Este estudante estava a distribuir garrafas de água aos manifestantes. Minutos depois estava morto

CNN , Rebecca Wright, Anna Coren, Salman Saeed and Isaac Yee
12 ago, 15:12
Estudante morre a distribuir garrafas de água durante protesto no Bangladesh (Ahmed Salahuddin/NurPhoto/Getty Images e Salman Saeed/CNN via CNN Newsource

Os estudantes estão a levar a cabo protestos no Bangladesh contra as quotas de recrutamento na função pública, apesar da revogação feita pelo Supremo Tribunal

Usando a manga da camisa para limpar o gás lacrimogéneo dos olhos ardentes, Mugdho, de 25 anos, serpenteia entre a multidão, distribuindo garrafas de água aos manifestantes cujas exigências de reforma iriam em breve derrubar o líder do Bangladesh.

Quinze minutos mais tarde, o estudante universitário tornar-se-ia um mártir do movimento de protesto, quando uma bala lhe trespassou a testa num momento em que parou para descansar durante o calor abrasador da tarde na capital Daca.

Mugdho - cujo nome completo era Mir Mahfuzur Rahman - foi levado de urgência para o hospital pelo seu amigo e companheiros manifestantes, mas já era tarde demais, diz o seu gémeo Snigdho - Mir Mahbubur Rahman - à CNN. "Abracei-o e chorei".

O vídeo de Mugdho a distribuir água antes da sua morte, a 18 de julho, perfurou os sites de notícias sociais de milhões de pessoas em todo o Bangladesh, galvanizando mais pessoas para irem para as ruas pedir justiça pelas vidas perdidas.

O que começou por ser uma manifestação pacífica contra um sistema de quotas para os empregos públicos transformou-se num movimento nacional para afastar do poder a primeira-ministra de longa data, Sheikh Hasina, o que resultou numa repressão mortífera e em confrontos que mataram pelo menos 300 pessoas, de acordo com a análise dos meios de comunicação social e agências locais.

"As mortes continuaram a acontecer e toda a gente ficou em silêncio", conta Farah Porshia, uma manifestante de 23 anos que trabalha numa empresa de tecnologia em Daca. "Precisávamos de nos defender e de defender a democracia."

Hasina fugiu para a Índia de helicóptero na semana passada, quando dezenas de milhares de manifestantes marcharam em direção à sua casa. Na quinta-feira, o economista do Bangladesh e Prémio Nobel da Paz, Muhammad Yunus, regressou a Daca para formar um governo temporário, antes das eleições que, segundo a Constituição, deverão realizar-se no prazo de 90 dias.

"Estou surpreendido com a quantidade de poder que temos", confessa Porshia. "Porque durante anos, todos nós nos sentimos tão impotentes".

Famílias procuram justiça

À medida que o caos do último mês é substituído por uma calma inquietante, muitas famílias procuram agora responsabilização pela morte dos seus entes queridos.

Os gémeos idênticos Mugdho e Snigdho eram inseparáveis desde o nascimento - comiam, dormiam e estudavam juntos, partilhavam roupas e segredos.

"Ele não era apenas o meu irmão, era o meu melhor amigo, era uma das partes do meu corpo", recorda Snigdho. "Costumávamos fazer tudo juntos."

Mugdho, licenciado em matemática, estava a tirar um MBA (uma espécie de pós-graduação na área das finanças e negócios) e Snigdho tinha-se licenciado em direito. Os gémeos estavam a planear mudar-se para Itália no outono, para prosseguirem os estudos e explorarem a Europa de mota. Para poupar dinheiro para as suas viagens, estavam a fazer marketing nas redes sociais para o centro de freelancers online Fiver.

Agora, Snigdho e Dipto, o irmão mais velho dos gémeos - Mir Mahmudur Rahman - enfrentam um futuro sem Mugdho.

Guardaram o cartão de identificação da universidade que Mugdho usava num cordão à volta do pescoço quando morreu - o seu sangue salpicado foi deixado a secar como símbolo do dia negro.

Os irmãos de Mugdho guardaram o cordão que este usava quando foi baleado durante os protestos no Bangladesh (Salman Saeed/CNN)

Agora, estão a tentar encontrar consolo no impacto que Mugdho teve no movimento de protesto.

"Graças a ele, as pessoas ganharam força para protestar", garante Snigdho. "Ele costumava sempre dizer: 'Um dia, vou deixar os meus pais orgulhosos'. Esse momento chegou".

Mugdho morreu dois dias depois de outro momento crucial dos protestos - a morte de Abu Sayed, de 25 anos, a 16 de julho, captada num vídeo que foi amplamente divulgado.

A Amnistia Internacional analisou os vídeos e acusou os polícias de dispararem deliberadamente contra Sayed com espingardas de calibre 12, num "ataque aparentemente intencional e não provocado" e condenou as autoridades pelo uso de "força ilegal".

A CN tentou contactar a polícia para comentar o assunto.

Ativistas culturais e membros da sociedade civil em confronto com a polícia durante uma marcha pelas vítimas mortas durante os recentes protestos estudantis a nível nacional, em Daca, Bangladesh, a 30 de julho de 2024 (Ahmed Salahuddin/NurPhoto/Getty Images)

As mortes chocantes de Sayed e Mugdho catapultaram a agitação de um protesto maioritariamente liderado por estudantes para a ordem do dia.

"Toda a gente estava nas ruas, pessoas de todas as raças, todas as religiões, todas as etnias, de todas as idades, profissionais, estudantes, crianças estavam nas estradas", descreve Porshia.

Entre as centenas de pessoas que terão morrido durante os confrontos das últimas semanas, a UNICEF afirma que pelo menos 32 eram crianças.

Numa pequena cabana feita de metal ondulado e lama no coração de Daca, os pais da vítima Mubarak, de 13 anos, ainda estão a tentar processar o que aconteceu ao seu filho.

A mãe, Fareeda Begum, balança-se para trás e para a frente, chorando enquanto vê os vídeos do TikTok de Mubarak no telemóvel - agora tudo o que lhe resta dele.

O mais novo de quatro irmãos e o único que ainda vivia em casa, Mubarak ajudava frequentemente os pais a tratar das vacas para que pudessem vender leite para sobreviver.

"Era um rapaz sorridente e feliz. Se lhe dessem trabalho, ele nunca diria que não, fá-lo-ia com um sorriso", lembra o pai, Mohammad Ramzan Ali, acrescentando que também podia ser "um pouco traquina".

Mubarak estava a brincar com os amigos no dia 19 de julho quando o curioso adolescente se afastou um pouco da sua casa no centro de Daca para ver os protestos.

Os pais só souberam que o filho tinha sido baleado quando receberam uma chamada do hospital.

Segurando nos braços a mulher, Fareeda, enquanto as lágrimas lhe corriam pela cara, Ali disse: "O meu filho foi martirizado por este movimento".

"Antes, eu não compreendia este protesto contra as quotas, porque não temos formação", afirma. "Mas mais tarde compreendi que este protesto não é apenas para os estudantes, é para todo o Bangladesh".

Esha Mitra, da CNN, contribuiu para a reportagem.
 

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