As eleições autárquicas do passado domingo traziam três questões principais. Conseguiria o Partido Social-Democrata capitalizar ser Governo? Conseguiria o Partido Socialista inverter a pesada derrota das legislativas? Conseguiria o Chega ter um resultado mais alinhado com eleições legislativas do que com as eleições europeias?
A noite eleitoral de domingo vinha carregada de enorme expectativa. As várias sondagens que foram sendo conhecidas ao longo das semanas que antecederam as eleições e as primeiras projeções eleitorais conhecidas depois do encerramento das urnas, antecipavam uma noite longa e muitos resultados em aberto. Ao final da noite e apesar de anúncios de vitória para todos os gostos, a fantasia contrasta com a realidade.
Iniciativa Liberal, PAN, Bloco de Esquerda e Livre foram mais figurantes do que atores nestas eleições. Para partidos da esquerda e para os liberais, a noite eleitoral foi curta, com pouco alarido e pouca mobilização. Com exceção da vitória do Livre na Câmara Municipal de Felgueiras, numa coligação com o Partido Socialista, pouco mais haveria a reportar, a não ser que, quatro anos depois, tudo continuava exatamente na mesma.
O Partido Comunista - curiosamente o único que assumiu a derrota -, tem um resultado que permite um sorriso tímido. Se, por um lado, perde cerca de cem mil votos e sete municípios face a 2021 – entre os quais Évora e Setúbal, duas capitais de distrito que os comunistas lideravam há décadas, por outro, conquista novos municípios e mantém o estatuto de partido com implementação territorial. E apesar de ter perdido cerca de um terço dos votos face às últimas eleições autárquicas, regista um crescimento no número de votos face às eleições legislativas de maio, sobrevivendo assim a mais um ato eleitoral.
Também o CDS-PP tem motivos para sorrir, e com menos timidez. Do desaparecimento da Assembleia da República e do fim anunciado do partido a uma coligação que o devolveu ao Parlamento e ao Governo, a senda de recuperação teve novo episódio no domingo passado. Conseguiu manter as seis Câmaras Municipais que já liderava e ainda vencer mais uma.
Para o Chega, estas eleições trazem um resultado agridoce e uma verdade dogmática. Do lado do resultado, o Chega conquista os primeiros municípios da sua história e consegue um número muito significativo de mandatos a nível nacional, que poderão ser determinantes para a formação de maiorias. No entanto, é claro que existe uma diferença abismal de votos nas eleições em que André Ventura é candidato e nas que não é - como demonstram as eleições europeias de 2024. É aqui que o dogma existe. Por mais que Rita Matias ou Pedro Pinto possam projetar a ilusão de um partido com muitos rostos, a noite de domingo e o terceiro lugar de ambos reforçou a ideia que o Chega começa e acaba em André Ventura – o processo de consolidação nacional e local têm, de facto, ritmos diferentes.
O Partido Socialista era a grande incógnita da noite. Entre a morte anunciada por muitos e o objetivo político fundamental de ganhar Lisboa e Porto fixado pelo seu Secretário-Geral, a conclusão política da noite foi PS “está de volta”. Algures entre fantasia e realidade, o PS tem uma noite difícil. Perde a liderança da ANMP e da ANAFRE, não concretiza a oportunidade de vencer Lisboa e Porto e vê desaparecer o título de maior partido autárquico em Portugal. Se o prémio de consolação foi ganhar capitais de distrito, ser o partido que mais candidaturas venceu a concorrer sozinho e suspirar de alívio por recuperar o segundo lugar face ao Chega depois do resultado nas eleições de maio, o Partido Socialista arrisca ter perdido mais do que a liderança autárquica. Arrisca ter perdido a ambição e parece ficar satisfeito por lutar pela liderança da oposição, seja ela a quem for.
Aqui chegados, estas eleições têm um único vencedor claro, o Partido Social Democrata. E vence mesmo em toda a linha. Recupera a liderança da Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Freguesias, o que não acontecia desde que venceu as autárquicas de 2009. Mantém a presidência da Câmara Municipal de Lisboa, reforçando significativamente o número de votos e vence no Porto, ao mesmo tempo que conquista os seis maiores municípios do país.
Esta vitória consolida Luís Montenegro como a principal figura da atualidade política portuguesa e devolve o PSD a um lugar em que há muito não se via. Depois de uma década de hegemonia socialista, o PSD é hoje Governo, partido mais representado na Assembleia da República, com maior implementação autárquica e líder dos dois governos regionais.