Os coalas estão a morrer de clamídia e as alterações climáticas pioram tudo

CNN , Ben Westcott
28 nov 2021, 19:00
Coalas

Nestes animais, a doença pode causar cegueira e o aparecimento de dolorosos quistos no aparelho reprodutivo, que pode levar à infertilidade ou à morte

A população de coalas na Austrália está a ser assolada por um assassino silencioso, uma ameaça que os especialistas em vida selvagem consideram poder extinguir o emblemático marsupial em grandes áreas do país.

A culpa é da clamídia, uma bactéria sexualmente transmissível que infeta, anualmente, mais de 100 milhões de pessoas a nível mundial e, se não for tratada, pode causar infertilidade nos humanos.

Nos coalas, a clamídia por tratar pode causar cegueira e o aparecimento de dolorosos quistos no aparelho reprodutivo do animal, que pode levar à infertilidade ou à morte.

Pior ainda, os antibióticos utilizados no tratamento da doença podem destruir a delicada flora intestinal dos coalas, necessária para o consumo da sua principal dieta de folhas de eucalipto, levando-os a morrer à fome mesmo depois de curados. Para além de tudo isto, é uma doença que se alastra rapidamente.

Em 2008, notava-se uma fraca prevalência de cerca de 10% de clamídia na população de coalas de Gunnedah, uma aldeia rural a nordeste de Nova Gales do Sul,  segundo Mark Krockenberger, professor de Patologias Veterinárias na Universidade de Sydney. Em 2015, esses números haviam subido drasticamente até aos 60%. Diz Krockenberger que, atualmente, cerca de 85% dessa população de coalas, está infetada com a doença.

“Se pensarmos bem, a população deixou de ser viável, devido à infertilidade. Quase todas as fêmeas infetadas com clamídia acabam estéreis ao fim de um ano ou dois, no máximo. Mesmo que sobrevivam, não se reproduzem”, explicou.

Os especialistas dizem que situações como a de Gunnedah repetem-e entre as populações de coalas por toda a Austrália, ameaçando populações já vulneráveis devido aos violentos incêndios e perda de habitat resultante da desflorestação.

Os cientistas estão a testar vacinas contra a clamídia para proteger os animais.

“Se a estratégia das vacinas falhar, corremos um grande risco de ter extinções localizadas”, disse Krockenberger.

Estarão os coalas em vias de extinção na Austrália?

Há poucos animais australianos mais emblemáticos que o coala. O marsupial cinzento, de orelhas peludas, que come folhas de eucalipto e carrega as crias numa bolsa, pode apenas ser encontrado na Austrália e é, habitualmente, notado nas representações culturais do país.

Mas os coalas enfrentam inúmeras ameaças à sua sobrevivência. Para além das doenças, os marsupiais estão a perder o seu habitat, são muitas vezes atacados por cães selvagens e atropelados por carros.

Por alguma razão estão classificados como "vulneráveis" na Lista Vermelha da International Union Conservation of Nature (IUCN), que cataloga espécies em risco de extinção. O IUCN estima que existam entre 100 a 500 mil coalas selvagens, mas a Australia Koala Foundation diz que os números andam mais perto dos 58 mil.

A confusão em torno do tamanho da população de coalas na Austrália inspirou o governo a investir dois milhões de dólares australianos no ano passado para elaborar um censo nacional do coala, de forma a determinar quantos restam e onde se encontram.

A população de coalas do país sofreu uma tremenda redução devido aos catastróficos incêndios de 2019, que destruíram mais de 48 mil quilómetros quadrados de terreno só em Nova Gales do Sul.

Os incêndios mataram ou desalojaram perto de três mil milhões de animais, segundo o World Wide Fund For Nature (WWF). Esse número inclui mais de 60 mil coalas que morreram, perderam o seu habitat ou sofreram ferimentos, traumas, inalação de fumo e insolação devido às chamas.

Em meados de 2021, um relatório do governo australiano sobre o estado de conservação dos coalas recomendava que se alterasse a sua classificação para “em vias de extinção”, em Queensland, Nova Gales do Sul e Território da Capital Australiana, em resultado do rápido declínio da população nessas zonas. O relatório revelou que, em algumas regiões, as populações tinham caído para metade no espaço de 20 anos.

O governo australiano está a elaborar um Plano Nacional de Recuperação do Coala, que será revisto em dezembro de 2021 antes de poder ser aprovada a lei em 2022.

Mas Deborah Tabart, presidente da Australian Koala Foundation, diz ser preciso fazer muito mais para proteger estes animais e o seu habitat por todo o país, avisando que os marsupiais podem acabar extintos no espaço de três gerações.

“Queremos uma lei de proteção ao coala. Se querem mesmo proteger esta espécie, tem de ser criada legislação eficaz e que permita proteger as árvores”, disse.

Os defensores dizem que seria semelhante à lei de proteção da águia-careca, nos Estados Unidos, que protege o símbolo nacional do país das ameaças à sua população e habitat.

Como é que a clamídia se espalha?

Perante as ameaças aos habitats e fontes de alimentação dos coalas, a clamídia pode parecer um problema secundário, mas com o número de coalas a diminuir, os especialistas dizem que nunca a reprodução foi tão importante.

Existem duas variedades de clamídia nos coalas australianos, uma delas, a Chlamydia pecorum. Esta é a grande responsável pela maioria dos casos graves da doença nesta espécie.

Um artigo publicado na crítica microbiológica da FEMS, em setembro de 2020, disse que a estirpe mais perigosa da clamídia pode ser originária do gado doméstico trazido para a Austrália pelos colonizadores europeus no séc. XIX.

A doença alastra-se entre os coalas através da reprodução e comportamento social associado ao acasalamento, ainda que os coalas bebés possam apanhar a doença através da mãe.

Segundo a Universidade de Sydney, as taxas de infeção em alguns grupos de coalas em Queensland, Nova Gales do Sul e Victoria podem chegar aos 100%, deixando-as completamente inférteis.

A sublinhar o potencial fatal desta doença, um estudo publicado no Journal of Applied Ecology, em março de 2018, revelou que dos 291 coalas examinados ao longo de quatro anos, 18% morreram de clamídia ou de complicações associadas.A doença foi a segunda maior causa de morte, logo após os ataques de outros animais.

As alterações climáticas estão a piorar o problema

A crise climática tornou a Austrália mais vulnerável a devastadores incêndios como os de 2019, bem como à seca e às ondas de calor. Tudo isto está a deixar os coalas mais suscetíveis à doença.

Segundo os maiores cientistas australianos da Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO), o país já aumentou uma média de 1,44 °C de temperatura desde 1910.

O relatório do governo australiano diz que, quando os marsupiais são expostos a condições ambientais invulgarmente stressantes como temperaturas quentes, seca, perda de habitat e fragmentação, a clamídia alastra-se mais rapidamente pelas suas populações.

Os especialistas dizem ter testemunhado idênticas explosões repentinas da doença na natureza. Krockenberger disse na sua amostra da população de Gunnedah que, uma série de ondas de calor e secas em 2009 e 2010 precederam a duplicação do número de casos de clamídia.

Peter Timms, professor de microbiologia na Universidade da Costa do Sol, na Austrália, disse que quando as hormonas de stress dos coalas sobem devido aos problemas ambientais, é comum ver infeções mais ligeiras a ganharem contornos mais graves.

Ele disse que a combinação da perda do habitat e das alterações climáticas está a dar origem a coalas com “stress crónico”, com sistemas imunitários debilitados.

Disse: “Tudo isso leva a uma fraca resposta à clamídia. Passam a ter formas da doença mais graves e não tão ligeiras”.

“É isso que lhes estamos a fazer e estamos a fazê-lo em todas as frentes.”

Ensaios de vacinas contra a clamídia para coalas

Mas a ajuda para os coalas australianos pode estar a chegar.

Uma vacina contra a clamídia, desenvolvida pelo investigador Timms ao longo da última década, está a ser testada no seio da população de coalas, como forma de protegê-los de infeções graves.

Decorrem os ensaios de controlo para testar a eficácia da vacina em pequenos grupos de coalas, cerca de 20 a 30 de cada vez, segundo Timms.

O ensaio atual é o maior até à data, envolvendo 400 coalas.

Alguns coalas são vacinados em visitas aos hospitais veterinários com queixas diferentes de clamídia, enquanto outros recebem a vacina como parte das medidas de conservação coexistentes.

“Sabemos que a vacina pode reduzir a taxa de infeção”, disse Timms. “Não a reduz a zero, pois nenhuma vacina o faz, mas reduz drasticamente o número de infetados.”

Disse que, embora esperem que o processo reduza a taxa de infeção, é difícil monitorizar o alastramento da clamídia na população selvagem.

Krockenberger, da Universidade de Sydney, que está envolvido num outro ensaio sobre vacinas, disse que o propósito da medicação não é reverter a evolução da doença em coalas individuais. “Estando com uma infeção crónica, conseguem viver razoavelmente bem, deixando apenas de se reproduzir”.

Referiu que a esperança é a de que reduzindo os níveis de transmissibilidade em coalas com clamídia, os investigadores consigam evitar que a doença alastre para novos hospedeiros e manter uma população reprodutiva.

“Também esperamos que os animais sadios se tornem mais resistentes à contração da doença após serem vacinados”, disse ele.

Timms disse que, uma vez provada a eficácia e segurança da vacina, espera conseguir distribuí-la pelos hospitais veterinários de toda a Austrália para que se possam vacinar todos os coalas que por lá entrem.

As pessoas perguntam-lhe muitas vezes como irá vacinar o último coala, da última árvore, contra a clamídia, e Timms responde que nem irá tentar.

Tudo o que pode fazer é tentar salvar o máximo possível da população.

“Afinal de contas, trata-se de animais selvagens”, disse.

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