O mistério do homem de Somerton começou na madrugada de 1 de dezembro de 1948, quando uns banhistas encontraram um corpo na praia de Somerton, em Adelaide. Na altura, as impressões digitais e a fotografia do homem foram enviadas para todo o mundo, mas a sua identidade não foi descoberta
Um professor que dedicou décadas a resolver um dos mistérios mais duradouros da Austrália afirma ter descoberto a identidade do homem de Somerton.
Derek Abbott, da Universidade de Adelaide, diz que o corpo de um homem encontrado numa das praias da cidade, em 1948, pertencia a Carl "Charles" Webb, um engenheiro eletrotécnico e fabricante de instrumentos, nascido em Melbourne em 1905.
A Polícia e o Departamento Forense do Sul da Austrália (SA) não confirmaram as descobertas de Abbott, que trabalhou com a conceituada genealogista americana Colleen Fitzpatrick para identificar Webb como o homem de Somerton.
O Departamento Forense SA recusou-se a comentar e remeteu a CNN para a Polícia SA, que disse que não houve atualizações e que a polícia iria fazer mais comentários "quando os resultados dos testes fossem recebidos".
Através da sequenciação de ADN, Abbott diz que, juntamente com Fitzpatrick, foram capazes de localizar a peça final de um puzzle que cativou historiadores, detetives amadores e teóricos da conspiração por mais de 70 anos.
Em maio passado, a polícia do Sul da Austrália respondeu aos apelos de Abbott para exumar o corpo do homem de Somerton e peritos na Faculdade de Ciências Forenses começaram a trabalhar para tentar encontrar a melhor maneira de analisar o ADN.
Mas, no final, Abbott, professor da Escola de Engenharia Eletrotécnica e Eletrónica da Universidade de Adelaide, afirma que foram fios do cabelo do homem presos numa máscara de "morte" de gesso, feita pela polícia no final dos anos 40, que lhe forneceu o que diz ser a prova da identidade do homem.
A polícia deu a Abbott fios de cabelo há uma década, enquanto continuava o que se tinha tornado uma missão pessoal para resolver o mistério do homem de Somerton. O cabelo foi examinado durante anos por uma equipa de especialistas em ADN da Universidade de Adelaide, que forneceu a informação de ADN que permitiu a Abbott e Fitzpatrick limitar ainda mais as hipóteses.
Em março, Abbott disse que já tinha estabelecido o nome de Webb através de anos de trabalho meticuloso com Fitzpatrick para construir uma complexa árvore genealógica de cerca de 4000 nomes que levaram a Webb, cuja data de morte não tinha sido registada.
"Ao preencher essa árvore, conseguimos encontrar um primo em terceiro grau do lado da mãe", disse Abbott. E no dia 23 de julho, combinaram o ADN obtido do cabelo com os testes de ADN feitos pelos parentes distantes do Webb.
"É como um desses mistérios folclóricos que todos querem resolver e nós conseguimos", disse Fitzpatrick, que investigou outros casos pendentes, incluindo o desaparecimento de Amelia Earhart em 1937 e o acidente em 1948 do voo 4422 da Northwest.
"Senti-me como se tivesse escalado e chegado ao topo do Monte Everest", disse Abbott no momento em que fizeram a aparente correspondência de ADN.
Enquanto a descoberta parece encerrar o arquivo sobre o mistério do homem de Somerton, a aparente confirmação do nome de Webb levanta muitas mais questões sobre quem ele era e como morreu.
Se confirmado, também gera mais perguntas sobre as pistas estranhas em torno do caso – incluindo as palavras finais de um poema persa encontrado no seu bolso pequeno das calças e o que parecia ser um código de guerra rabiscado num livro, que durante muitos anos suscitou especulação de que seria um espião.
Essas pistas podem agora ser reinterpretadas com informações de registos públicos, mas toda a verdade só pode surgir com o tempo à medida que a notícia da identidade do homem se espalha.
Quem era o homem de Somerton?
O mistério do homem de Somerton começou na madrugada de 1 de dezembro de 1948, quando uns banhistas encontraram um corpo na praia de Somerton, em Adelaide. O homem era bem constituído, com cerca de 40 a 50 anos, 1,80 m de altura, tinha olhos azuis acinzentados e cabelo castanho-arruivado que estava a ficar branco de lado.
Ele não tinha identificação, obrigando a polícia a procurar outras pistas, de acordo com um inquérito realizado nos anos após a sua morte por investigadores interessados em encerrar o caso.
Nos bolsos, encontraram bilhetes que sugeriam que tinha apanhado o comboio para a Estação Ferroviária de Adelaide no dia anterior, e fizera o check-in de uma mala na sala de bagagem da estação. A mala continha roupas com as etiquetas arrancadas, e a polícia salientou no inquérito que um alfaiate achava que o seu casaco tinha sido fabricado nos EUA. Apesar dessas pistas, o caso não lhes forneceu também um nome, segundo o inquérito.
As impressões digitais e a fotografia do homem foram enviadas para todo o mundo, incluindo para o Reino Unido, Estados Unidos e países de língua inglesa em África. Uma carta datada de janeiro de 1949, assinada pelo diretor do FBI, John Edgar Hoover, confirmou que os EUA não encontraram correspondência para as suas impressões digitais nos seus ficheiros, segundo o inquérito.
Talvez as pistas mais intrigantes tenham surgido vários meses depois de o corpo ter sido encontrado. Um patologista reexaminou a roupa e encontrou um bolso escondido contendo um pedaço de papel enrolado impresso com as palavras "Tamam Shud", que significa "o fim" ou "terminado" em persa.
São as últimas palavras do poema "O Rubaiyat", do polímata iraniano do século XI, Omar Khayyam, e que tinha sido arrancado de um livro mais tarde entregue à polícia. Um homem anónimo disse que o encontrou no seu carro, a 30 de novembro, um dia antes da morte do homem de Somerton. O homem não tinha mais informações, mas o livro forneceu ainda mais pistas intrigantes.
A polícia localizou um número de telefone manuscrito na contracapa, era de uma mulher que vivia num subúrbio de Adelaide, em Glenelg. Ficou alegadamente horrorizada quando lhe mostraram a máscara da morte, embora tenha negado conhecer o homem. Perto do número de telefone estavam escritas cartas que alguns supuseram que pudessem ser um código secreto em tempo de guerra, embora todas as tentativas de decifrá-lo tivessem falhado.
Agora parece que a verdade é potencialmente mais simples.
Quem era Carl 'Charles' Webb?
De acordo com Abbott, Webb nasceu em 16 de novembro de 1905 em Footscray, um subúrbio da capital do estado de Victoria, Melbourne. Era o mais novo de seis irmãos.
Pouco se sabe sobre o seu início de vida, diz Abbott, mas mais tarde casou-se com Dorothy Robertson, conhecida como Doff Webb.
Quando Webb surgiu como a pessoa principal de interesse na árvore genealógica, Abbott e Fitzpatrick começaram a trabalhar, vasculhando registos públicos para obter informações sobre ele. Verificaram os cadernos eleitorais, os ficheiros da polícia e os documentos legais. Infelizmente, não havia fotografias dele para fazer uma correspondência visual.
"O último registo conhecido que temos dele é em abril de 1947, quando deixou Dorothy", disse Fitzpatrick, fundador da Identifinders International, uma agência de pesquisa genealógica envolvida em alguns dos casos mais importantes da América.
"Ele desapareceu e ela apareceu no tribunal, a dizer que ele tinha desaparecido e ela queria divorciar-se", disse Fitzpatrick. Não tinham filhos, que se soubesse.
Fitzpatrick e Abbott dizem que Robertson pediu o divórcio em Melbourne, mas documentos de 1951 revelaram que se tinha mudado para Bute, no Sul da Austrália , a 144 quilómetros a nordeste de Adelaide, estabelecendo uma ligação com o estado vizinho, onde o corpo foi encontrado.
"É possível que ele tenha vindo a este estado para tentar encontrá-la", especulou Abbott. "Isto somos só nós a tentar ligar os pontos. Não podemos dizer com certeza que esta é a razão pela qual ele veio, mas parece lógico."
A informação em registo público sobre Webb revela alguns mistérios que assombraram o caso. Revelam que gostava de apostar em cavalos, o que pode explicar o "código" encontrado no livro, disse Abbott, que há muito especulava que as letras podiam corresponder aos nomes dos cavalos.
E o poema "Tamam Shud"? Webb gostava de poesia e até escreveu alguma, afirmou Abbott, com base na sua pesquisa.
Que provas existem?
Em 1949, quando ninguém se apresentou para identificar o corpo, foi embalsamado e foi feito um molde de gesso do rosto do homem, como um lembrete físico de quem ele era. Alguns cabelos ficaram inadvertidamente presos no gesso preservando algum ADN, enquanto o resto do seu corpo foi enterrado.
Décadas depois, em 1995, Abbott soube do caso e começou a tentar desvendá-lo.
Em 2011, a Polícia do SA deu a Abbott acesso a 50 pelos encontrados embutidos na máscara do homem de Somerton, para que cientistas da Universidade de Adelaide pudessem tentar extrair ADN. Cerca de 20 pessoas na universidade trabalharam no projeto ao longo dos anos, disse Abbott.
A CNN contactou a Universidade de Adelaide para comentar as conclusões de Abbott.
Em 2012, a equipa da universidade extraiu ADN do cabelo mostrando o grupo materno do Homem de Somerton. Vários anos depois, fizeram uma "grande descoberta" para restringir o halogrupo para H4a1a1a, disse Abbott.
Nessa altura, o Abbott e o Fitzpatrick já estavam a trabalhar há anos para reexaminar pistas do seu corpo e da mala – qualquer coisa que pudesse dar mais um indício para o caso.
Disseram ter utilizado a genealogia forense para minar bases de dados de ADN de modo a construir a árvore genealógica que levou a Webb, confirmada pelo trabalho nos fios de cabelo.
"Este é provavelmente um dos casos mais antigos que foram resolvidos com base nesta metodologia", disse Fitzpatrick. "Este cabelo não só tem 70 anos, como está num gesso há 70 anos."
Abbott disse que não tinha entregado as suas descobertas à Polícia do SA, uma vez que estavam a conduzir uma "investigação paralela".
"O protocolo deles é não falar de um caso até que a sua parte esteja terminada", disse. "Provavelmente irão abordar-nos (a Universidade de Adelaide) depois do nosso anúncio. Os resultados do ADN são incontestáveis. "
Para Fitzpatrick, há agora mais perguntas a responder.
"Estou muito interessada em ajudar a resolver o mistério de como ele morreu", disse. "Gostaria de ver a análise toxicológica que foi feita. E gostaria de descobrir o que aconteceu com Dorothy.
Abbott diz que estão convencidos de que encontraram o seu homem. "Em algo assim, só podemos ter 99,999% de certeza," afirmou. "Podem acontecer coisas estranhas. Pode haver uma reviravolta."
"E se aquele homem tivesse um irmão adotado à nascença que não conhecemos e que é mesmo o irmão dele?" Mas diz que é improvável.
O ADN também acabou definitivamente com a especulação de que o homem de Somerton era o avô da mulher de Abbott, Rachel Egan, disse Abbott. O casal conheceu-se quando a sua busca por respostas o levou ao pai dela, Robin Thomson, que parecia partilhar alguns dos mesmos atributos físicos. Abbott diz que descobrir que não havia ligação foi "um grande alívio".
"Foi apenas a tensão de não saber, de qualquer maneira", disse. "Então é um alívio simplesmente descobrir a verdade."
Abbott espera agora que as suas descobertas sejam confirmadas publicamente, e outros basear-se-ão na informação para criar uma imagem mais completa do homem de Somerton, que agora se pensa ser Carl "Charles" Webb, não um espião, mas um homem vitoriano que morreu um dia sozinho, numa praia.