Os miúdos que viveram o sonho do Caldas na bancada... e agora vão vivê-lo no relvado

13 out 2022, 09:08
Caldas

Há quatro anos, Gonçalo Barreiras, Rafael Roque e Tiago Catarino eram apenas adolescentes e estavam no Campo da Mata como adeptos, a alimentar com a voz a ambição de chegar à final do Jamor. No sábado, frente ao Benfica, vão sentir as mesmas emoções que ainda hoje os arrepiam, mas dentro do campo, com a camisola do clube ao peito. «Tem tudo para ser uma noite ainda maior.»

O dia 18 de abril de 2018 ficou marcado na história das Caldas da Rainha. Era uma quarta-feira e a cidade parou, para celebrar um amor que desde então não tem parado de crescer.

Nessa noite o Caldas recebeu o Desp. Aves a sonhar com uma final do Jamor. Trazia da primeira mão uma desvantagem de 1-0, que estava muito longe de ser definitiva, pelo que a ambição era enorme. Desde manhãzinha que só se pensava em futebol na cidade.

Nas bancadas do Campo da Mata estavam três adeptos muito particulares. Gonçalo Barreiras, Rafael Roque e Tiago Catarino mergulhavam naquela euforia e sonhavam viver um dia assim dentro do relvado. Na altura eram adolescentes. Hoje, mais crescidos, são jogadores do Caldas.

«É um sentimento que nem consigo explicar», conta Rafael Roque.

«Vivi tudo aquilo como adepto na bancada e foi uma loucura. Agora vou vivê-lo dentro de campo e isso ultrapassa tudo o que imaginei. Acredito que a festa no sábado vai ser ainda maior, afinal de contas é o Benfica. Vai ser incrível. Até as pessoas que não costumam ligar tanto ao futebol vão estar outra vez no estádio a apoiar a equipa.»

Também Tiago Catarino acredita que esta noite pode ser ainda mais memorável do que a outra. O que não é fácil, porque há quatro anos a cidade viveu um dia que ninguém esquece.

«O Benfica é maior do que o Desp. Aves, as pessoas lembram-se do que foi essa noite das meias-finais da Taça de Portugal e estão sedentas de viver outra grande festa», revela.

«Tem tudo para ser ainda maior.»

Tiago Catarino, jovem médio de 20 anos, tem aliás uma história curiosa. Nasceu nas Caldas da Rainha, mas cresceu na Atouguia, ali a trinta quilómetros, e jogou sempre no Atouguiense. Quando foi contratado pelo Caldas, em 2017, não tinha por isso uma ligação especial ao clube.

«Quando cheguei ainda não sentia muito o Caldas, ainda era um rapazinho. Esse foi o meu primeiro ano aqui e foi nessa edição da Taça que percebi que isto é mais do que um clube. A cidade uniu-se em torno do Caldas, toda a gente a apoiar. Quando a equipa marcou o primeiro golo, então, que loucura... O estádio parecia que vinha abaixo. Arrepiei-me todo naquele momento, e ainda hoje me arrepio ao pensar nisso. Foi marcante», recorda.

«A partir desse momento tornei-me do Caldas. Senti que ia ser muito feliz no clube e trabalhei todos os dias o máximo que podia para chegar ao plantel principal.»

Gonçalo Barreiras é um caso muito diferente. Natural das Caldas da Rainha, começou a jogar no Caldas com oito anos e desde então diz que falhou poucos jogos em casa.

«Quando era pequeno ainda fui apanha-bolas durante uns bons anos, mas quando chegámos uma certa idade eles querem miúdos mais novos. Então a partir daí fui sempre para o meu lugar, lá em cima, ao pé da bancada de imprensa. Ia com os meus colegas que jogaram sempre comigo, é um hábito que temos. Nem era preciso combinar nada, bastava aparecer. Jogos em casa íamos sempre e jogos fora de casa íamos também muitas vezes.»

O também médio de 20 anos, utilizado em cinco dos seis jogos feitos pela equipa esta temporada e autor já de um golo, recorda por isso com carinho aquela noite de abril de 2018.

«Foi um ambiente que não dá para explicar. Só quem estava lá é que consegue sentir uma coisa assim. O Caldas é um clube especial. Quem passa por cá, sente isso. Somos todos muitos unidos, mesmo na bancada. Toda a gente se fala, toda a gente convive. Podemos não concordar sempre uns com os outros, mas não deixamos de ser uma família por causa disso.»

As imagens daquela noite, dia 18 de abril de 2018, estão de resto bem vivas na memória de todos. A equipa fez um estágio antes do jogo, o que foi uma estreia, e houve até filhos a perguntar aos pais porque não iam dormir a casa naquela noite: alguns jogadores dormiram a 600 metros de casa, por exemplo.

No dia a seguir uma pequena multidão esperava a equipa à porta do hotel, o caminho para o Campo da Mata foi feito em grande festa, havia gente durante todo o trajeto do autocarro, a aplaudir, a gritar, a dar força. Na chegada ao estádio, por entre o verde primaveril, muito negro da camisola do Caldas, fumos, bandeiras e uma euforia que fez escorrer lágrimas no autocarro.

«O que me lembro mais foi do ambiente que se viveu naquele dia na cidade, da união em torno do clube. Desde manhã que se sentia uma coisa especial», conta Rafael Roque.

«As pessoas começaram a juntar-se muito cedo na Mata e havia muita gente que eu nunca tinha visto por ali. As Caldas não são uma cidade grande, normalmente vai-se tudo conhecendo. Naquele dia, mesmo as pessoas que não ligavam a futebol não falavam de outra coisa.»

Rafael Roque é também médio, tem 22 anos e joga no Caldas desde os cinco anos. Só tem um clube, o da cidade, num amor que lhe foi passado pela família: os tios jogaram no clube, os primos jogaram no clube, o irmão mais novo também está nos juniores do clube.

«O Caldas ficou um clube ainda maior depois daquela noite. Não tenho dúvidas nenhumas.»

O Benfica pode esperar por isso um clube diferente daquele que há quatro anos surpreendeu o país. Um clube que levou o Desp. Aves ao prolongamento e quase chegou ao Jamor.

Quer dizer, o treinador ainda é o eterno José Vala, que entrou pela primeira vez no clube há quase quarenta anos e é o treinador principal há sete épocas consecutivas. Alguns jogadores permanecem no plantel, a direção ainda é a mesma, o Campo da Mata continua igual. Mas o clube mudou.

«Não foi possível passar à final, mas desde aquele dia as coisas mudaram muito. O Caldas começou a investir mais em todos os aspetos, o apoio aos jogadores mudou completamente e toda a gente passou a olhar para nós de maneira diferente», refere Tiago Catarino.

Gonçalo Barreiras assina por baixo.

«Sem dúvida que os jogos da Taça se tornaram especiais. Cem por cento especiais. Quando se fala em Taça no Caldas mexe com a cidade. Mesmo sendo o campeonato a nossa luta, os jogos da Taça são uma coisa diferente. Então para nós, que estávamos na formação e vivemos tudo na bancada, é uma coisa sem explicação», garante.

«Eu cresci com o Caldas, sou Caldas a cem por cento e hei-de morrer Caldas.»

Sábado, a partir das 20.45 horas, o Benfica traz de volta os jogos grandes da Taça de Portugal às Caldas da Rainha e pode esperar uma festa para lembrar por muitos anos. Palavra de quem anseia entrar em campo... com um amor ao Caldas que vai até à ponta dos cabelos.

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