Rui Santos critica um certo tipo de comentariado que já estava a contar os cabelos brancos, as rugas e os joanetes do treinador do Benfica. E acrescenta que este tipo de etarismo (discriminação em relação às pessoas mais velhas) é crime
Caro José Mourinho,
Em toda a carreira tentei sempre ser justo nas minhas apreciações e como comecei muito cedo a escrever sobre futebol, precisamente aos 15 anos, devo tudo a uma ‘escola’ de grandes profissionais, em cujas relações tentei sempre aplicar o princípio do respeito pelas pessoas mais experientes e mais velhas. Foram os meus professores - e estou a falar daqueles que tinham mesmo muito para ensinar e não eram oportunistas nem donos dos seus ‘mundinhos’. Valiam pela competência no trabalho.
Nós somos, José, da mesma geração, e cada qual no seu galho já fomos porventura mais implacáveis, sabemos a importância da irreverência doseada, sabemos que na vontade de querermos afirmar a diferença cometemos aqui e ali alguns excessos, mas ambos comemos o pão que o diabo amassou; não é como agora que esta malta que se senta a falar de futebol e que vem não se sabe bem de onde, acha saber tudo e não tem o mínimo de respeito por aqueles que construíram uma história, uma carreira, e que continuam ativos, na posse das suas faculdades, como é o teu caso.
A juventude é um estado maravilhoso do nosso crescimento, mas nos tempos de hoje, e sem querer generalizar, saltou para um patamar de destratamento e desrespeito absolutamente inaceitáveis e que só colhem, sem reação, perante os medíocres ou os que têm medo desses estados de alma.
Há uma narrativa espalhada por aí de que já foste bom treinador mas que já não és, dando a ideia de que estás velho e ultrapassado e que o passado não vale nada; só o presente. Para além do disparate, o etarismo é crime, quando reflete desprezo e discriminação pelos mais velhos. Como por exemplo no teu caso e no de Cristiano Ronaldo. E isso é grave.
Dizem-me que para estas patologias e na ausência de tratamento adequado, o melhor é o silêncio e a indiferença. Mas há limites para tudo. Sabes aquelas carpideiras que costumavam marcar presenças nos funerais?… Pois, mas é preciso não calar, porque tu, José, estás, felizmente, vivo e bem vivo, e no tempo certo para continuar a ganhar, seja onde for.
Caro José Mourinho,
Vamos agora à segunda parte da questão que te envolve - o joker em que te constituíste nas eleições do Benfica, no contexto daquilo que podes significar para o futuro do futebol benfiquista.
Os candidatos, que eram seis, agora estão reduzidos a dois para as eleições do próximo sábado: Rui Costa, que te contratou e parto do princípio que merecerá o teu voto na qualidade que assumes de sócio do Benfica, até porque fala a mesma linguagem e está sempre disponível a satisfazer aquilo que são as necessidades dos treinadores, e no teu caso ainda mais, porque acredita 100% nas tuas capacidades — e mau seria se assim não fosse.
Portanto, e neste caso, o score será sempre Rui Costa, 1 - Mourinho, 1.
Acresce que o diretor-geral Mário Branco foi à tua frente e agora pouco importa se foi programadamente para atapetar a chegada com rosas vermelhas ou se essa antecipação foi apenas um espinho que se cravou na garganta dos opositores.
Sabes, José, que tendo Rui Costa na presidência, e sabendo que no futebol e na vida as relações não são à prova de bala, o elemento confiança tem força. E quando as peças angulares de uma estrutura se encaixam com naturalidade, todo o trabalho fica facilitado, porque à partida resiste aos boicotes e a todas as campanhas internas que nestas situações acabam sempre por tentar fazer o seu trabalho de desacreditação. E isso é crucial.
No caso de Noronha Lopes, e até pelo organograma que apresenta para o futebol que vejo corresponder — como dizer? — a uma “estrutura de escabeche”, há uma dúvida de fundo que se pode transformar num potencial conflito: Noronha tem para a estrutura um diretor-geral chamado Pedro Ferreira e, não obstante a posição ética de Mário Branco ao colocar o seu lugar à disposição (sem custos para o Benfica) se Noronha porventura vencer Rui Costa nas eleições, não vejo José Mourinho ficar indiferente à potencial ‘queda’ de Mário Branco, com quem construiu em pouco tempo uma relação saudável e profícua.
Por isso, e nesse quadro o resultado seria sempre Noronha, 0 - Mourinho, 1, menos no cenário duplo em que Noronha ganhe as eleições (repito, num cenário possível mas pouco provável) e tu, como treinador, não ganhes nada, mesmo depois dos ajustamentos que o plantel vai ter de sofrer ao cabo dos próximos dois meses, isto partindo do princípio que, após as eleições de sábado, as coisas mudem na Luz e tu não tomes uma posição no sentido de dizer: “OK, sou profissional, mas eu não me revejo neste projeto e, portanto, sem dano para ninguém, vamos lá fazer contas, mesmo que saia daqui a perder [dinheiro], mais do que já perdi para voltar a ser treinador do Benfica”.
A forma como ganhaste em Guimarães e a subida, não apenas de rendimento mas sobretudo de atitude, de pressão e de intensidade, vejo-a apenas como consequência (aparentemente tardia) do trabalho que tens realizado com os teus pupilos — e calaste a boca a muita gente que já te estava a contar os cabelos brancos, as rugas e os joanetes.
Coitados!
O ator Tony Ramos dizia há dias que, nas sociedades, está a faltar muito a elegância.
Não pelo que se veste ou pelo que se mostra.
Ele referiu-se a outro tipo de elegância: a elegância da alma.
É essa elegância da alma que está a faltar no comentariado em geral e é uma pena porque isso representa tão-só a falência da educação. E nem sempre conseguimos ficar inertes perante essa falta de elegância. De alma e da alma.