Mudou-se para a Tailândia com trocos nos bolsos. Agora organiza férias de sonho para ricos e famosos

CNN , Karla Cripps
5 jul, 15:00
Bicicleta

É quarta-feira à tarde no centro de Banguecoque, e Daniel Fraser está particularmente entusiasmado.

O canadiano acabou de regressar à capital tailandesa após uma viagem ao país vizinho Laos, e tem a cabeça cheia de ideias.

Durante a visita, deparou-se com uma fábrica recheada de equipamento militar soviético antigo, camiões de transporte e caixas de munições - uma lembrança da importância desta nação durante a Guerra do Vietname e a Guerra Fria mais ampla.

Mas Daniel Fraser não está à procura de locais para filmagens de cinema ou televisão para um épico de guerra de Hollywood. Ele acha que esta antiga fábrica, com a sua vibe steampunk, será o cenário perfeito para um almoço que a empresa de viagens que criou, a Smiling Albino, está a planear para um cliente com património ultra elevado numa próxima viagem à região.

Daniel percebe que algumas pessoas podem ficar confusas. Por que razão está a levar um viajante muito rico para almoçar num local industrial degradado durante as suas férias? Afinal, o Sudeste Asiático tem uma longa lista de resorts de luxo e villas privadas, muitas das quais com restaurantes fantásticos - incluindo no Laos.

Mas, ao lidar com clientes ultra ricos, Daniel diz que é necessário ir muito além de garantir que os lençóis tenham a contagem de fios adequada.

“A nossa missão é levar os viajantes mais exigentes e mais exclusivos do mundo para o Sudeste Asiático, e garantir que eles vivenciem algo que não podem experienciar noutro lugar ou com outra pessoa”, explica.

Para conseguir isso, a criatividade é fundamental. Daniel percebe que as pessoas mais ricas do mundo têm meios para organizar as suas próprias experiências especiais com DJs internacionais e celebridades, ou para encerrar parques temáticos inteiros. Mas esse não é o tipo de viagem que quer ajudar a criar.

“Estas pessoas podem fazer isso em qualquer lugar, certo? E fazem mesmo isso em qualquer lugar”, afirma.

É por isso que está tão entusiasmado com esta antiga fábrica poeirenta num canto remoto do Laos. Faz parte de um quebra-cabeças maior que Daniel e a sua equipa precisam de montar - e é uma das peças mais fáceis.

Daniel Fraser já planeou aventuras únicas no Sudeste Asiático para celebridades de todo o mundo (Smiling Albino)

Também precisam de organizar uma visita a uma incrível caverna com um rio com sete quilómetros de comprimento a correr no seu interior, chamada Kong Lo, e o cliente não pode passar horas a saltar em estradas de terra poeirentas para lá chegar.

"O nosso plano é levar um helicóptero para um lado da caverna e remar com um grupo de aldeões com lanternas na cabeça, realizar uma cerimónia espiritual na caverna em honra da aldeia e dos espíritos da caverna, e sair algumas horas depois do outro lado, onde o helicóptero nos irá buscar e depois levar-nos-á para uma pequena e bonita casa de hóspedes onde vamos preparar um almoço local encantador", explica.

Executar este tipo de aventuras requer meses de planeamento - por exemplo, garantir as permissões necessárias dos vários ministérios governamentais não se faz da noite para o dia.

"Estamos a fazer o que eu chamo experiências ao nível do James Bond, que têm uma logística bíblica por trás", afirma.

"Precisamos de todas estas diferentes coisas para que se torne numa produção de Hollywood só para um dia de uma viagem de cinco dias. Dizemos sempre à nossa equipa: ‘Não estamos a construir um tour, estamos a criar uma produção teatral imersiva que faz justiça à comunidade local’".

Talvez não seja surpreendente que Daniel tenha uma ligação à terceira temporada da série da HBO Max, The White Lotus, que foi filmada na Tailândia. Durante as primeiras fases de desenvolvimento, foi convidado para levar o criador e realizador da série, Mike White, numa aventura por Banguecoque.

Para além do famoso realizador, que estava na cidade em trabalho, Daniel prefere não revelar nomes, por razões de privacidade. No entanto, partilha que a sua empresa já planeou aventuras para bilionários do ramo da tecnologia, superestrelas de Hollywood, músicos vencedores de Grammys e atletas de topo, muitos deles nomes conhecidos mundialmente.

"Decidimos nessa noite que íamos largar os nossos empregos"

A primeira viagem de Daniel à Tailândia foi em 1995. A sua universidade de artes liberais no Texas ajudou-o a conseguir um estágio para ensinar Inglês e Oratória na Chitralada Palace School, em Banguecoque, que ele descreve como "o ano mais invulgar que alguma vez podias imaginar para alguém de 21 anos".

Em vez de passar o tempo livre a saltar de ilha em ilha e a festejar com os jovens mochileiros que se amontoavam no país, andava com locais - muitos deles com ligações influentes - e via um lado da Tailândia que poucos turistas experienciam.

Admite que não foi a introdução habitual ao país, mas deixou-lhe uma impressão duradoura; sabia que queria voltar à Tailândia um dia.

Passados quatro anos, Daniel estava de volta ao Canadá, a trabalhar numa função de marketing em Calgary, Alberta. Era setembro e o inverno estava a chegar.

Daniel e um amigo próximo, Scott Coates, tinham decisões difíceis para tomar.

"Tínhamos andado a incentivar-nos um ao outro a dar o salto e fazer algo arrojado, começar um negócio", recorda.

"Saímos uma noite para beber uma cerveja e dissemos: ‘Sabes que mais, somos relativamente jovens, solteiros, sem dívidas… se não dermos o salto agora fora da cadeia corporativa, não vamos fazer isso nunca’", conta.

O plano era simples. Quando acabassem as cervejas que tinham à frente, teriam que decidir.

"As nossas cervejas estavam quase a acabar… Então o Scott pediu Jägermeister", lembra.

Daniel diz que bastou um só shot deste digestivo alemão - pouco conhecido por ajudar em decisões sensatas - para tomarem a decisão.

"Decidimos nessa noite que íamos largar os nossos empregos, e algumas semanas depois, estávamos na Tailândia", conta.

O plano nasceu das experiências de Daniel ao ensinar no estrangeiro - em vez de seguir os percursos turísticos habituais, queria ajudar pessoas a aceder rapidamente ao "modo de vida e tempos" de um país.

Mas as coisas eram muito diferentes nos anos 90. Não havia blogs com passos detalhados para abrir um negócio na Tailândia. Não havia apps de tradução. Não havia Google Maps para ajudar a navegar no labirinto de ruas e becos de Banguecoque.

Para tornar as coisas ainda mais desafiantes, e talvez até um pouco cómicas, não tinham experiência nenhuma na área.

"É engraçado, porque não sabíamos nada sobre a indústria do turismo", afirma.

"Chegámos com mochilas e uns milhares de dólares, a pensar que íamos começar uma super empresa".

Quando o entusiasmo da mudança se desvaneceu, a realidade começou a bater à porta.

"Partimos de Calgary com todo o alarido", conta Daniel, entre risos, recordando que "tivemos uma grande festa de despedida no aeroporto, e depois chegámos aqui a perguntar: ‘O que é que estamos realmente a fazer? Não faço ideia’".

Ainda assim, nasceu a Smiling Albino - uma referência ao "legado sagrado que os elefantes albinos têm no Sudeste Asiático”.

"Podem arranjar-nos, sabem, um hotel a sério?"

Hoje, a empresa conta com uma equipa de cerca de 40 colaboradores a tempo inteiro, além de uma rede de freelancers espalhados pela Tailândia, Cambodja e Vietname, todos a trabalhar para criar viagens privadas e personalizadas na região.

Daniel e o amigo sabiam desde o início que não queriam focar-se no mercado de viagens low cost - mas certamente não esperavam trabalhar com bilionários e famosos.

“A missão desde o primeiro dia foi criar viagens experiencialmente únicas”, afirma.

“Procurávamos pessoas que fossem viajantes em ascensão, o mercado semi-luxuoso que adorava a sensação espontânea de explorar ao estilo mochileiro, mas com uma logística brilhante e experiências elevadas. Não luxo tradicional encenado".

Começaram por oferecer passeios de bicicleta pelos antigos canais do distrito de Minburi, no leste de Banguecoque, rotas que ainda hoje são pouco conhecidas pela maioria dos turistas. Depois expandiram o negócio para norte, começando por outra região da Tailândia pouco visitada - Chiang Rai - ao levar viajantes em passeios de scooter pela zona montanhosa, visitando aldeias locais pelo caminho.

O CEO da Smiling Albino, Daniel Fraser, vive na Tailândia há mais de 25 anos (Smiling Albino)

"Tínhamos sempre um guia tailandês licenciado connosco", explica Daniel. "Aprendemos muitas coisas boas com os guias que nos acompanharam nesses primeiros dias, e muitos deles formaram parcerias maravilhosas que mantemos até aos dias de hoje".

Demorou cerca de um ano - não havia orçamento para marketing - mas, através de amigos locais, guias turísticos e o boca a boca, Daniel diz que as pessoas perceberam que "estes dois canadenses loucos organizavam viagens divertidas no norte da Tailândia".

Eventualmente, começaram a notar que as pessoas interessadas em juntar-se às suas viagens tinham cada vez mais posses monetárias.

"Eles diziam: ‘Gostamos do vosso passeio, mas não ficamos em guest houses… Podem arranjar-nos, sabem, um hotel a sério, até mesmo um hotel quatro estrelas?’", recorda Daniel.

No início, afirma, estavam relutantes - e essa teimosia pode ter travado o crescimento.

"Era quase como ‘Não, somos puristas’... acreditávamos que tínhamos de ir contra a corrente e isso provavelmente foi um obstáculo nos primeiros tempos".

Nos anos seguintes, a Smiling Albino começou a ajustar as suas viagens em resposta ao feedback dos hóspedes, mantendo as mesmas rotas. A certo momento, perceberam que "estavam a vir alguns verdadeiros pesos pesados nessas viagens".

"Mudamos isto, mudamos aquilo, e agora ficamos no Four Seasons e os nossos hóspedes chegam de jato privado", explica.

 

"Já levámos algumas das pessoas mais famosas do mundo para que experienciassem o verdadeiro Banguecoque depois do anoitecer - noodles de barracas de rua, cervejas a 1 dólar, descobrir um becozinho em Chinatown, entrar em templos iluminados à noite que estão meio fora do circuito. É exatamente o mesmo que começámos a fazer há 25 anos; os clientes mudaram, mas o espírito das viagens manteve-se”.

Daniel e o seu parceiro de negócios chegaram a um acordo amigável para se separarem em 2013 e continuam grandes amigos. Muitas pessoas pensam erradamente que a Smiling Albino só trabalha com viajantes ultra-ricos, mas Daniel afirma que “ainda fazemos excursões de um dia por 200 dólares por pessoa” e nem todas as viagens que planeiam são espetáculos cuidadosamente coreografados.

Quanto ao segredo para conseguir planear experiências privadas e interessantes para tantos orçamentos diferentes, Daniel diz que a Smiling Albino segue algumas regras.

As viagens que oferecem não podem ser duplicáveis - não pode ser algo que alguém tenha encontrado online. Além disso, a experiência tem de ser envolvente, única e local.

Com esse ADN simples, Daniel diz que as possibilidades são infinitas - e foi isso que ajudou o negócio a crescer.

“As pessoas começaram a perguntar-nos: conseguem fazer isto no Nepal? Conseguem fazer isto no Cambodja? Conseguem fazer isto no Vietname? E assim, fomos lentamente expandindo para outros países”.

Apresentar um programa de TV… em tailandês?

Em 2011, Daniel foi convidado a pôr à prova os seus conhecimentos de tailandês e a apresentar um programa de viagens na Thai PBS (Smiling Albino)

Quando Daniel se mudou para o país, teve de aprender tailandês para sobreviver, pois vivia fora dos centros turísticos habituais. Além disso, também era essencial para o negócio, considera.

"Queríamos provar a nós próprios que, se íamos cumprir o que dizíamos, tínhamos literalmente de falar a língua", afirma.

"E assim, desde o primeiro dia, concentrei-me mesmo nisso e fiquei bastante entusiasmado, porque via isso como uma grande porta aberta".

Em 2011, depois de algumas aparições na televisão e como mestre de cerimónias, perguntaram-lhe se estaria interessado em fazer um programa documental, em tailandês, focado em viagens culturais.

"Foi aterrador, porque sentia-me confortável a pedir comida em tailandês à frente dos meus amigos, mas estar na televisão nacional na Thai PBS, a falar sobre cultura, pensei: ‘Uau, estou a cruzar uma linha aqui’. Aprendi coisas sobre a Tailândia que não fazia ideia".

A reverência de Daniel pela sua "casa adotiva" é evidente, com o especialista em viagens a sublinhar que não assumiu o papel por pensar que ia ensinar algo a alguém sobre a própria cultura.

"Não tenho qualificações para isso. E acho que isso seria ingenuidade. Penso que foi isso que deu muito apelo ao programa localmente. As pessoas viam na TV e diziam: ‘É uma interpretação muito inocente e divertida de tudo o que é tailandês'".

Daniel considera que o programa abriu muitas portas, permitindo-lhe explorar templos únicos, festivais e aldeias, enquanto conhecia artistas tailandeses famosos, monges e políticos.

Impressionar os locais

Olhando para trás, Daniel diz que não foi um CEO bilionário de tecnologia ou um artista vencedor de um Grammy que lhe apresentou o maior desafio até hoje, desde que chegou à Tailândia.

Esse momento aconteceu durante a Covid, quando "fomos forçados a reinventar-nos para manter o negócio vivo, manter o sonho vivo".

Tinha apenas uma missão: impressionar os locais.

"Levámos um grupo de tailandeses abastados que, durante a Covid, não podiam viajar para o estrangeiro, e eles disseram: ‘Mostra-nos o nosso próprio país. Ouvi dizer que são criativos’. E isso foi incrivelmente intimidante", recorda.

"Levámo-los para o norte da Tailândia, para locais um pouco fora do circuito, onde não há verdadeiramente luxo e criámos experiências locais significativas, incluindo uma festa surpresa num comboio, onde juntámos alguns carruagens de luxo (ao comboio normal) que remodelámos e decorámos com um tema Gatsby dos anos 20".

"Havia sete paragens, e tínhamos diferentes artistas a entrar e sair em cada uma delas. Portanto, logisticamente, foi uma operação de precisão quase futurista, com a ideia de que precisávamos de surpreender estas pessoas para que experienciassem o próprio país de uma forma que nunca, jamais poderiam antes".

Cansado das multidões? Não precisa de ser bilionário

Na era pós-Covid, com o turismo em massa a ser uma fonte constante de frustração nos principais destinos do mundo, os esforços de Daniel Fraser para oferecer alternativas entusiasmantes são certamente oportunos.

No entanto, o especialista em viagens sublinha que não é preciso ter fundos ilimitados para planear uma escapadinha única.

Por exemplo, Daniel estima que mais de 80% dos turistas que visitam a Tailândia se concentram em apenas seis locais - Banguecoque, Chiang Mai, Phuket, Koh Samui, Pattaya e Hua Hin. Isso deixa uma grande parte do país por descobrir.

"O que estamos a tentar fazer é levar as pessoas um pouco fora do mapa, para que explorem outras partes do Sudeste Asiático da melhor forma possível, de uma maneira que ninguém mais o faz", refere.

"É o mesmo para um mochileiro ou para um bilionário. Eles querem experiências autênticas", conclui.

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