NBA: um problema de milhões na época mais democrática

21 out 2019, 08:59
NBA: protestos em Hong Kong

Liga norte-americana de basquetebol arrancou, debaixo de um conflito com a China que pode pesar no futuro. Mas com enorme expectativa em campo, depois de um defeso louco a lançar uma temporada que promete ser aberta como poucas

A NBA começou com o campeão em campo e um duelo em jeito de dérbi entre dois candidatos, a lançar uma época que promete ser aberta como poucas. Mas que começa também debaixo de uma sombra que pode pesar no futuro de um dos campeonatos mais globais do planeta. Na China, o canal de televisão estatal não transmitiu a noite de abertura, e o serviço de streaming que tem os direitos dos jogos reduziu a emissão, não passando a partida dos campeões Toronto Raptors e limitando-se ao duelo entre LA Clippers e LA Lakers. No centro da polémica estão os Houston Rockets, que arrancam a temporada nesta quinta-feira, frente aos Milwaukee Bucks.

Olhares mais atentos ao exterior do Scotiabank em Toronto e do Staples Center em Los Angeles veriam algumas dezenas de pessoas a distribuir camisolas com mensagens de apoio a Hong Kong.

A manter vivo o assunto, enquanto a NBA tenta controlar os danos da crise que dura há três semanas, depois de um «tweet» de um diretor dos Houston Rockets a que se seguiu uma resposta irada da China, e que já trouxe «consequências financeiras dramáticas», segundo o próprio comissário da Liga norte-americana de basquetebol profissional, Adam Silver.

Daril Morey, diretor-geral dos Houston Rockets, recorreu ao Twitter, que aliás está bloqueado na China, para manifestar solidariedade com os protestos em Hong Kong, que se prolongam há meses. Manifestações que começaram no verão, primeiro de contestação a uma lei de extradição e depois em nome da democracia no território sob administração chinesa. «Luta pela liberdade. Hong Kong», dizia a mensagem. Que foi entretanto apagada, motivou um comunicado de Morey a dizer que não quis ofender ninguém, uma reação do presidente dos Rockets a demarcar-se, e respostas dúbias da NBA, que começou por considerar lamentável a atitude de Morey, antes de o comissário Adam Silver vir atenuar o discurso, defendendo o direito de Morey à liberdade de expressão.

A China reagiu em várias frentes, cancelando desde logo a transmissão de jogos de pré-época que estavam agendados e suspendendo vários contratos de empresas chinesas com a NBA e com os Houston Rockets. A jogar com o que representa para a NBA: o maior mercado internacional, 500 milhões de espectadores e consumidores, muitos contratos milionários, à cabeça o acordo de transmissão de jogos com a Tencent, estimado em 1.5 mil milhões de dólares.

A NBA ainda assenta 90 por cento das suas receitas no mercado norte-americando, de acordo com a revista Forbes. Mas o conflito com a China faz mossa não só em termos financeiros como na NBA como marca global, depois de décadas a criar ligações com os adeptos chineses, uma implantação que vem de trás e é maior do que a de qualquer outro desporto.

O facto de a polémica envolver os Houston Rockets é ainda mais significativo. A ligação da NBA à China começou nos anos 80 mas disparou precisamente no início deste século, à boleia de Yao Ming, o gigante chinês que foi figura nos Rockets.

Ming é hoje presidente da Federação Chinesa de Basquetebol, que aliás cortou relações com os Rockets na sequência da polémica com o tweet de Morey. Dinheiro é dinheiro e é disso que se trata. A polémica com a NBA surge no meio da guerra comercial entre Estados Unidos e China. Adam Silver não hesita de resto em ligar as duas, ao defender numa entrevista ao Wal Street Journal que neste caso a NBA foi um «dano colateral» no meio de uma questão maior.

Silêncio, LeBron e as consequências do problema chinês

Mas a NBA não sai bem da fotografia, até porque fez questão de cultivar ao longo dos anos uma imagem mais progressista do que outras grandes Ligas americanas, dando maior margem a jogadores e treinadores para expressarem opiniões sobre questões sociais relevantes como o racismo ou a violência policial. Só que a questão da China tem muito em jogo, não só para a NBA como para muitos jogadores e os seus interesses comerciais.

A maior parte de jogadores e treinadores preferiram manter-se à margem da polémica. LeBron James falou, para criticar o tweet de Morey, dizendo que se tratava de uma «situação muito delicada» e que o dirigente devia ter pensado melhor antes de o escrever, o que levou a uma reação irada dos manifestantes em Hong Kong, que queimaram camisolas do jogador dos Lakers. James Harden, a estrela dos Rockets, evitou comentários: «Vou ficar fora disto.»

Embora Adam Silver diga que vai tentar encontrar formas de desanuviar o conflito, os sinais recentes não apontam para aí. Nos últimos dias o comissário disse que a China exigiu a demissão de Morey, o que a China negou através da CCTV, o canal estatal, ameaçando de caminho que o responsável da NBA iria «sofrer consequências».

Ainda é difícil de antecipar o desfecho de tudo isto, no meio de muita especulação. O Yahoo Sports escreveu por exemplo que várias equipas estavam a preparar-se para um cenário em que o teto salarial da NBA caia até 15 por cento na próxima época como resultado do desinvestimento chinês.

A bola a saltar depois de um mercado louco

Seja como for, é provável que o problema chinês perca para já alguma atenção mediática. Porque a bola já começou a saltar, para uma época que ficou marcada por um defeso louco, que levou muitos grandes nomes da Liga a mudar de camisola, acentuou uma tendência  que já vinha de trás para maior circulação dos jogadores e para aqui sim, uma maior «democratização» e equilíbrio da Liga.

As mudanças do mercado foram de deixar a cabeça à roda. Começou com Anthony Davis, o extremo-poste que deixou os New Orleans Pelicans para se juntar a LeBron James nos LA Lakers. Não só ele, também DeMarcus Cousins e Dwight Howard fazem agora parte da aposta dos Lakers. Que têm nos vizinhos LA Clippers outra das equipas a emergir como séria candidata. Antes de mais pela chegada de Kawhi Leonard, figura da conquista do título pelos Toronto Raptors, e ainda de outro reforço de peso, Paul George.

Os Golden State Warriors perderam Kevin Durant para os Brooklyn Nets. O que, aliado à lesão prolongada de Klay Thompson, põe fim à equipa que esteve em cinco finais nos últimos cinco anos e venceu três títulos. Ainda que se mantenha Stephen Curry, a figura central dos Warriors, e haja também reforços sonantes, como D’Angelo Russell.

Houve dezenas de jogadores de topo a mudar de clube, num movimento que permite alimentar a ideia de uma Liga equilibrada como há muito não se via, sem equipas dominadoras e com muitos candidatos a fazer boas temporadas. E depois há os «rookies», a alimentar expectativas para o que farão na época de estreia e até onde poderão levar as equipas que os escolheram. A começar por Zion Williamson, uma estrela anunciada mas também adiada: o reforço dos Pelicans lesionou-se e só deverá estrear-se daqui por seis a oito semanas.

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