Entrevista a Paul De Grauwe. “Não há mais nada que o BCE possa fazer. Tem de aumentar as taxas de juro, mesmo com o risco de criar uma recessão”

16 nov 2022, 08:00
Paul De Grauwe (Foto: Horacio Villalobos/Corbis via Getty Images)

Economista diz, em entrevista à CNN, que “a situação orçamental de Portugal é bastante favorável em comparação com outros países” e elogia o equilíbrio que o Governo tem tido entre as ajudas à economia e a manutenção da sustentabilidade orçamental

Para o economista Paul De Grauwe, não há muito mais que o Banco Central Europeu (BCE) possa fazer. “Tem de aumentar as taxas de juro, mesmo com o risco de criar uma recessão.” Só assim, salienta o economista belga, que é vice-presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP), “será possível quebrar a espiral e as expectativas inflacionistas que se alimentam a si próprias”.

Para além das funções no CFP, Paul De Grauwe é professor na London School of Economics e investigador do Centre for European Policy Studies, em Bruxelas, e do Centre for Economic Policy Research, em Londres.

Há quem defenda que o Banco Central Europeu (BCE) deveria ter começado mais cedo a subir taxas de juro de forma a travar a inflação. Mas também há quem critique o BCE por estar a subir juros demasiado rápido. Quem está mais próximo da verdade?

Agora é sempre fácil dizer que se deveria ter começado mais cedo. Existiam, essencialmente, dois cenários: um cenário benigno, em que os aumentos dos preços da energia atingiriam um pico, e após esse pico haveria um declínio da inflação relativamente rápido. Por isso, havia argumentos para esperar para ver. Até porque, sem se ter a certeza, não se quer cometer um erro demasiado grande. Espera-se e vê-se. E provavelmente era isso que o BCE estava a fazer.

Por outro lado, o BCE também tem preocupações com a estabilidade financeira na Zona Euro porque o mercado de dívida reage de formas muito diferentes. E um aumento demasiado acentuado das taxas de juro poderia criar o risco de alguns países ficarem expostos a subidas muito elevadas das taxas de juro da sua dívida. E isso, penso, foi um fator adicional que levou o BCE a ser bastante cauteloso.

Mas o cenário benigno não se confirmou…

Claramente. A inflação vai ficar mais tempo, principalmente porque a espiral entre preços e salários se está a mover em muitos países, levando a expectativas de mais inflação. E assim só havia uma saída: este aumento drástico das taxas de juro.

Não há mais nada a fazer?

Se este é o cenário que estamos a viver, então, não há mais nada que o BCE possa fazer. Tem de aumentar as taxas de juro, mesmo com o risco de criar uma recessão. Só assim será possível quebrar a espiral e as expectativas inflacionistas que se alimentam a si próprias.

Um cenário alternativo seria sempre pior?

Esse é o risco. E compreendo que o BCE, tal como a Reserva Federal, ou o Banco de Inglaterra não gostem de correr esse risco.

Mas há também o risco de não controlar a inflação e criar uma situação de estagflação…

O que estamos a viver é um choque do lado da oferta. E um choque de oferta, quando suficientemente grande, cria sempre estagflação. Leva a uma redução do crescimento e a um aumento da inflação. É esse o ambiente em que vivemos agora. Os bancos centrais podem esperar para ver. Foi o que muitos países fizeram nos anos 70 e que levou a uma inflação muito elevada e muito difícil de eliminar. E acabou por levar a aumentos ainda mais acentuados das taxas de juro. Veja-se o que aconteceu nos EUA na altura, que levou a uma recessão profunda.

Os bancos centrais estão condenados a subir taxas de juro. É muito impopular. Mas não vejo muitas alternativas", afirma Paul De Grauwe.

E o remédio vai funcionar?

Pode funcionar. Hoje os preços da energia estão a descer novamente. Os preços do gás desceram drasticamente. Os preços das mercadorias também têm vindo a descer. Todas as perturbações no lado da oferta tendem a desaparecer. Assim, a única coisa que agora pode continuar a criar inflação é a espiral entre salários e preços que influencia as expectativas de inflação. E é preciso quebrar essa espiral. Se o BCE fizer isto, juntamente com uma descida dos preços da energia, irá vencer a inflação. Mas sim, o risco é uma recessão.

Será possível vencer a inflação sem mergulhar a zona euro numa recessão?

Duvido. A recessão é quase inevitável. Posso estar enganado, o mundo é tão incerto que não gostaria de apostar muito. Mas a minha previsão é que uma recessão é provavelmente inevitável. A questão é, evidentemente, a profundidade dessa recessão.

Tecnicamente, uma recessão é um declínio do PIB durante dois trimestres. Se o declínio for de 0,5% durante dois trimestres, isso não é uma recessão profunda, mas também pode ser um declínio de 5% e isso é muito pior. A questão é quão profunda terá de ser a recessão.

Os últimos dados da inflação nos Estados Unidos são encorajadores ao mostrarem que a taxa de inflação anual em outubro foi de 7,7% contra os 8,2% registados em setembro. Quando teremos boas notícia na zona euro?

Bem, primeiro que tudo, temos de ser cautelosos. É um abrandamento, mas que pode estar dentro da margem de erro estatística. Temos de ser cuidadosos. Mas sim, é possível que esteja a desacelerar. E a inflação na Europa também já pode ter atingido o pico máximo, precisamente porque os preços da energia e das mercadorias estão agora numa trajetória descendente. Leva algum tempo para que estes movimentos sejam vistos no Índice de Preços no Consumidor, mas mais cedo ou mais tarde, acontecerá e tenderá a conduzir a um declínio da inflação.

Neste ambiente, como vê a evolução da economia portuguesa? Nas várias previsões que existem não se aponta para um cenário de recessão e aponta-se para um crescimento acima da média da zona euro. Como se podem justificar estes números?

A forte retoma do turismo pode ter desempenhado um papel importante. É algo que tem vindo a crescer muito e pode ser um fator. A Comissão Europeia também identificou o ‘boom’ turístico como o fator mais importante de sustentação da economia portuguesa.

O que vejo é que a situação orçamental de Portugal é bastante favorável em comparação com outros países. Prevê-se que o défice orçamental diminua e o rácio da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) tem vindo a diminuir rapidamente durante os últimos dois anos. Por isso, parece bastante bom. E, claro, tem algo a ver com uma economia que tem tido um desempenho relativamente bom. Mas há alguns riscos. E muito dependerá da profundidade da recessão na zona euro, se esta se materializar. Então, seguramente, Portugal também será afetado.

Neste ambiente de inflação alta o foco do Governo português ainda deverá ser a diminuição da dívida e do défice ou deverá estar mais concentrado em ajudar as pessoas e as empresas?

O Governo tem tentado encontrar um equilíbrio entre a ajuda às famílias e às empresas e a manutenção da sustentabilidade orçamental. Tem certamente tentado manter a sustentabilidade orçamental, o que tem sido de certa forma surpreendente. Mas também tem feito uma série de coisas para apoiar o poder de compra. O Governo está a permitir aumentos salariais variáveis na Função Pública em função do rendimento das pessoas. Parece ser uma estratégia inteligente.

Mas agora que estamos num período de abrandamento económico, mesmo tendo Portugal um elevado rácio de endividamento em relação ao PIB, devíamos manter os objetivos de redução da dívida?

Enquanto a economia estiver bem, o princípio deve ser o de tentar reduzir o rácio da dívida em relação ao PIB. É o que o Governo português tem sido capaz de fazer com bastante sucesso, principalmente porque a economia portuguesa teve um bom desempenho. Mas se a economia portuguesa for atingida por uma recessão, então é melhor parar temporariamente a tentativa de reduzir o rácio da dívida em relação ao PIB, porque isso será pró-cíclico e tornará a recessão ainda mais profunda. Mas tenho a certeza de que o Governo português compreende isso.

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