Erro impactou os votos de 61 eleitores que, ao que tudo indica, vão começar a ser contados esta sexta-feira - 24 horas depois do limite legal. Boletins foram expostos nos Paços do Concelho para verificação de erros antes da eleição.
A Câmara Municipal de Lisboa assumiu a responsabilidade pelo erro nas impressão dos boletins de voto defeituosos que podem colocar em causa os resultados de domingo na maior autarquia do país. Segundo o que a CNN Portugal apurou, foi o próprio serviço de imprensa municipal da Câmara liderada por Carlos Moedas a imprimir os boletins de voto da capital que seguiram sem o quadrado para quem quisesse votar no Chega na freguesia de São Domingos de Benfica.
De acordo com um esclarecimento dado pela Câmara Municipal à CNN Portugal, a autarquia adianta que o erro foi detetado no dia 6 de outubro, logo nas primeiras horas da manhã e tratado “imediato - ainda nessa manhã foram substituídos os boletins referentes a essa assembleia de freguesia”. “Até essa substituição tinham votado 45 eleitores e no final do dia 7 de outubro, último dia do exercício do voto antecipado, votaram 61 eleitores”, culmina.
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) foi também alertada logo durante a manhã e deu ordens à Câmara para que, num primeiro momento, se retirassem das urnas os votos dos eleitores que votaram antecipadamente no município e que os boletins fossem em conjunto lacrados.
Estes 61 boletins ficaram fechados à espera da decisão da magistrada que preside à Assembleia de Apuramento Geral. Ao que a CNN Portugal apurou, os votos vão começar a ser contabilizados a partir das 09:00 desta sexta-feira, numa contabilização que pode ser decisiva para mudar o resultado, já que Chega e CDU ficaram separados por apenas 11 votos.
Para que isto aconteça, contudo, teve de se permitir o adiamento da contabilização, uma vez que a lei previa que os resultados finais fossem afixados até esta quinta-feira, dia 16 de outubro. A CNE não viu problema nesse mesmo adiamento, confirmado para esta sexta-feira.
A autarquia realça que “o erro foi no boletim da assembleia de freguesia” e que os "boletins para a Câmara Municipal e para a Assembleia Municipal estavam corretos”. No entanto, a suspensão da contagem de voto destes 61 boletins pode alterar significativamente o desfecho final das autárquicas em Lisboa, já que o Chega ficou à frente da CDU por 11 votos - um resultado que, através do método de Hondt - permitiu à candidatura de Bruno Mascarenhas a eleição de dois vereadores (mais um do que a CDU).
O Chega anunciou também esta quinta-feira que se opôs à decisão da contabilização dos votos. “O nosso partido opôs-se à contabilização porque a mesma coloca em causa não só a confidencialidade do voto, como também possibilitou a inversão do sentido de voto original”, afirmou Bruno Mascarenhas à CNN Portugal.
Ao que a CNN Portugal apurou, todos os boletins de votos foram expostos antes do início das votações nos Paços do Concelho para verificação, mas o erro acabaria só por ser detetado pelos eleitores.
A Comissão Nacional de Eleições garante ainda que é não responsabilidade dos delegados das mesas de voto auferir e verificar a validade de cada um dos boletins de voto que entregam a cada um dos eleitores.
A CNN Portugal questionou ainda a Câmara de Lisboa sobre qual seria a justificação técnica para existir um lote de boletins com esta falta “moldura/quadrado” e os restantes estarem sem qualquer falha; e como é que durante o período de três dias de exposição dos boletins nos Paços do Concelho ninguém detetou a falha, mas até ao momento da publicação deste artigo não recebeu qualquer resposta.
São Domingos de Benfica não foi caso único. Quem imprime os boletins de voto?
Os boletins Assembleia de Freguesia de São Domingos de Benfica não foram caso único, como confirmou a CNE à CNN Portugal. Outro erro semelhante foi denunciado em Figueira de Castelo Rodrigo, distrito da Guarda, "onde faltaria o quadrado para votar na candidatura da CDU”, segundo fonte oficial da CNE.
Perante isto, surge a dúvida: quem é o responsável pela impressão dos boletins de voto nas eleições autárquicas?
A resposta curta é: as tipografias escolhidas pelas Câmaras Municipais. Mas este é um processo de tal modo escrutinado que tem parâmetros legais definidos pela Lei Eleitoral dos Órgão das Autarquias Locais.
"A impressão dos boletins de voto e a aquisição do restante material destinado ao ato eleitoral são encargo das Câmaras Municipais, para o que, até ao 60.º dia anterior ao da eleição, devem ser escolhidas, preferencialmente na área do município ou do distrito, as tipografias às quais será adjudicada a impressão", pode ler-se.
O Mapa Calendário das Operações Eleitorais das autárquicas de 12 de outubro também estipulava este procedimento legal, no ponto IV, intitulado Impressão dos Boletins de Voto.
Até dia 13 de agosto deveria estar concluída a escolha da tipografia que iria realizar a impressão dos boletins em Lisboa. Os autos dos sorteios das listas tinham de ser enviados aos presidentes das autarquias até 19 de agosto e o papel especial enviado pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda tinha estar na posse das câmaras até 30 de agosto. Até 2 de setembro tinham de se “remeter às Câmaras Municipais e ao juiz as denominações, siglas e símbolos dos partidos políticos e coligações e os símbolos dos órgãos a eleger”. Expor as provas tipográficas dos boletins de voto devem ser expostas no edifício da câmara municipal de 9 a 11 de setembro. E, por fim, seguiam-se os prazos para reclamações e de 12 a 17 de setembro os boletins tinham de ser imprimidos.
Todas as etapas legais até o eleitor receber o boletim na mesa de voto
O processo que rege os boletins de voto das autárquicas é pela primeira vez referido no artigo 30.º da Lei Eleitoral dos Órgão das Autarquias Locais, onde se pode ler que a primeira fase é o “sorteio das respetivas listas, para o efeito de se lhes atribuir uma ordem nos boletins de voto, o, assim como ao sorteio dos símbolos, em numeração romana, de 1 a 20, a utilizar pelos grupos de cidadãos”.
Sorteada a ordem de disposição, são “imediatamente enviadas cópias à Comissão Nacional de Eleições, e, bem assim, ao presidente da Câmara Municipal respetiva, para efeitos de impressão dos boletins de voto”.
O artigo 90.º estipula que “os boletins de voto são impressos em papel liso e não transparente” e que obrigatoriamente têm de ter “forma retangular, com a dimensão apropriada para neles caber a indicação de todas as listas submetidas à votação”.
A cor dos boletins também não é a aleatória, o artigo 92.º diz que “os boletins de voto são de cor branca na eleição para a assembleia de freguesia, amarela na eleição para a assembleia municipal e verde na eleição para a câmara municipal”.
Tendo em conta todas as condições anteriormente enumeradas, é o artigo 93.º que rege a “composição e a impressão” dos boletins. O processo começa no papel que “é remetido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda ao respetivo presidente da câmara municipal até ao 43.º dia anterior ao da eleição”.
“A impressão dos boletins de voto e a aquisição do restante material destinado ao ato eleitoral são encargo das câmaras municipais, para o que, até ao 60.º dia anterior ao da eleição, devem ser escolhidas, preferencialmente na área do município ou do distrito, as tipografias às quais será adjudicada a impressão”, pode ler-se na lei.
Posto isto, as provas tipográficas dos boletins de voto devem ser expostas no edifício da câmara municipal até ao 33.º dia anterior ao da eleição e durante três dias, podendo os interessados reclamar, no prazo de vinte e quatro horas.
Por fim, a lei prevê que, findado o prazo de reclamação ou interposição do recurso ou decidido o que tenha sido apresentado, pode então dar-se de imediato início à impressão dos ditos boletins de voto.