Moradores do bairro de Alvalade gastam milhares de euros a insonorizar as casas
Um aeroporto em Alcochete deixou de ser um jamais para ser uma certeza, mas, até lá, o Governo quer aumentar em 20% a capacidade do Aeroporto de Lisboa o que significa ainda mais voos por hora, quando atualmente já há um avião a sobrevoar o centro da capital de três em três minutos.
O ruído durante a noite deixa centenas de milhares de pessoas à beira de um ataque de nervos, como é o caso de Sérgio Morais e Catarina Grilo, que vivem no bairro de Alvalade e que têm de conviver com o barulho dos aviões que levantam e aterram diariamente.
Em entrevista à TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal), Sérgio, uma das 100.000 pessoas que vivem nas imediações do Aeroporto Humberto Delgado, conta que já chegaram a ser "700 aviões por dia".
"Afeta a nossa vida, afeta o nosso descanso", diz, acrescentando que nas noites mais complicadas recorre a tampões para os ouvidos ou a comprimidos e que tem "a melhor janela" que conseguiu comprar.
Segundo Sérgio, o barulho cessa por poucas horas.
"Normalmente, entre a uma e as cinco da manhã não há ruído. De resto, existe sempre", afirma, acrescentando que "o ruído dos aviões, quando se está perto, é maior do que um carro a passar em alta velocidade, é maior do que uma buzina, é maior do que uma ambulância". "Portanto, é um som muito alto."
Também Catarina, que vive na ponta oposta do bairro, garante que "é como viver ao lado de uma fábrica, em termos de ruído".
"Ouço o ruído em permanência dos aviões na pista. E eu agora pergunto quem é que paga a conta. Isto devia ser a Aeroportos a pagar este investimento", defende.
Para esta moradora, "o sono não é completamente descansado e o usufruto, quer do espaço interior da casa, quer do espaço exterior da varanda, fica completamente prejudicado, assim como o usufruto do espaço público".
"Portanto, andar na rua, em algumas zonas aqui do bairro de Alvalade, é de facto uma dificuldade. Não se consegue manter uma conversa, tem de se interromper de três em três minutos, que é o ritmo a que passam os aviões durante o dia", descreve, lembrando que os moradores das zonas mais afetadas podem também ter problemas de saúde graves porque "entra o cheiro do combustível do avião" e "muitas partículas".
Sérgio garante que quem mora no bairro "sabe que isto faz mal". "Sabe que o ruído faz mal, causa doenças, causa hipertensão, esse tipo de problemas. E também sabe que a poluição atmosférica faz mal."
A proximidade do aeroporto prejudica não só a saúde, mas também o valor dos imóveis e muito mais.
Catarina diz mesmo que "há alguns aviões que fazem um ruído tal que as janelas não são suficientes, o ruído atravessa as paredes".
Já Sérgio fala em "pequenos sismos". "Há uma vibração na casa. Dá uma pequena vibração. É como se fosse um pequeno sismo. Agora quando foi o sismo eu acordei e não sabia o que estava a passar. Olhei para o relógio, cinco e um quarto e eu pensei que foi um avião."
Para Sérgio, investir na insonorização da casa acabou por ser a melhor opção. "Já comprei para o quarto a melhor porta de varanda que eu encontrei no mercado, reforçada com os vidros silêncio, etc. Já gastei algum dinheiro e estou a pensar até em gastar mais e pôr outra porta por fora."
Catarina foi ainda mais longe. Tem dois caixilhos de vidros duplos em cada janela. Foram 10 mil euros pagos do próprio bolso. "Era impossível, mesmo com as janelas que eu tinha, ter qualidade de vida dentro de casa. Portanto, aí melhorou bastante. Foi um investimento avultado que devia ser pago pela ANA Aeroportos."
E quando parecia que a situação não podia piorar, eis que o Governo surpreende. Atualmente, o aeroporto regista mais de 600 movimentos por dia, cerca de 38 voos por hora, mas o plano do Executivo é aumentar a capacidade 20% até que o novo aeroporto em Alcochete esteja operacional. Em vez de 38 passaríamos a ter 45 movimentos por hora.
"Em cima de tudo o que tem acontecido, virem-nos falar de aumentarem mais de 20% os voos, escandaliza-nos, não é? Estão-nos a dizer: vai piorar."
Acácio Pires, responsável de políticas públicas da Associação ZERO, diz que "terá de haver uma avaliação de impacto ambiental sobre um eventual projeto". "E, por isso, julgamos que essa avaliação de impacto ambiental vai demonstrar a inviabilidade do projeto."
Catarina e Sérgio fazem parte da associação Aeroporto Fora Lisboa Melhora, em que defendem o encerramento do Aeroporto Humberto Delgado e, até que isso seja possível, a diminuição do número de voos diários, sobretudo no período noturno. A Zero contabilizou os voos noturnos entre a meia-noite e as seis da manhã durante as últimas duas semanas: 297 movimentos, mais 115 do que o permitido por lei. Segundo a associação, o limite de voos noturnos é violado sistematicamente.
A Câmara de Lisboa discute esta terça-feira a proposta do Governo numa reunião pública pedida pelo PS e que conta com várias entidades convidadas, incluindo a Agência Portuguesa do Ambiente. Contactada pela TVI, a ANA Aeroportos remeteu-se ao silêncio.