Este é o voo mais curto do mundo. Num dia bom, demora apenas 53 segundos

CNN , Barry Neild
14 jan 2022, 09:00

O piloto, que está apenas a centímetros dos seus passageiros, puxa o manípulo metálico que inicia os motores. Dois propulsores, visíveis através das janelas de ambos os lados, começam a girar ruidosamente.

A pequena aeronave avança algumas centenas de metros pela gravilha. Depois, conforme o piloto controla a altitude, esta levanta voo e começa a virar para a direita, na direção oposta. Por baixo, o chão desaparece e é substituído por águas verde-azuladas.

O voo LM711 da Loganair não é a experiência mais confortável.

Oito passageiros têm de se apertar para caber numa cabina do tamanho de uma caravana da VW. O barulho do motor é incessante e não há instalações dentro do avião. Se precisarem de ir à casa de banho, a única opção é cruzar as pernas. Apesar de não haver espaço para o fazer.

Ainda assim, há algo muito especial neste voo que, se não o soubéssemos antes, descobriríamos passados dois minutos. Porque, depois de dois minutos de viagem, é muito pouco provável que o avião continue no ar.

Este, segundo os recordes do Guinness, é o serviço aéreo regular mais curto do mundo. É uma viagem que cobre apenas 2,7 quilómetros, em menos tempo do que a maioria dos voos comerciais demoram a chegar à altitude de cruzeiro. Num dia bom, com vento favorável e bagagem leve, demora 53 segundos.

A viagem, feita duas a três vezes por dia, liga Westray, uma ilha no extremo Norte do arquipélago escocês de Orkney, a Papa Westray, uma ilha ainda mais pequena e remota.

Durante o ano, é a salvação das cerca de 80 pessoas que chamam casa à ilha de dez metros quadrados. No verão, também traz turistas que costumam ficar apenas durante o dia e que procuram a experiência da viagem de avião e descobrir os muitos prazeres de Papa Westray.

Para os visitantes, a viagem começa no aeroporto de Kirkwall, a alegre capital de Orkney, na maior ilha do arquipélago, conhecida como Mainland. Dali, é um voo de um quarto de hora até Westray, antes do final da viagem, que quebra recordes.

É em Kirkwall que os passageiros entram na pequena cabina do minúsculo Britten Norman BN-2 Islander, da Loganair.

Fãs de aviação, especialmente os que conseguem lugar na primeira das quatro filas, irão poder ver o piloto em ação. Mas ninguém escolhe o seu lugar. Estes são atribuídos tendo em conta a distribuição de peso no avião.

Posto fustigado pelo vento

A descolagem, seguida de breves instruções de segurança dadas pelo piloto, é uma confusão de interruptores, mostradores e sons de rádio. Ver a rotação do altímetro analógico e a inclinação do horizonte no mostrador de altitude é quase tão emocionante quanto a vista da janela.

Mas a vista da janela ganha. Estamos no início de agosto, por isso, a manta verde do solo fértil de Orkney transforma-se nas águas verde-azuladas do Atlântico, à medida que sobrevoamos as ilhas de Gairsay e Rousay.

Depois de apenas 15 minutos no ar, o avião aterra no aeroporto de Westray, um posto fustigado pelo vento que consiste num pequeno edifício, uma pista de gravilha e um acesso de asfalto. Há uma breve pausa, onde entra mais um passageiro para a parte final e mais curta da viagem, e levantamos voo.

Este é o bocado da viagem que quebra recordes, um voo mais curto do que o comprimento das pistas da maioria dos aeroportos.

Não são necessários ecrãs que nos mostrem o mapa da rota, basta olhar pela janela para ver onde vai aterrar, ainda antes da descolagem.

Com o cronómetro a contar a partir do momento em que as rodas levantam do chão, parece ter sido um percurso lento para o voo mais curto do mundo, devido à direção do vento. O tempo ronda os dois minutos e 40 segundos.

A aterragem é mais uma onda de entusiasmo. Aterramos na pista de gravilha principal de Papa Westray (tem outras duas com relva e flores silvestres, usadas para aterragens quando o vento sopra na direção errada) e a ilha ganha vida à nossa volta.

Há um camião de bombeiros por perto que é operado por dois irmãos, que vêm da sua quinta quando o avião visita a ilha. Depois de o avião partir, a mulher que trabalha na torre de controlo veste o casaco dos correios e entra na carrinha para entregar a correspondência.

À medida que o barulho dos motores desvanece, o minúsculo aeroporto fica em silêncio. O único som é o da brisa do mar a passar através da biruta laranja, com a sua vista para o campo. Daqui não há muito para ver. Sem árvores, a ilha parece desolada e quase deserta.

Mas não o é. Apesar do seu tamanho, Papa Westray, ou Papay, outro nome pelo qual é conhecida, é um sítio verdadeiramente mágico.

Apesar de a viagem emocionante e recordista poder valer os 20$ por bilhete, a verdadeira atração é a própria ilha. Principalmente quando o guia é Jonathan Ford.

Um habitante com quase 80 anos, Ford, é o “guarda-florestal de Papay”, um trabalho que inclui fazer visitas guiadas, viagens de barco, organizar eventos, criar projetos artísticos e controlar a vida selvagem da ilha, durante invernos longos e escuros e os intermináveis dias de verão.

Nobreza ou bruxaria?

Temos cerca de sete horas para matar antes do voo de regresso e muitas coisas para fazer.

Ford começa com um passeio de carro pela única estrada de Papay, falando-nos da cultura e mexericos locais, enquanto passamos por ilhéus que aproveitam a tranquilidade sazonal para uso industrial, no mau tempo a que são frequentemente expostos.

Há lendas de uma sepultura que foi encontrada debaixo de uma casa e da descoberta de uma espada viking. De noites animadas no centro comunitário, que é o polo social da ilha e a localização de um hostel recente, para quem quer passar a noite. E da indústria de algas que, no início do século XX, obrigou locais a trabalhar em condições lúgubres, para colherem algas utilizadas na produção de vidro e sabão.

Passamos por caravanas presas em blocos de cimento que as impedem de explodir. A escola da ilha (número de alunos: quatro, dois no infantário e dois na primária). Pequenos chalés e grandes herdades. E os hectares de solo fértil rodeados de muros construídos à mão, incluindo um muro pintado com riscas vermelhas e brancas que marca o fim da pista.

A primeira paragem é perto de Holland Farm, a maior quinta da ilha, onde um trilho que passa por um campo de gado nos leva até à costa e a um local arqueológico conhecido como Knap of Howar, uma propriedade com 5000 anos que se acredita ser a construção vertical mais antiga da Europa.

 

É um local extraordinário. A céu aberto, acessível para qualquer pessoa poder explorar, estão as ruínas de duas câmaras ligadas, enterradas no chão, onde já viveram famílias, antes de as pirâmides egípcias terem sido construídas.

O melhor de tudo é a pedra lisa de argamassa que está a um canto, onde os antigos habitantes de Knap esmagavam grãos para fazer farinha. Pousado por cima dela, também liso, parece estar o pilão que teria sido utilizado.

Pegar em algo que pode ter estado nas mãos de alguém, neste preciso lugar, há cerca de cinco mil anos, deixa-nos de cabelos em pé.

A próxima paragem na visita é outro local histórico, que remonta ao século VIII. St. Boniface é uma capela restaurada, cuja arquitetura com espigões sugere influências hanseáticas, da Europa continental. No cemitério coberto de líquenes está um túmulo cujo ocupante, diz Ford, parece estar ligado à nobreza ou, talvez, à bruxaria.

O último grande arau

Depois de almoço, vamos em busca da vida selvagem, num passeio pela reserva natural de Papa Westray, North Hill, uma zona costeira de urze, conservada pela Royal Society for the Protection of Birds do Reino Unido, onde algumas das dezenas de espécies migratórias que visitam a ilha podem ser avistadas.

Ao passearmos pela linha costeira, somos seguidos no mar por uma foca-cinzenta curiosa, vemos kittiwakes, moleiros e uma cria fulmar, da qual nos afastamos. O pássaro parecido à gaivota é capaz de projetar uma substância com um cheiro horrível contra predadores.

Também visitamos um monumento triste que homenageia o grande arau, um pássaro grande que foi caçado até à sua extinção, no século XIX. Acredita-se que um pássaro morto em Papa Westray, em 1813, possa ter sido o último arau vivo nas ilhas britânicas.

Até neste pequeno passeio costeiro, o tempo muda constantemente. O céu azul rapidamente se enche de nuvens tempestuosas. A luz na água passa de dourada a prateada. Segundo Ford, é apenas um vislumbre da meteorologia imprevisível, uma das principais atrações de Papay.

“Gosto que as coisas estejam sempre a mudar”, diz ele. “Mas temos de estar aqui durante algum tempo para o ver. Gosto de poder estar cá durante o ano para ver todas as mudanças, principalmente os pássaros que vêm e vão com as estações.

Também gosto dos opostos polares do ano. As quase 24 horas de luz do dia no verão têm um efeito incrível no nosso corpo, quando percebemos que não conseguimos parar de trabalhar. Todos trabalham mais do que o normal e não nos sentimos cansados”.

Os pássaros, incluindo papagaios-do-mar, mergulhões, tordas-mergulheiras, galispos e ostraceiros, são outra atração principal para Ford (veja esta página de Instagram incrível), tal como os habitantes da ilha e a sua personalidade bondosa e determinação para fazer esta ilha remota prosperar.

“Foi por isso que vim”, diz ele. “Transmite-nos a sensação de comunidade. Não podemos viver aqui apenas pelos pássaros. Quer dizer, podemos, mas...”.

Aterragens de lado

À medida que se aproxima o último voo do dia, está novamente na altura de vermos a comunidade em ação, no pequeno aeroporto, onde os agricultores e bombeiros, Bobby e David Rendall, estão a patrulhar a pista, no seu camião.

Pouco tempo depois, ouvimos os motores do BN-2 a perder potência, quando o piloto sénior, Colin McAlister, um veterano com 17 anos de experiência em voos de Orkney, faz outra aterragem perfeita, algo que ele e os outros pilotos conseguem fazer mesmo em condições atmosféricas complicadas, afirma Ford.

“No verão, conseguem operar quase em piloto automático, mas, no inverno, fazem por merecer o seu cargo”, diz ele. “Já vi o avião aterrar quase de lado”.

Seja qual for a estação, o avião é uma ligação crucial ao mundo exterior, segundo Ford.

A ilha tem um serviço de barco mais lento, mas a ligação aérea a Kirkwall significa que podem ter acesso rápido a serviços médicos e sociais essenciais, além de muitas outras coisas que tomamos como garantidas, tais como cabeleireiros, cafés ou empregos. Para as crianças mais velhas, é o autocarro escolar.

“Sem dúvida que me ajuda a ver que existe um mundo fora da ilha”, diz.

Com McAlister no controlo, o avião está pronto para a viagem de regresso. Desta vez, com o vento a nosso fazer, a viagem é mais rápida e aproximamo-nos da sua velocidade máxima de 240 km/h.

Uma vez no ar, todos os momentos são de pura alegria.

Sentimos, mais uma vez, o entusiasmo de andar numa aeronave pequena e de ver o piloto a manobrar habilmente os comandos. Sentimos a alegria de sermos capazes de olhar em frente e vermos o horizonte a vir ao nosso encontro. E, acima de tudo, há a beleza da paisagem terrestre e marítima de Orkney.

Depois, exatamente um minuto e oito segundos depois de as rodas levantarem do chão, voltamos a terra firme.

A caminho de casa, o voo mais curto do mundo é ligeiramente mais curto.

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