Dia 14, Faro. Chopim, o último comunista, não vai na cantiga do André

5 out, 08:00
O PAÍS DO MEIO || Dia 14, Faro

O PAÍS DO MEIO || No Rossio de Santa Bárbara de Nexe, um homem de 80 anos encosta a motorizada vermelha onde sempre encostou as certezas. Chama-se José, ou Chopim, foi carpinteiro uma vida inteira, ficou um mês e meio em França quando todos juravam que em Paris chovia dinheiro, viu a fome de perto sem a ter comido e aprendeu política pela televisão a preto-e-branco do 25 de Abril. Hoje, sentado à sombra, olha o Algarve que prospera para uns e aperta para muitos. Continua fiel à ideia que o formou — a dos trabalhadores — e torce o nariz ao pregador da moda. “Bem-falante, sim; para quem trabalha, não, para quem sua a camisa, não.” Entre estradas esburacadas e médicos que não chegam, Chopim segura o país pela memória e recusa a cantiga fácil

esta é uma série de 14 reportagens de Tiago Palma: de Trás-os-Montes ao Algarve, o jornalista desce pela Estrada Nacional 2 e recolhe retratos íntimos de quem é destes lugares - veja AQUI as outras reportagens


Faro (CNN Autárquicas 2025) - A cidade ficava a dez minutos, mas parecia outro país.

Evitei o rebuliço de Faro — ruas quentes, buzinas impacientes — e subi só o suficiente para que o mar deixasse de mandar. Bastou um pouco de estrada, um rasgo da Via do Infante a cortar o horizonte, e o Algarve de postal perdeu voz. Em Santa Bárbara de Nexe, freguesia estendida pela encosta como uma manta de alvenaria, laranjeiras e antenas, o silêncio manda mais do que as bandeiras. É ali, onde o branco do casario estala nos muros e sobra cornija moura nas casas antigas, que a política fala alto: nas legislativas de 2025 o Chega teve números que assustam, ou desafiam a memória do lugar, quem cresceu com histórias do 25 de Abril. Eu queria perceber porquê — e, para medida do chão que piso, fica a régua: em 2024, o Chega somou 25,3% em Santa Bárbara (segundo, atrás do PS) e 21,5% no concelho de Faro (terceiro, mas a liderar na União de Freguesias de Conceição e Estoi com 29,9%); em 2025, passou a 30,0% e primeiro em Santa Bárbara, ficou em segundo no concelho com 27,0% (atrás da AD, 27,8%) e voltou a liderar em Conceição e Estoi com 36,9%.

O plano parecia simples — procurar gente, escutar a terra —, mas a vila estava em pausa. O Café Central, essa instituição que há sempre em cada aldeia, tinha as portas corridas; sobre o toldo, no escritório sobre o café, as janelas de madeira mastigadas pelo sol e pelo sal, e dois homens num andaime a dar nova pele ao primeiro andar, estuque e escada, conversa noutra língua. Ao lado, uma loja de conveniência aberta: vozes estrangeiras, um rádio que não acertava a estação. Imigrantes, todos, a trabalhar; naturais da freguesia, nenhum. O sossego local fazia deles o único ruído vivo.

A praça do Rossio, esse centro mínimo de tudo, bocejava. Dava para ouvir um cão a mudar de lado. Fiquei tempo a contar passarinhos nas torres de uma casa mais rica; quem surgia vinha de fora — um SUV com matrícula que não mora aqui, nesta freguesia e neste Portugal, uma carrinha de manutenção com trabalhadores de pele morena. Pensei em desistir. Pensei em voltar à cidade, procurar ruído para ver se encontrava gente. E então o que parecia já impossível aconteceu com o motor gorduroso de uma Famel Zündapp a tossir. Um homem encostou a relíquia ao muro, capacete preto com uma fita xadrez, camisa de quadrados aberta no peito, costura no peito, e sentou-se ao fresco da sombra como quem bate ponto à vida. O banco de madeira aceitou-o com o estalo de costume.

Aproximei-me. Recebeu-me como vizinho de longa data: olhar que mede, sorriso curto, e logo a gaveta das memórias aberta. É José, 80 anos, homem da madeira — mãos que levantaram portas e armários para Vale do Lobo, Vilamoura e Quinta do Lago, a marcenaria a entrar em casas onde o dinheiro mora.

— José quê?

— Chopim.

— Chopin? — arrisquei, a pensar no francês.

Um naco de silêncio, desses que afinam o ouvido. Depois, com a paciência de quem ensina a aparar uma tábua:

— Cê-H-ó-pê-i-ême. Chopim.

Ainda tentei salvar a gafe: — Ah, não é como o compositor…

Ele abanou a cabeça, meia graça nos olhos, e repetiu a pauta:

— Cho-pim. Pim.

Ficou claro. O nome assentou na página como deve ser e a conversa pôde, enfim, começar.

Santa Bárbara de Nexe de raiz e tronco, com uma breve ramificação francesa em mil novecentos e setenta. “A gente pensava que bastava passar a fronteira e largavam-nos moedas no bolso.” Chegou lá com contrato, fundição de ferro — “um trabalho que quebrava” — e a comparação feita na hora: “Aqui já ganhava bem; lá o franco era cinco escudos. Uma cerveja custava um franco e meio. Agora faz as contas.” Fez ele, que voltou ao fim de um mês e meio, bolso sem fortuna, cabeça resolvida: “Não valeu a pena. A vida lá era cara. E eu tinha aqui ofício.”

Ficou carpinteiro para sempre. O Algarve que o viu crescer, porém, não parou. Em abril de 1974, as manhãs mudaram de som. O dia era o 25. “Acordava e ligava o rádio. Nesse dia não havia notícias — música, só música.” Às oito, nada; às nove, nada. Foi a pedalar até Vale do Lobo, parou na bomba, e ali percebeu que havia país a nascer. “Eu nem sabia o que era uma revolução”, recorda — não em falta, antes com a honestidade de quem, aos 28 anos, tinha a cabeça ocupada por trabalho e contas. “Democracia? Aí já entendia.” Voltou a casa decidido: “Comprei uma televisão para ver aquilo em casa, em preto e branco.” Quando não dava, via numa venda “numa cadeira de palhinha”, a sala emprestada pela vizinhança. Ficou-lhe um nome colado ao ouvido como referência: “Lembro-me bem do Adelino Gomes.”

O 25 de Abril animou a rua, mas varreu o chão da construção. “Para nós, no ramo, foi um tombo. Muita obra parou. Quem mandava, assustou-se”, recorda, sem hesitações. Chopim ganhava antes “um belíssimo ordenado” — seis contos e tal —; nada da função pública, mal paga, maltratada. E, no entanto, a balança pende: “Para a maioria, foi bom. Ordenado mínimo, escolas, saúde. A miséria que eu conheci quando era miúdo, as jornas a 10 escudos para as mulheres, isso mudou.” A miséria não lhe chegou por ouvir dizer. O pai morreu quando ele tinha seis anos; a mãe ia à jorna no campo; a avó, canastras ao ombro, comprava e vendia o que a terra dava. “Não passei fome, mas vi quem passasse. Vi de frente.”

O tempo, no banco, corre com passo de lagarta. A sombra vai escolhendo o sítio onde nos deixa. O carpinteiro muda de ferramenta e pega na política com as mãos velhas. “O Algarve, para quem tem dinheiro pelo turismo e é rico, já é uma maravilha. E para o comerciante — nunca teve melhor.” Para quem vive aqui o ano todo, o retrato é outro: “A nível de saúde… [longa pausa] está muito mal. Está muito mal. Não há médicos; muitos não querem vir para o Algarve. Pagam mal, as rendas são caras, os ordenados não compensam.” As estradas municipais ajudam pouco — “no inverno é uma vergonha” — e a A22 passa lá em cima “para quem anda aí”, não para quem espera à porta do centro de saúde.

A juventude, que já lhe atravessou a vida, entra-lhe agora no discurso com a mesma teimosia. “Os novos, esses com os cursos, abalam; os que ficam acabam nas caixas dos supermercados — ordenados fracos, fracos — e as rendas puxam para cima.” Faz a pausa certa e desloca o ponto de vista: “Se eu tivesse hoje a idade com que fui a França, já não voltava.” O saldo não fecha. E os imigrantes entram como peça de motor: “Se não fossem eles, muita obra ficava parada — e até eles já não aceitam tudo.” À nossa frente, o Café Central continua fechado; na varanda de cima, um homem pinta, devagar, o corrimão com rigor de quem decidiu ficar. É imigrante. É só tinta a secar, mas diz: “fica-se”.

O banco, com o capacete pousado no espaldar, serve de tribuna suficiente. Chopim não dá lições; conta o que viu. Cresceu na ditadura, fez a tropa, não foi à guerra “por acaso”, viu o irmão voltar do ultramar “aos gritos de noite”. “Os turras, os turras!” — gritava o Chopim mais novo. Assistiu à construção da democracia, às pressas e com obra por acabar. “O pior do fascismo era a guerra e a PIDE. E os bufos.” Fala devagar, como quem tira farpas de madeira do dedo. “O 25 de Abril pôs muita coisa no lugar — mas ficou muita por fazer.” Abre então a gaveta certa. Um camarada do quartel virou PIDE. Mostrou-lhe por dentro o posto, “todo vaidoso”, e, anos depois, já sem farda e com dois anos de cadeia, apareceu-lhe na venda do sogro, peito feito e mágoa pronta. “Por causa desse Álvaro Cunhal estive dois anos preso”, despejou. No fim, faz a pergunta, Chopim: “Qual é para si o partido bom para votar?”. “PPD/PSD”, respondeu o antigo carrasco da ditadura. “Hoje diz que vota no Chega.” Chopim encolhe os ombros, meia ironia ao canto da boca: “Há quem mude de casaco e de esquina.” Ele não mudou. Ficou à esquerda, escolhe a política como escolhe madeira: procura veios firmes. Os nomes saem sem pose: Álvaro Cunhal, Vasco Gonçalves, Rosa Coutinho — “homens da Revolução, capazes”. No domingo anterior, foi à Festa do Avante e ouviu Paulo Raimundo “40 minutos”; trouxe de lá um dado que lhe agradou — “tem 12 mil independentes nas listas”. E fecha isto sem catecismo: “Para ser capaz não é preciso ser comunista.” O que lhe interessa não é uma sigla: “é o carácter.”

A freguesia, entretanto, vota cada vez mais ao compasso que entra pela televisão. O Chega, aqui, tem chão. Onde antes a CDU mandava por hábito nas autárquicas, hoje o discurso novo pesca votos com rede miúda. Porquê? Chopim não hesita na anatomia da retórica: “Fala o que as pessoas querem ouvir. Dá jeito a quem está revoltado.” Não confunde forma com substância: “Bem-falante, sim; para quem trabalha, não — para quem sua a camisa, não. Bem-falante não é o mesmo que falar bem.” E, no entanto, aceita a prova: “Até gostava que ganhassem uma câmara grande, para se ver. Se daqui a quatro anos ficar tudo igual ou pior, as pessoas percebem que foram enganadas.” Do outro lado do banco, um senhor para, comenta o trânsito inexistente e segue. O país cabe neste minuto.

Há quem o provoque em casa — netos com certezas novas: “Avô, tens de votar no Chega.” Ele sorri, deixa-os gastar a pilha e só depois pousa a resposta: “Posso um dia deixar de ser comunista. Do Chega, nunca.” Não é teimosia de avô; é arquivo. “A democracia fez-se para quem trabalha”, insiste, dedo a marcar o tampo do banco. “O 25 de Abril abriu portas; o 25 de Novembro, para muitos, foi arrumo da casa — para a classe trabalhadora, foi perda.” Não levanta a voz, não pede aplauso. Explica. Respeita o resultado das urnas porque foi esse o contrato aprendido, mas não abdica do crivo. “Quem fala bonito não me compra. Já não vou em cantigas.” E guarda a frase como guarda tábuas boas na oficina: seca, alinhada, à espera de uso.

Entre o antes e o agora cabe uma vida inteira. “Trabalhava em Almancil e o destino era quase sempre o mesmo: Vale do Lobo, Vilamoura, Quinta do Lago.” Encolhe os ombros: “Trabalhava para os ricos, era o que era” — dito sem amargura nem romantismo. Antes de 1974 o ofício dava: “Seis contos e trezentos por mês.” Depois a rua encheu-se e as obras travaram: “Muita obra parou e… pronto.” O que mudou foi a escala: de lá para cá, rendas e preços subiram a escada toda e o piso dos ordenados ficou dois lanços abaixo. “Foi bom para muita gente; para quem trabalha ainda falta.”

Nos percursos da freguesia — Junta com gradeamento fechado, Centro de Saúde com letreiro gasto da ARS, ruas onde os aparelhos de ar condicionado ocupam fachadas inteiras —, os sinais do tempo são literais: buracos, valetas, uma placa inclinada para “S.ta B. Nexe” que parece um poema concreto, um prédio em construção cercado por chapas, e a vista aberta para as colinas, salpicadas de moradias novas a brilhar de azulejo. De quando em quando, a bandeira nacional acorda num mastro de quintal e lembra que, apesar de tudo, isto é território, não é estância. No largo, um homem de tronco nu carrega uma tábua ao ombro e segue; a freguesia continua no passo dele.

Volto ao banco. Chopim puxa o que ninguém gosta de lembrar: “Havia quem nunca tivesse votado. Havia quem nem soubesse o que era um boletim. E antes morriam crianças, morriam muitos meninos.” Depois vira o espelho para o agora: “Os miúdos estudam e abalam; os pais andam a contar os dias para a consulta; os reformados fazem contas e o mês não estica.” Pergunto para onde vamos. Não desenha mapas: “Para quem trabalha, estamos a ir para pior.” Diz isto baixo, como quem mede a tábua antes de cortar.

Há uma ética que ele repete como quem assenta esquadro: “A democracia é assim: a maioria é que manda. Sempre respeitei o resultado das eleições.” Não é desistência, é regra de trabalho. Pergunto pelo Algarve de agora. Agora vai de chofre. “O Chega cresce… fala o que as pessoas querem ouvir.” O turismo? “Bom para quem vende. Para quem vive aqui, puxa os preços para cima.” A saúde sai-lhe sem rodeios: “Faltam médicos. Pagam mal, as rendas são caras, ninguém quer vir.” E fecha a conta: “Rendas caras, ordenados curtos. O resto são discursos.”

A Famel Zündapp, encostada, é quase personagem. O banco preto com remendos, a pintura vermelha falhada pelo tempo, a placa de matrícula amarela, os cromados gastos a reter sol — um arquivo em duas rodas. A moto conta o que a freguesia não conta: mobilidade curta, um ir-e-vir de vizinhança, a mesma rotina há décadas. Chopim ajeita o capacete, observa a rua que não se mexe e, antes de se despedir, deixa duas notas para guardar nos bolsos do casaco. Uma, sobre o que não se muda: “Há quem me tente demover de ser o que eu sou. Mas não conseguem.” Outra, sobre o que já mudou, a hora: “Bem, penso que vou para casa, a ver se almoço.”

Não é apenas saída. É fecho de capítulo. Ele sobe à moto, vira à esquerda, desaparece. Fico a ouvi-la trabalhar rua fora, o ronco miúdo a desfazer-se nos cruzamentos. Fica um rumor de dois-tempos ao longe, a respirar como um enxame. Volto a passar pelo Café Central fechado — o letreiro “Central” quase irónico. Na sombra de outra árvore, duas mulheres conversam em língua que não decifro. A freguesia, afinal, tem gente. Não era timidez; era rotina.

Penso no que me trouxe ali. Não foi Faro e a sua pressa. Foi esta margem, onde o país se pensa baixinho. Santa Bárbara de Nexe parece uma colónia de férias para quem tem dinheiro — vi-o na zona das moradias, vi-o no movimento de carrinhas de manutenção, vi-o nos hotéis que o horizonte insinua —, mas é sobretudo um lugar onde se vive todo o ano. E onde a política está menos nos comícios do que na fila do centro de saúde. A votação do Chega não se explica apenas com a tele retórica. Explica-se com vidas que sentem o Estado longe, com estradas a cair, com salários que não esticam, com a ideia de que alguém há de falar mais alto por eles.

Chopim não compra o argumento. Tem anticorpos. Passou pela ditadura, afiou o espírito no som da tropa, viu a violência do ultramar de perto através do irmão, percebeu como se mexem as placas do país. Acredita em homens — quando os encontra — e guarda nos dedos o trabalho de décadas. Respeita o voto dos outros porque aprendeu que só assim se protege o seu. “A maioria manda.” E, no entanto, está atento. Se perguntado sobre a diferença entre os “políticos capazes” e os pregadores de agora, não hesita: “carácter, substância, obra”. A palavra “obra”, na boca de um carpinteiro, pesa sempre mais.

Antes de me levantar, volto a olhar para as placas da freguesia. Uma aponta para “S.ta B. Nexe” com inclinação de quem cedeu muitas vezes ao vento. Outra indica o Centro de Saúde da ARS com letras cansadas. Um cartaz esquecido da CDU resiste numa esquina; em frente, uma bandeira nacional abana ao leve cantar da brisa. Há obras novas a crescer — vigas, escoras, cintas de ferro — a dois passos de casas antigas com a cal a descascar. O Algarve turístico e o Algarve que trabalha colidem sem se tocarem.

E aqui termina a estrada — duas semanas depois, bolsos cheios de cadernos e pó.

Fico com a frase que se cola à pele, de Chopim: “A democracia é assim.” O país do meio — nem postal nem fúria — vive nestas respostas que não cabem em slogan. Há números que explicam, há vozes que contam. Para mim, hoje, valem mais as vozes. Penso no avô de capacete a brilhar, na moto a tossir, no grão do asfalto. Penso no dia em que a rádio só dava música e ninguém sabia que se chamava Revolução. Penso em quem teve de partir para a França e regressou porque o câmbio não paga saudade. Penso no Algarve do verão e no Algarve do resto do ano — o do preço que sobe e do salário que não chega. Penso nos ausentes: os que foram estudar e ficaram longe, os que trabalham sem recibo, os que votam zangados. Penso nos presentes: os que mantêm aberta a loja de conveniência e aberto o andaime, a tinta que seca ao sol, as golondrinas no beirado.

A estrada termina quando se percebe que a viagem não é um percurso; é uma maneira de escutar.

E então lembro-me de Manoel de Barros, que me ensinou a dar “respeito às coisas desimportantes”. E aquele verso que serve de bússola: “uso a palavra para compor os meus silêncios”. O resto guardo. Deixo que fale quem sabe compor silêncio melhor do que eu. Faço-lhe vénia e peço licença:

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Agora fica esta terra, a dizer por nós. Agora desço a serra com o país arrumado em reportagem. Fui da invencionática como sei.


O País do Meio não é um roteiro, pelo menos não turístico. Esta é uma série de 14 reportagens de Tiago Palma, para ler na CNN Portugal. De Trás-os-Montes ao Algarve, o jornalista desce a Estrada Nacional 2 e recolhe os retratos — íntimos, sabedores e naturais — de quem é das cidades, ou mais dos lugares, que a EN2 atravessa. Não são histórias de alcatrão, são histórias do caminho, do país real, ouvindo a voz de quem não é notícia — mas é um país, ou faz um país. Na antecâmara das Autárquicas de 2025, o pulso mede-se sem cartazes, sem promessas eleitorais, sem corta-fitas, sem política; o pulso mede-se como mediu Miguel Torga: “Cultivo-me pelos olhos e pelos pés, no alfabetismo íntimo das coisas”.

O País do Meio

Esta é uma série de 14 reportagens de Tiago Palma, para ler na CNN Portugal. De Trás-os-Montes ao Algarve, o jornalista desce pela Estrada Nacional 2 e recolhe retratos íntimos de quem é destes lugares

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