Como as férias de luxo destes magnatas acabaram em tragédia na Sicília

António Guimarães , Atualizada às 16:44
20 ago 2024, 20:25

Uma mulher perdeu a bebé por segundos, mas conseguiu abraçá-la no meio do mar. Outras sete pessoas não tiveram tanta sorte

Um magnata da tecnologia, um presidente de uma importante empresa de serviços financeiros e um advogado de renome. Estes são três dos seis desaparecidos que as autoridades tentam encontrar desde a madrugada de segunda-feira, depois de um veleiro de luxo ter naufragado na costa da Sicília, motivando uma busca como há muito não se via e que envolve os mais variados esforços das autoridades italianas.

Com 15 sobreviventes resgatados e uma três mortes confirmadas - Recaldo Thomas, que fazia parte da tripulação como chef, foi encontrado sem vida durante a manhã desta terça-feira, enquanto os corpos de Mike Lynch e da filha Hannah foram recuperados na tarde desta quarta-feira, além de outros dois - tudo depende da ajuda da meteorologia para facilitar os trabalhos.

A trabalhar no que se espera ainda vir a ser um resgate de pessoas vivas, sendo que as autoridades já admitiram as hipóteses diminutas dessa realidade, estão mergulhadores especialistas que se revezam em descidas de 12 minutos durante as quais realizam buscas incessantes pelos desaparecidos do Bayesian, onde estavam 10 tripulantes e 12 passageiros.

O barco foi subitamente atingido por um tornado por volta das 04:00 locais, calculando-se que o que resta da embarcação possa agora estar 50 metros abaixo do nível do mar. Karsten Borner, capitão de um iate que estava no local e que também teve problemas pela mesma altura, confirmou à agência italiana ANSA que viu o veleiro antes da tempestade, mas que nunca mais avistou a embarcação depois.

Mais tarde acabaria por ser ele, em conjunto com outro membro da tripulação do seu barco, a encontrar o bote salva-vidas onde estavam 15 pessoas, algumas delas com ferimentos. Ao todo, nove pessoas tiveram de ser hospitalizadas, incluindo um bebé de apenas um ano que foi transportado de helicóptero para o hospital.

"Em dois segundos perdi a minha bebé no mar, depois consegui abraçá-la de novo no meio da fúria das ondas. Apertei-a, perto de mim, enquanto o mar continuava revolto", confirmou Charlotte, mãe da bebé, à agência ANSA.

O bote onde foram encontrados os 15 sobreviventes do Bayesian (Jonathan Brady/PA Images via Getty Images)

Levaram-nos depois para a costa e alertaram de imediato as autoridades, que saíram para tentar encontrar o veleiro a cerca de um quilómetro da vila de Porticello.

Um barco de luxo

De repente, o Bayesian, um portentoso veleiro construído em 2008 pela empresa italiana Perini Nav, tinha desaparecido. Afundado no mar está agora uma das embarcações com um dos mastros mais altos do mundo - 72,27 metros - e cujo custo de aluguer os avaliadores estimam em 195 mil euros por semana.

O barco é propriedade da Revtom Limited, de acordo com informações da empresa Equasis, especialista na matéria, que lista Angela Bacares, uma das pessoas resgatadas, como a mais recente proprietária.

O nome Bayesian refere-se a uma teoria estatística que acabou por ajudar a construir a fortuna de outro dos ocupantes, o mais conhecido, Mike Lynch, que fez fortuna na área da Finança e que ainda está desaparecido no meio do mar.

O mastro, o tal de 72,27 metros, fica apenas a três metros do mais alto do mundo, de acordo com o livro do Guinness. Era, segundo a própria Perini Navi, o mastro de alumínio mais alto do mundo.

Autoridades italianas estudam os mapas do Bayesian para tentar fazer as buscas (AP)

A Perini Navi é conhecida por fabricar “barcos de boa qualidade”, de acordo com Caroline White, editora-adjunta da BOAT International, um grupo de meios de comunicação que serve a indústria dos super-iates.

White revelou à CNN que, se o Bayesian se desmontasse, “teoricamente deveria tornar-se mais estável”. “Mas a história pode ser diferente se estivermos no meio de uma tempestade violenta com ventos incrivelmente fortes que nos prendem à água”, acrescentou. E foi o caso.

Quem ia a bordo

O nome de Mike Lynch salta à vista. O empresario britânico, conhecido por muitos como o “Bill Gates da Grã-Bretanha”, criou a maior empresa de software do país, a Autonomy, granjeando a admiração de grande parte do setor depois de ter conseguido vender o seu projeto por quase 10 milhões de euros em 2011.

Apenas um ano depois surgiu um escândalo financeiro, o que obrigou o magnata a passar os últimos anos a tentar limpar a imagem e nome, sendo que foi recentemente absolvido dos crimes de que era acusado.

Com Mike estava a bordo a sua filha, Hannah, de 18 anos. A mulher e mãe das vítimas, Angela Bacares, foi uma das 15 pessoas resgatadas com vida poucas horas depois do naufrágio.

Uma sorte que não tiveram Jonathan e Judy Bloomer, presidente da Morgan Stanley International e mulher, respetivamente. O homem foi uma das testemunhas fundamentais para ajudar a ilibar Mike Lynch.

Por encontrar estão também os corpos de Christopher e Neda Morvillo, um sócio da sociedade de advogados Clifford Chance, de Nova Iorque, e a respetiva mulher. Ele fazia parte da defesa que ajudou Mike Lynch a ser absolvido.

O super-iate Bayesian é um dos mais imponentes da sua classe (CNN)

Uma tromba de água

Fortes tempestades na Sicília provocaram chuvas torrenciais no final de domingo. As primeiras informações sugerem que uma pequena tromba de água, que se desenvolveu sobre a zona na segunda-feira de manhã, poderá ter estado na origem do naufrágio do iate.

As trombas de água - um dos vários tipos de tornados - são colunas giratórias de ar que se formam sobre a água ou se deslocam da terra para a água. São frequentemente acompanhadas por ventos fortes, mar alto, granizo e relâmpagos perigosos. Embora sejam mais comuns nos oceanos tropicais, podem formar-se em quase todo o lado.

As trombas de água dependem de águas quentes para ganhar energia e o Mar Mediterrâneo tem estado muito quente, atingindo uma média diária recorde de 28,9 graus Celsius na semana passada, de acordo com dados preliminares de investigadores do Instituto de Ciências Marinhas em Espanha.

As temperaturas locais têm sido ainda mais elevadas, com as águas em redor da Sicília a atingirem quase 30 graus Celsius, quase três graus acima do normal, confirmou à CNN o climatologista italiano Luca Mercalli.

“Os oceanos mais quentes têm mais energia e mais humidade para transferir para a atmosfera, os combustíveis mais importantes para as tempestades”, explicou Mercalli.

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