Caro Rui Costa,
Fim da “era Schmidt”.
Já não havia volta a dar.
Fizeste o que era necessário fazer.
Dir-se-à que foi tarde.
Foi quando achaste que, estando perante o treinador que consideraste “do projeto”, olhando para os custos e não fazendo sentido ires contra ti próprio antes de concederes o tempo máximo de tolerância, ainda por cima a alguém com quem criaste uma relação de bom trato e educação, já não fazia sentido sustentar mais a “era Schmidt”.
Ao contrário de outros, não te condeno por isso.
Foste coerente e só poderias ser acusado de ter gerido este dossiê de fora para dentro se, na verdade, tivesses cedido à pressão externa que era muito no sentido do despedimento.
Tiveste memória, tiveste coerência, só não foste capaz de lidar e dar resposta ao efeito de desmantelamento da equipa campeã nacional e, como tenho dito muitas vezes neste e noutros fóruns, tudo começou com a maldição abatida sobre o lugar de lateral esquerdo desde a saída de Grimaldo e o tempo excessivo para a substituição de Gonçalo Ramos.
No âmbito desportivo, mais de 1 ano e 4 ´janelas’ estão passados para se resolver em pleno estas duas posições, não havendo ainda a certeza absoluta de que tenha acabado a maldição que se abateu sobre o lugar de lateral esquerdo, uma vez que, na posição de ponta-de-lança, há um certo consenso sobre a ‘aprovação’ de Pavlidis.
Tu foste um grande jogador (ainda me lembro, no início, de um torneio de juniores na Gran Canaria em que a seleção estava carecida de um “10” e lá foste tu resolver o problema…) e, no Benfica, como dirigente, foste sempre observado como o “príncipe perfeito” capaz de um dia chegar ao trono… Eras visto como o “príncipe perfeito” por sócios e adeptos, mas, na côrte, o ‘rei’ só te dava confiança nos “bailes de máscaras”…
Se calhar, até assinaste uns papéis que não devias, mas esse Rui não conflituoso, sempre disponível para estabelecer pontes e acreditar na boa-fé de pessoas escorpiónicas, esse Rui és tu — e por isso costumo dizer que uma vice-presidência de salão não faz de ti um presidente preparado para a função presidencial…
Preto no branco: não estavas preparado para ser presidente do Benfica porque, para se ser presidente, é preciso saber dizer NÃO; é preciso perceber quem são, internamente, os aliados, os inimigos e, sobretudo, os falsos amigos… E é preciso perceber, acima de tudo, ao que se vai, ao que é necessário fazer-se para se criar uma estrutura organizacional capaz de responder a uma ideia sólida de projeto…
Aqueles que te louvaram, os tais louvaminheiros da côrte, querem lá saber se precisas de tempo para aprender a ser presidente; querem lá saber se a estrutura está contaminada e se precisas de tempo para anichar as tuas dinâmicas e escolhas…
Repito: Rui, não vais ter tempo para aprender a saber dizer NÃO.
Mas tens de saber dizer NÃO:
NÃO Aqueles que te impingem os jogadores; - e aqui precisas de ser efetivamente líder!
NÃO Aqueles que não te ajudam a reter valor e te convencem a comprar refugo (às vezes com lesões);
NÃO Aqueles jogadores que ficam amuados por tudo e por nada;
NÃO Aqueles que fogem de uma cultura de exigência, seja dentro do campo ou fora dele;
NÃO Aqueles treinadores que não sentem, profissionalmente, o Benfica como ele deve exigir;
NÃO Aqueles que à tua volta mordem pela calada;
NÃO Aqueles que fingem ser muito influentes e acabam por ofuscar o teu papel;
NÃO Aqueles que não te ajudam e só te enterram na comunicação;
NÃO Aqueles que mandam tochas e causam distúrbios (caros!)
Diz NÃO e não tenhas receios de que fiquem amuados ou que se passem efetivamente para a oposição. Porque na oposição andam muitos deles. No Benfica, quem não te ajuda ou não toma posição a teu favor deve ser considerado oposição…
… Mas a pior coisa, no plano desportivo, em cima desse facto de desmantelamento demasiado rápido do Benfica campeão, foi a sensação de incontinência ditada por esse ‘monstro’ que devora tudo se não lhe for colocada uma trela ou um açaime.
Mesmo considerando a fragilidade dos emblemas portugueses perante a capacidade financeira de outros clubes europeus, como é possível que o Benfica não tenha gerido melhor a venda — e sobretudo o timing de saída — de jogadores como Rafa, João Neves, Neres e Marcos Leonardo, com proveito de cerca de 130M€?
Há 10 meses, no âmbito desta rubrica, creio que fui claro em relação ao que se exigia em termos de intervenção presidencial: ou agias rapidamente, Rui, ou corrias o risco de sócios e adeptos te fazerem a cama, isto é, começarem a cobrar-te alguma inação.
Este é o teu momento, Rui. Estás há praticamente 3 anos na presidência do Benfica (completam-se agora em 9 de Outubro), depois de 3 meses sem eleições na sequência da saída de Vieira.
Estiveste até aqui a controlar os danos de um clube gerido pela dupla improvável (por serem tão distintos) constituída por Luís Filipe Vieira e Domingos Soares Oliveira. Talvez não tenhas puxado para junto de ti quem te pudesse dar maior estofo na função presidencial. Alguém capaz e leal. Talvez tivesses acreditado nos efeitos mágicos da imagem de “príncipe perfeito”.
Mas agora acabou. Ou és presidente ou não serás nada. E por isso repito aquilo que te disse há 10 meses: age para além do dossiê-treinador. Com coragem. Antes que seja tarde.
Entre outras coisas, o Benfica não pode continuar a ser um entreposto de jogadores.
