O presidente do conselho de administração do BCP, Nuno Amado, garante que o banco não vai fechar a torneira do crédito apesar da turbulência no setor financeiro
Os bancos não vão fechar a torneira do crédito, garante o presidente do conselho de administração do Millennium BCP, Nuno Amado. Já na procura por financiamento “há um problema” devido à elevada incerteza.
A turbulência na banca criada pelo colapso do Silicon Valley Bank e o “resgate” do Credit Suisse com a aquisição pelo UBS não vão travar a concessão de empréstimos, assegura Nuno Amado. “Os bancos não vão fechar a torneira. O BCP quer é dar crédito”, afirma o chairman em entrevista ao ECO. Já os consumidores e empresas estão a retrair-se. “Não há um problema de oferta, não há um problema de financiamento para bons projetos ou projetos que se paguem. Há um problema da procura porque há uma incerteza“, aponta Nuno Amado.
“Nem é um problema de taxas de juro. A Euribor está mais alta, mas está a níveis que eram os normais há 10, 15 ou 20 anos. É um tema de procura”, sublinha. “Nos particulares é óbvio. Quando se olha para o crédito à habitação, hoje há menos. E nas empresas há muita incerteza”, acrescenta.
O montante dos novos empréstimos à habitação teve uma subida homóloga de 16,5% em janeiro, o mês mais recente para o qual o Banco de Portugal disponibiliza dados, para 1.385 milhões. O valor é, no entanto, influenciado pela renegociação de contratos, que conta como novo crédito. Expurgando este efeito, a concessão de empréstimos para habitação caiu 15% no primeiro mês de 2023. Desde julho que as novas operações registam quebras homólogas, apesar do aumento progressivo das renegociações.
Nas empresas, o padrão é mais inconstante. Depois de um fortíssimo crescimento em dezembro, as novas operações caíram 61% em janeiro, face ao mês anterior. Em termos homólogos, a quebra é de 18,4%.
Nuno Amado aponta outro fator, este positivo, que também leva a uma menor procura por empréstimos. “As empresas têm apresentado bons resultados, pelo que a maioria das médias e das grandes empresas não necessitam de novos financiamentos”, refere.
A travagem no crédito já era reconhecida pelos bancos na apresentação das contas anuais. “Estamos a assistir a um abrandamento da procura e concretização do crédito. Em janeiro é normal, mas continua a abrandar face ao mesmo período do ano anterior”, assinalava no início de fevereiro o CEO do BPI, João Pedro Oliveira e Costa.
Desregulação explica colapso do Silicon Valley Bank
O colapso do Silicon Valley Bank no dia 10 de março lançou a incerteza no setor financeiro, contagiando outros bancos regionais e de média dimensão nos EUA. Para Nuno Amado, uma das principais causas foi o alívio nos requisitos regulatórios ocorrido do outro lado do Atlântico, que não teve paralelo na Europa.
“Enquanto na Zona Euro temos uma regulação que se manteve muito intrusiva, forte e com uma gestão do risco mais atenta, nos EUA aconteceu o contrário. Houve desregulação e com desregulação houve uma gestão do risco muito mais agressiva”, considera o presidente do conselho de administração do BCP. Dá como exemplo o facto de o limite de supervisão federal dos bancos ter subido de 50 mil milhões para 250 mil milhões, permitindo que instituições como o Silicon Valley Bank deixassem de estar sujeitas às regras mais apertadas. Na Europa, “diria que não há quase nada que os supervisores não saibam”.
As ondas de choque da banca americana atingiram também o segundo maior banco suíço. No domingo, foi anunciada a sua aquisição pelo UBS, numa operação forçada pelo banco central, de forma a estabilizar o sistema bancário. “O Credit Suisse, com todo o respeito, não é uma situação nova. As suas dificuldades eram conhecidas e foram agravadas pelos acontecimentos das últimas semanas. Pelos vistos, o sistema de reporte de informação ao mercado e ao público, não era de confiança, o que é muito complicado“, observa, considerando que “não é normal” o supervisor ter deixado a situação chegar onde chegou.
Nuno Amado considera que levará algum tempo a restaurar a confiança, mas volta a sublinhar diferenças entre os EUA e a Europa. “Se vir os rácios de capital da banca americana são mais baixos do que a europeia. Pelo que vi, a banca americana anda com rácios de capital nos 11%, enquanto a banca europeia anda com rácios de capital provavelmente nos 13,5% a 14%”, sublinha.
O chairman do BCP desvaloriza também o impacto da desvalorização das carteiras de obrigações de dívida pública nos bancos, um dos fatores que levou à queda do Silicon Valley Bank. “O banco que faliu tinha uma carteira com um risco absolutamente anormal, que não tinha nada que ver com os outros. Essa carteira pode ter um impacto de 1,5%, 2% ou 3% [no rácio capital]. Ninguém tem um efeito esmagador de 10% como o Silicon Valley Bank”, argumenta.