ENTREVISTA || Nuno Palma Ferro é o primeiro autarca de direita que Beja tem em 50 anos de democracia. "O projeto começa e acaba na nossa terra", garante, mas lembra que há duas urgências para conseguir fazer o concelho avançar
As primeiras eleições autárquicas em Portugal ocorreram a 12 de dezembro de 1976 e, pela primeira vez em 50 anos de democracia, a direita venceu em Beja. Nuno Palma Ferro, candidato autárquico da coligação “Beja Consegue!” - PPD/PSD, CDS-PP e IL -, sucede ao socialista Paulo Arsénio como presidente da autarquia e é o primeiro nome a interromper a liderança concelhia alternada entre CDU e PS de quase meio-século.
Nuno Palma Ferro tem 55 anos, é casado, tem dois filhos, é professor de Matemática do ensino básico e secundário e foi vereador na Câmara Municipal de Beja durante o último mandato. Agora, em entrevista à CNN Portugal, garante que "Beja vai realmente mudar".
Pela primeira vez, Beja virou à direita. Como se sente por ter sido obreiro deste grande feito?
Sinto-me extraordinariamente honrado e com uma responsabilidade e uma determinação enorme para atingir os objetivos a que me propus e que propus aos bejenses. Basicamente é assim que me sinto.
Qual foi o segredo ou estratégia para chamar os bejenses para a direita depois de meio-século à esquerda?
Este trabalho começa há cinco anos. Começámos a falar com pessoas e logo na primeira candidatura, em 2021, conseguimos eleger um vereador que fui eu.
Desde quando é que o PSD não conseguia eleger um vereador em Beja?
O vereador não tínhamos desde o início dos anos de 2000. Assumimos a vereação, assumimos quatro lugares na Assembleia Municipal. Nas juntas de freguesia da cidade, participámos no executivo e trabalhámos sempre com muito rigor, com muita determinação, com muita clareza.
Portanto, o trabalho feito pelo vereador e as provas dadas acabaram por dar frutos?
Fomos sempre informando os bejenses daquilo que estávamos a fazer. Depois surgiram as eleições, quatro anos depois, e fruto um bocadinho do nosso trabalho, fruto da nossa forma de estar na política também, os bejenses resolveram depositar-nos esta enorme confiança que nós não iremos defraudar.
As primeiras projeções da noite autárquica colocavam a coligação PPD/PSD.CDS-PP.IL atrás de CDU, PS e Chega. Como foi a noite, chegou a recear-se o pior?
Não, não, porque o processo não estava completo. Beja tem 12 freguesias, duas delas são da cidade e as outras dez denominamo-las como freguesias rurais. E que têm também diferentes números de pessoas. Não são todas homogéneas relativamente à população e, nas freguesias, nós só tínhamos lista em cinco das 12. Portanto, o que aconteceu foi que os resultados que começaram por surgir foram de freguesias rurais relativamente pequenas, com pouca expressão eleitoral, mas que ainda assim têm o seu peso e isso traduzido em percentagem colocou-nos na cauda porque eram os sítios onde nós estávamos a contar ter piores resultados eleitorais.
E qual foi o ponto de viragem em que perceberam que a festa ia ser cor de laranja?
Percebemos logo que o resultado ia ser muito bom, porque na maior parte delas triplicámos os resultados que tínhamos obtido em 2021. Apesar de serem relativamente poucos votos expressos, foi um bom indicador para nós. Estamos a falar de freguesias com 400 votos versus freguesias em Beja, que são as últimas, com 10 mil votos e, portanto, depois, entre todos os índices em percentagem, pode conduzir a resultados enganadores. Quem estava a emitir notícias e não conhece o contexto do concelho achou que estávamos logo atrás, mas não.
A coligação de direita conseguiu dois mandatos, o PS também ficou com dois, o mesmo aconteceu com a CDU e o Chega, que têm um mandato. Como vai ser possível governar perante este equilíbrio? Não se antevê tarefa fácil...
Não, mas eu sou um homem de consciência e tenho a certeza absoluta que vou conseguir conciliar todos os interesses, atendendo, ouvindo e aceitando também as propostas dos outros, porque nós não somos donos universais da verdade nem do querer. Estou convencido que se todos estiverem pelo nosso concelho, se todos estiverem por Beja, vamos conseguir. Até porque os tempos modernos exigem, cada vez mais, a quem anda na política que se habitue a negociar. A mudar objetivamente a forma de fazer política e a forma de encarar os adversários.
Está preparado para a forte e numerosa oposição com que se vai deparar?
Temos de encarar a oposição, mas acho a palavra oposição até muito feia, porque não estou a opor-me, estou a contrapor. A discordar de algumas coisas e concordando com muitas outras. O termo oposição é um bocadinho redutor face àquilo que deve ser o papel de um vereador que não tem funções executivas.
Quais as prioridades mais urgentes na autarquia de Beja? Combate à desertificação?
Se nós conseguirmos - e temos medidas nesse sentido - reter mais jovens, vamos ter mais seniores amanhã. É um problema todo na faixa interior do país, mas é um problema que só se combate com medidas duras, que realmente saibam cativar os jovens para que eles possam permanecer cá e atrair outros. Atrair outros porquê? Porque a vida hoje em dia nos grandes centros urbanos está excessivamente cara e os ordenados são excessivamente baixos.
Entende que a solução pode passar por uma redistribuição demográfica nacional?
Muitos jovens têm de começar a descobrir que o interior é um sítio que lhes proporciona melhores condições de vida. Desde que haja atratividade, saúde, educação, e é isso que nós temos de agarrar aqui em Beja. Se nós tivermos estas áreas, os jovens vão voltar e o reequilíbrio populacional vai-se estabelecer. Já começamos a ter alguns sinais disso e, no futuro, espero e vou fazer por atrair os jovens com medidas na habitação, com medidas de isenção de cargas fiscais e com atividades, criando no concelho condições para que possam constituir as suas famílias. Tenho muita certeza que isso vai acontecer no futuro.
Sem pessoas, não há empresas, sem empresas, não há trabalho e sem trabalho, o êxodo é inevitável. Como se combate este ciclo vicioso?
A falta de pessoas já leva depois a que as dinâmicas empresariais, as dinâmicas sociais, o fenómeno da massa crítica não se restabelece em reequilíbrio e é de facto um dos problemas. Nós queremos combater esses problemas com medidas que possibilitem a captação de mais investimento, mais qualidade de vida, mais jovens e tendemos a acreditar que, com medidas fortes, vamos travar algumas batalhas que vão ser vencidas. Não estamos condenados a esse fatalismo que me está a dizer e que infelizmente é uma verdade.
Basta ir a uma edição, por exemplo, da Ovibeja, para que se perceba que há jovens em Beja. Então, porque existe uma incapacidade de fixar estas pessoas no concelho?
Sim, sim, temos, felizmente temos. Agora temos de os reter e temos de captar outros. Claro. Porque somos os grandes exportadores de intelectualidade, massa crítica e valor que têm de ficar na região. Não se fixam porque não têm condições para se fixar. Imagine-se, se tivéssemos as acessibilidades era absolutamente fundamental aqui, no caso de Beja. O interior norte está muito bem resolvido nas acessibilidades. Nós com as acessibilidades, se conseguirmos ter aqui a A26, isto muda completamente, porque nós estamos a uma hora e vinte de Lisboa e isso já permitiria a alguns jovens que trabalham em teletrabalho alguns dias da semana ter aqui mais condições familiares. Enfim, é toda uma dinâmica que se abre e que permite a fixação de jovens aqui.
Luís Montenegro já ligou a dar os parabéns?
Já sim senhor. Ligou-me logo ontem à noite para dar os parabéns. E obteve como resposta: 'Sr. primeiro-Ministro, muito obrigado, mas eu preciso da sua ajuda'. Quando digo preciso da sua ajuda, falo das acessibilidades e da linha férrea, porque se nós não tivermos essas duas infraestruturas e essas duas ajudas do Governo, não vamos conseguir sair aqui desta cápsula em que estamos metidos. Queremos e vamos, e temos direito a isso.
Foi Beja esquecida por sucessivos governos demasiado centralistas?
Repare-se numa coisa, nós hoje em dia - e quando eu digo nós, digo o concelho de Beja - em termos de impostos e contributos para o país, nós contribuímos mais do que aquilo que o país nos devolve e somos uma zona desfavorecida. Então como é que é? Como é que vamos estabelecer este equilíbrio? Tem de haver aqui alguma coisa para Beja e tem de haver rapidamente.
E de tudo isto, qual é a maior urgência?
O que nós pedimos são só as acessibilidades, que é a conclusão da A26, que é uma decisão política. Mais do que uma decisão económica, é uma decisão política e depois a eletrificação da linha para que os jovens possam viver em Beja e trabalhar em Lisboa se tiverem de o fazer, porque acabará por ser mais rápido ir de Beja a Lisboa do que se calhar ir de Mafra a Lisboa ou de outra zona suburbana de Lisboa ao centro da cidade. Nós temos de trabalhar nestas acessibilidades e isso depende do Governo central, não depende de nós. De nós depende esta pressão, e entrevistas como esta, para que estes pedidos/exigências/reclamações cheguem ao Poder Central, apesar de eles já as saberem bem.
Não é este outro ciclo vicioso? Sem medidas, as gentes abandonam estas terras, sem eleitores não há votos e, pouco a pouco, o interior está cada vez mais desertificado e esquecido...
Essa é a lógica da política que não pode permanecer. Se temos uma zona com 400 mil pessoas, outra com 40 mil e cada vez que implementamos uma medida na dos 400 mil com essa lógica o que vai acontecer à dos 40 mil? Estes 40 mil não têm direitos? Têm direitos e têm de ser ouvidos.
O Nuno é professor de matemática no ensino básico e secundário. Como está a pasta da Educação em Beja?
O concelho de Beja, nesta pasta, começa a ter alguns problemas, obviamente. Ainda não tem mais porque é tudo uma questão de as coisas irem se completando a partir dos concelhos vizinhos. Neste momento, o que se verifica é um êxodo de algumas pessoas que residem em Beja, mas têm trabalhado ao longo da vida em concelhos vizinhos, estão a encher as escolas de Beja, mas essa fonte também vai secar, porque os concelhos vizinhos já estão com muitos mais problemas e a curto prazo vamos ter grandes problemas. Em Beja, temos de criar aqui também medidas de forte atratividade na captação de professores, de médicos, de quadros deste tipo, desde quadros médios e superiores, porque tem de ser a Câmara Municipal a criar medidas impactantes de forma a atrair e a dar algumas condições. Caso contrário, vamos ter um futuro complicado.
Gostaria de anunciar alguma medida em primeira-mão?
Não. O programa eleitoral foi extraordinariamente explícito em relação àquilo que são as nossas prioridades, aquilo que nós consideramos como capacidade de execução, em relação aos custos. Nós fomos muito claros em relação a isso, os bejenses sabem bem ao que vimos, a nossa grande medida é unir os bejenses, recriar a alma e a identidade, ter orgulho em ser de Beja e catapultar o nosso concelho para o patamar a que achamos que tem direito para termos a qualidade de vida que todos merecemos.
"Sempre por Beja, com Beja e para Beja", tal como disse ontem na primeira reação à vitória autárquica?
Sempre, sempre, sempre. Pode parecer um bocadinho estranho, mas essa é a nossa forma de entender a política da polis, a política da nossa terra e o nosso projeto começa e acaba na nossa terra.