ao tribunal, apesar da gravidade das infrações.

Na sentença dos recursos às coimas de 2,8 milhões de euros aplicadas pela CMVM a Ricardo Salgado e aos ex-administradores Amílcar Morais Pires, Rui Silveira, Joaquim Goes e José Manuel Espírito Santo, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, lembrou que recebeu o processo oito anos depois da prática dos factos.

Reconhecendo que o ex-presidente e antigos administradores do BES condenados pela CMVM no caso do prospeto do aumento de capital de maio de 2014 não contribuíram para a “iminência” da prescrição dos autos (26 de novembro próximo), a juíza Mariana Gomes Machado salienta que, no caso destes autos, a CMVM “acompanhou, no quadro das suas competências próprias, a tarefa de aumento de capital”.

“Teve, por isso e por si, acesso à documentação que suporta parte da infração e quanto àquela cuja obtenção dependeu de terceiros a mesma foi-lhe facultada em 9 de agosto de 2016, pelo DCIAP [Departamento Central de Investigação e Ação Penal]. Não obstante, os autos surgem para apreciação judicial deste Tribunal, (apenas) em 2022 e apenas a seis meses da prescrição”, escreveu.

A juíza afirma que foram esgotadas na fase administrativa “todas as causas de suspensão da prescrição”, incluindo as decorrentes da legislação aprovada no quadro da pandemia da covid-19.

A apreciação crítica do comportamento da CMVM surgiu na ponderação da sanção a aplicar a José Manuel Espírito Santo, o qual viu a coima aplicada pelo regulador dos mercados, no valor de 500.000 euros, passar a mera admoestação.

Mariana Machado teve em conta a situação de saúde em que se encontra José Manuel Espírito Santo, o facto de "ter publicamente assumido responsabilidade institucional pelas condutas que conduziram à resolução do BES", o que "o distancia significativamente dos demais".

Acrescentou o tempo decorrido desde a prática dos factos, “corolário da atuação adjetiva” da CMVM, o que mitiga “muito expressivamente” as necessidades de prevenção especial.

Este arguido teve, ainda, a seu favor o facto de as testemunhas que apresentou terem sido as “únicas que revelaram sentido crítico”, com os seus depoimentos a contribuírem para a descoberta da verdade e o conhecimento histórico dos factos em causa nestes autos, disse.

Na decisão hoje comunicada aos recorrentes, Mariana Machado considerou provados todos os factos de que vinham condenados pela CMVM, à exceção do relativo à obrigatoriedade de incluir no prospeto informação sobre a Rioforte.

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