Oito meses depois, o Bairro do Segundo Torrão continua cheio de entulho e agora com ratazanas

7 jun 2023, 07:00
Bairro do Segundo Torrão (Cortesia Aministia Internacional Portugal)

Câmara Municipal de Almada diz que a recolha do entulho irá decorrer “nos próximos dias”, mas sem especificar quando. Há oito meses que o lixo resultante das demolições continua no bairro.

São ainda cerca de três mil as pessoas que vivem no bairro que tem sido palco de demolições pelo risco de colapso pelas casas sobrecarregarem uma vala de drenagem. Mas essas mesmas demolições têm tornado ainda mais degradante a vida que lá habita: oito meses depois, o entulho permanece do chão e nele escondem-se ratazanas, que invadem as casas vizinhas.

A denúncia foi feita pela Amnistia Internacional. “É uma questão de saúde pública. Na proximidade do mar, quando há marés vivas, cheias ou tempestades, há a questão das ratazanas a entrarem nas casas, com crianças, a situação é ainda mais grave”, diz à CNN Portugal Pedro Neto, diretor-executivo do organismo em Portugal, que revela que esta é agora uma realidade de quem lá ainda vive.

“Isto está uma vergonha desde a demolição, principalmente pelo lixo deixado aqui. Isto virou uma autêntica lixeira”, começa por nos dizer um morador, que pede anonimato. No Bairro, há agora “montes de ratos que saem das valas e vão para a casa das pessoas” relata, apontando o dedo à autarquia: “Eles não vêem que acabaram de criar uma lixeira”.

“Diziam que corremos perigo conforme as casas estavam, mas não, corremos perigo conforme isto está agora”, continua, lamentando o perigo que existe sobretudo para os mais novos, que não percebem o que se passam, nem tão pouco do risco que correm. “A vala tem já uma parte que já desabou e há crianças que brincam lá. tudo isto o que deixaram é um perigo”.

Os moradores deste bairro, na freguesia da Trafaria, sentem-se abandonados. Há “um divórcio” entre eles e a autarquia, diz Pedro Neto, que acusa a Câmara Municipal de Almada de “falta de transparência”, seja no processo da demolição das casas - cuja comunicação é feita em cima da hora, “tem havido arrogância, intimação, quase a roçar a ameaça”, diz -, quer no realojamento - “e a alternativa habitacional não é alternativa, a pessoa tem de aceitar ou aceitar, ou a alternativa é tornarem-se sem-abrigo”, continua. Mas é a limpeza do próprio bairro, ou a falta dela, que fez soar os alertas mais recentemente.

“A nós, diretamente, não deram novidades”, conta, quando questionado se a autarquia já tinha respondido sobre a data em que iriam começar as limpezas do local. A CNN Portugal entrou também em contacto com a Câmara de Almada, que não respondeu ao porquê de, passados oito meses, o bairro continuar com o entulho resultante das demolições, mas admite que ainda lá está e que já está a tentar resolver a questão. Por escrito, a autarquia disse que: “Segundo esclarecimentos prestados pela Direção Municipal de Obras, Mobilidade e Infraestruturas desta Câmara Municipal, informamos [que] a recolha do entulho resultante das demolições terá início durante os próximos dias”. No terreno, continua, há já profissionais “no local a fazer uma triagem para iniciar a limpeza”.

O mesmo já tinha sido comunicado aos moradores do Bairro do Segundo Torrão, mantendo-se, assim, a dúvida de quantos dias dizem respeito aos “próximos dias”.  “Mas o que a população já nos referiu era que a câmara ia tratar da questão tão breve quanto possível, esperemos que assim seja, que não seja uma promessa em vão, que seja cumprida em breve”, diz Pedro Neto.

Quanto à presença de ratazanas, a autarquia apenas diz que “vai enviar os respetivos serviços ao local para averiguar a situação reportada”.

Renata Camargo, da Associação Canto do Curió, critica a demora. Diz mesmo que é “urgente” limpar o entulho e que há oito meses que a associação faz pressão junto da autarquia para que isso aconteça. “Desde o início que os moradores procuram respostas em relação ao lixo e ao espaço, qual o futuro da vala, há uma preocupação muito grande”.

“É urgente a retirada do lixo e dos escombros de lá”, diz, revelando que quem lá mora está muito incomodado com a situação e “com o descaso da Câmara”, lamentando o facto de o lixo estar lá há meses e de as crianças brincarem junto dele. “Os perigos são diários”.

Há largos anos que as condições habitacionais do Bairro do Segundo Torrão são questionadas, mas a elevada quantidade de entulho que lá agora existe torna a questão mais urgente ainda. “Há uma coisa em que estamos todos de acordo: aquelas casas não reúnem condições habitacionais dignas, são casas informais, mas são melhores do que viver na rua. Mas temos de refletir porque é que adultos que trabalham a tempo inteiro vivem naquelas condições e não conseguem uma habitação digna pelos seus próprios meios”.

A incerteza de quem será o próximo a ser despejado e o que será feito no local causam ansiedade e especulação, especulação essa que nada mais faz do que aumentar a ansiedade. Qual círculo vicioso. “As pessoas, não tendo informação [oficial da autarquia], vão especulando, há até quem diga que para lá está planeado um projeto de hotéis e casas de luxo”, revela Pedro Neto. “Mas lá está, uma melhor comunicação e uma maior transparência resolveriam muitos dos problemas”, continua.

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