Três perguntas a Sofia Vale

Economista, professora no ISCTE
15 dez 2022, 07:00

O Banco Central Europeu (BCE) deverá voltar hoje a subir taxas de juro, mas a um ritmo inferior às duas últimas subidas realizadas. A economista Sofia Vale avalia o que deverá acontecer na reunião de hoje e aponta qual deverá ser o futuro da política monetária da zona euro no futuro.

1. Até que nível espera que o BCE suba as principais taxas de juro de referência?

O BCE subirá a taxa de juro de referência enquanto a reserva federal norte-americana (Fed) o fizer também. Ao proceder assim, o BCE evita fugas de capitais e depreciação do euro que encareceria as importações de petróleo, agravando o problema da inflação na Europa. O diferencial entre estas taxas de juro (americana e europeia) é, neste momento [antes da subida desta quarta-feira], de dois pontos percentuais, o que é significativo e instiga o BCE a subir a sua taxa de juro de referência. Se a Fed voltar a subir a sua taxa de juro, é previsível que o BCE siga o mesmo caminho.

Nesta matéria, apesar de haver sinais de que a inflação esteja a desacelerar do outro lado do Atlântico (os últimos registos apontam para uma descida inesperada para 7,1%), alguns economistas permanecem céticos quanto à possibilidade da Fed baixar as guardas – Olivier Blanchard está entre os que já o referiram, dizendo que a inflexão na evolução do preço das matérias-primas não deve fazer divergir do problema que considera principal – a inflação estar muito acima do alvo definido pela Fed.

Do lado americano, este entendimento pode levar a Fed a subir novamente a taxa de juro, retirando folga ao BCE, obrigando-o a subir a sua taxa de juro de referência mais do que o que teria de fazer em resposta a uma política monetária americana menos contracionista.

Mas há também uma noção clara que a Europa pode estar a entrar numa situação recessiva, com expressão já em 2023, sinais que se anteveem nas previsões da OCDE para a economia alemã no próximo ano, que apresentam uma taxa de crescimento negativa. Se as outras economias ainda parecem permanecer à tona e com previsões mais favoráveis, não é claro se o BCE quererá arriscar políticas que poderão agravar a situação daquela que é a locomotiva da Europa e da zona euro.

Christine Lagarde já veio assim dizer que a sua intervenção tentará provocar uma recessão suave e evitar uma recessão profunda, indicando que a tomada de decisão relativa à sua política monetária será feita com atenção ao que se passa com o PIB e o nível de desemprego das economias da zona euro. Estes são sinais de que a taxa de juro de referência poderá não subir muito mais, ou começar a subir de forma mais moderada do que a praticada nestes últimos meses (já se discute passar de subidas de 0,75 pontos percentuais para aumentos de 0,5 pontos percentuais da taxa de juro).

2. Após atingir esse teto máximo, o que é expectável? Que as taxas permaneçam nesse nível durante um período de tempo longo ou que, perante sinais de desaceleração da inflação, voltem a descer?

Em condições normais, se as taxas de juro atingirem um teto, é expectável que passem a oscilar com a inflação, descendo se a inflação descer e subindo se a inflação subir, recuperando aquela que era a prática tradicional até à crise financeira e que conduziu a convergência das taxas de juro para um limite inferior. Mas para que isso aconteça é preciso que a inflação regresse a níveis menos preocupantes, ficando mais próxima daqueles que eram os valores de referência habituais – recorde-se que a inflação alvo do BCE está ainda em 2%.

Hoje, há já quem defenda que este alvo deve subir. Vítor Constâncio [antigo vice-presidente do BCE] encontra-se entre o grupo de economistas que o vem defendendo, afirmando que a inflação alvo do BCE deveria subir para 3%. Isto é importante já que daria maior flexibilidade à política do BCE, permitindo que houvesse menos pressão para atuar de forma recessiva em episódios de inflação como o atual, episódios que são o resultado de problemas que se manifestam do lado da oferta e para os quais o BCE dispõe de um manancial insuficiente de respostas, já que os instrumentos da política monetária do BCE são na sua essência direcionados para corrigir a procura.  

3. É expectável voltarmos a ter num futuro próximo taxas de juro próximas de zero?
 
Os bancos centrais não estavam confortáveis com taxas de juro próximas de zero nem com a duração da recessão das economias avançadas. Tinham tido de abdicar daquela que era recentemente a sua ferramenta convencional – a taxa de juro apontada ao controlo da inflação – e tinham regressado a formas mais tradicionais de intervenção. Recuperar o controlo deste instrumento é uma vitória importante para os bancos centrais tal como estão desenhados, ainda que tenha sido reclamada num contexto económico pouco favorável.

De futuro, creio que os bancos centrais farão o que estiver ao seu alcance para que a taxa de juro não se volte a aproximar de zero, o que pode passar pela sugestão de Vítor Constâncio de alterar (subir) as suas referências para a taxa de inflação. Na eventualidade de se produzir uma situação como a que se viveu no virar da última década, é natural que os bancos centrais optem por iniciar políticas monetárias não convencionais para reanimar a economia, antes de se aproximarem demasiado da taxa de juro nominal nula.

No entanto, não é expectável que nos próximos tempos as taxas de juro subam exageradamente, já que, por enquanto, não se antevê nenhuma alteração estrutural relevante que justifique que as taxas de juro passem para um patamar diferente. Se se verificar descida da inflação, o que será razoável que ocorra num cenário recessivo, maior será a pressão para que as taxas de juro não subam exageradamente, pelo que não estamos livres de poder voltar a ficar armadilhados de novo nesse cenário.

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