"O Austin está morto. Claro que está morto"

CNN , Clarissa Ward e Sarah El Sirgany (com reportagem adicional do jornalista Zaher Jaber, na Síria)
1 nov, 22:00
AUSTIN

Este é um mistério que assombra os EUA. Grande reportagem CNN

A estrada que levou, 13 anos depois, à notícia: "Austin está morto"

por Clarissa Ward e Sarah El Sirgany (com reportagem adicional do jornalista Zaher Jaber, na Síria)

 

"Os americanos passaram por aqui", diz o guarda do exército sírio enquanto aponta para uma estrada íngreme atrás dele. "Não sei para onde foram, não tenho permissão para subir até lá."

A estrada barricada leva a um labirinto de instalações militares encravadas nas encostas rochosas do Monte Qasioun, nos arredores da capital síria, Damasco. Era o mais perto que a CNN podia chegar dos locais investigados por uma equipa liderada pelo FBI que veio aqui em setembro à procura de vestígios do jornalista americano Austin Tice — mais de uma década após o seu desaparecimento.

A equipa americana era difícil de não notar - chegou numa comitiva de veículos blindados. O objetivo era duplo: procurar o local onde se acreditava que Tice tivesse sido mantido em cativeiro pela última vez e, se possível, encontrar os seus restos mortais.

As buscas dos EUA concentrou-se numa instalação chamada "Centro Sírio de Estudos e Investigação Científica". Durou menos de três dias. A 9 de setembro, Israel lançou o seu ataque explosivo ao Catar e a delegação partiu abruptamente.

A informação que levou às buscas dos EUA veio de várias testemunhas, incluindo Bassam Al-Hassan, um poderoso conselheiro do ex-presidente sírio Bashar al-Assad e o homem que deteve Tice após a sua captura em meados de agosto de 2012.

Durante 13 anos, o mistério sobre o que aconteceu a Austin Tice atormentou várias administrações americanas. Mas após a queda do regime de Assad, em dezembro de 2024, começaram a surgir testemunhas. Depois de fugir para o Irão, Al-Hassan seguiu para Beirute, no Líbano, em abril, onde foi interrogado por investigadores do FBI, juntamente com vários associados, sobre a captura de Tice.

Em setembro, a CNN conseguiu localizar o apartamento onde Al-Hassan vivia em Beirute. Depois de bater à sua porta, a equipa apresentou-se como jornalistas da CNN. Durante uma conversa de 20 minutos, e nesta que foi a primeira vez em que ele foi confrontado por um jornalista, Al-Hassan disse à CNN que Assad ordenou a execução de Tice.

"Claro que o Austin está morto. O Austin está morto", diz - estes comentários foram gravados em vídeo por câmaras ocultas usadas pela equipa da CNN. Al-Hassan acenou com a cabeça quando questionado sobre se Tice tinha sido morto em 2013, dizendo que tinha passado a ordem de execução a um subordinado.

"Não quero proteger Bashar al-Assad porque ele abandonou-nos e deixou-nos", acrescenta Al-Hassan. "Não quero proteger a Rússia ou o Irão, porque os EUA acham que a Rússia e o Irão têm algo que ver com o caso. E posso garantir que não é esse o caso. Isto diz respeito apenas ao presidente Bashar."

Assad fugiu para a Rússia após o colapso do seu regime e as tentativas da CNN de contactá-lo não tiveram sucesso.

Al-Hassan afirma que transmitiu a ordem de execução a um subordinado da famosa milícia pró-governamental apoiada pelo Irão, as Forças de Defesa Nacional (NDF na sigla em Inglês). A CNN soube que o homem em questão está agora na Rússia. Através de um intermediário, recusou-se a responder às perguntas da CNN.

O jornalista freelancer Austin Tice desapareceu na Síria em 2012 foto Fort Worth Star-Telegram/Tribune News Service/Getty Images

Várias fontes com quem a CNN falou afirmaram que há lacunas na história de Al-Hassan. A CNN confirmou que ele falhou num teste de polígrafo realizado pelo FBI.

A verdade está enredada numa teia de mentiras que permanecem como o legado duradouro de um regime que matou e fez desaparecer centenas de milhares de seus próprios cidadãos. Para reconstituir o que aconteceu com Tice, a CNN conversou com dezenas de ex-funcionários e funcionários atuais, investigadores e testemunhas oculares em sete países diferentes. Muitos só falaram sob condição de anonimato para discutir assuntos delicados ou proteger sua situação precária nos países para onde fugiram.

Embora a CNN não possa confirmar que Tice está morto, pela primeira vez estamos a ouvir pessoas com conhecimento direto de sua captura, cativeiro e tentativa de fuga. Os relatos que estas pessoas fornecem sugerem fortemente que Tice foi morto há mais de uma década, mas não há provas concretas. Desde a queda do regime de Assad no ano passado, o novo governo sírio tem-se empenhado em estabelecer boas relações com os EUA e tem trabalhado em estreita colaboração com autoridades americanas para ajudar a resolver o caso Tice. O FBI intensificou a sua própria investigação, recolhendo provas no terreno.

"Além de uma operação de resgate, esta é também uma investigação federal ativa e há sempre o objetivo de tentar trazer alguma justiça a esta situação", diz uma pessoa familiarizada com a investigação do FBI.

Desde que Tice desapareceu em 2012, a sua família não vacilou na convicção de que ainda está vivo. A sua mãe, Debra Tice, tem travado uma campanha pública incansável em nome do filho, pressionando o governo dos EUA ao longo de várias administrações para que façam tudo o que estiver ao seu alcance para trazê-lo de volta com vida. No início deste ano, pouco depois da queda do regime de Assad, Debra viajou para Damasco para procurá-lo e reuniu-se com o novo presidente da Síria, Ahmed Al-Sharaa. Anteriormente, Debra havia descartado Al-Hassan, a quem chamou "mentiroso patológico".

"Austin Tice está vivo. Estamos ansiosos por vê-lo em liberdade", afirmou a família Tice numa declaração à CNN.

Cativeiro

Tice, um ex-oficial da Marinha dos EUA, fez reportagens na Síria durante o verão de 2012, quando os protestos contra Assad se transformaram numa luta armada. Juntou-se aos rebeldes na linha de frente e documentou a repressão brutal do regime aos protestos pacíficos. A abordagem ousada de Tice rendeu-lhe artigos em importantes meios de comunicação social dos EUA, incluindo o Washington Post.

Tice enviou a sua última reportagem de Darayya, um subúrbio de Damasco que ainda carrega as marcas de anos de combates e bombardeamentos. A sua família e editores disseram que perderam contacto com ele em meados de agosto de 2012, quando Tice deveria viajar para o Líbano para uma pausa.

Durante 13 anos, o governo sírio negou consistentemente manter Tice em cativeiro ou ter qualquer conhecimento sobre o seu paradeiro, apesar da pressão do governo americano e da família de Tice. Semanas depois de Assad ter fugido da Síria para a Rússia, começaram a surgir fissuras nessa história. No início deste ano, um ex-oficial dos serviços de informações externa da Síria, general Safwan Bahloul, prestou um depoimento à Al Jazeera em que diz que interrogou Tice em 2012 a pedido de Al-Hassan.

Bahloul concordou em falar com a CNN somente após obter permissão do novo governo em Damasco. Um oficial de segurança conduziu-o até sua casa, localizada numa colina arborizada em Latakia, província costeira da Síria conhecida pela sua lealdade aos Assad. Ao contrário de outros ex-oficiais que fugiram da Síria, Bahloul aceitou um acordo oferecido pelo novo governo que basicamente lhe concede amnistia.

Durante uma entrevista abrangente no mês passado, Bahloul discutiu como tomou conhecimento de Tice pela primeira vez.

"Fui ao escritório [de Al-Hassan] e ele disse-me: 'Capturámos um jornalista americano. Queremos que o interrogue e veja se ele é apenas um jornalista ou se é um espião'", conta Bahloul.

Safwan Bahloul era general dos serviços de informações externas da Síria em 2012 quando foi chamado para interrogar Tice. Ao contrário de outros oficiais de segurança de Assad que fugiram do país, Bahloul aceitou um acordo oferecido pelo novo governo que, essencialmente, lhe concede amnistia foto Scott McWhinnie/CNN

Bahloul, que passou algum tempo nos EUA e no Reino Unido e fala inglês fluentemente, afirma à CNN que interrogou Tice três vezes. "Eu apenas examinei os nomes e os contactos no telemóvel dele, perguntando-lhe sobre cada nome. Ele cooperou. Disse-me que era um ex-oficial da Marinha. Não estava nervoso. Foi corajoso o suficiente para enfrentar a sua detenção. Às vezes até conversávamos sobre música."

Tice foi mantido num complexo da Guarda Republicana, frequentemente chamado Tahoune, sob o comando de Ghassan Nassour, um oficial sénior que reportava a Al-Hassan. A linha entre a Guarda Republicana e a NDF era frequentemente ténue, com oficiais a ser servir em ambas as forças, incluindo Nassour.

A CNN conseguiu contactar Nassour por telefone na sua nova casa nos Emirados Árabes Unidos.

"Não era uma prisão formal, mas um centro de detenção temporária para soldados infratores", afirma Nassour.

Quando a CNN visitou o complexo em setembro, as instalações estavam quase todas mudadas e eram usadoas por soldados do novo governo. Murais desbotados de Assad, munições descartadas e grades nas janelas de alguns quartos eram os únicos vestígios da antiga guarda.

De acordo com Nassour, o soldado encarregado de levar comida a Tice recebeu instruções para não falar com ele. A nacionalidade e a identidade de Tice, afirma Nassour, eram conhecidas apenas por um punhado de pessoas próximas de Al-Hassan, cujo escritório ficava do outro lado da rua de Tahoune.

"Pergunte a qualquer soldado em Tahoune e ele dir-lhe-á que sabiam que tínhamos um [prisioneiro] importante, mas ninguém sabia quem ele era", diz um soldado de baixa patente que trabalhava no escritório de Al-Hassan na altura - trata-se de declarações feitas por telefone à CNN a partir da aldeia de Latakia. Este soldado afirma que só percebeu que era Tice quando os detalhes do seu cativeiro foram divulgados em 2025. Antes disso, o soldado não se atreveu a perguntar.

Nesta captura de ecrã tirada de um vídeo de 2012, Austin Tice está com os olhos vendados e rodeado por soldados do regime de Assad vestidos como jiadistas foto obtida pela CNN

Sinais de vida

Nassour lembrou-se do dia em que levaram Tice para Rakhla, uma área montanhosa perto da fronteira com o Líbano, para filmar um vídeo que foi lançado em setembro de 2012.

Sob a direção de Al-Hassan, soldados do regime vestidos como jiadistas levaram Tice, com os olhos vendados, até uma colina enquanto entoavam "Deus é grande", diz Nassour. O objetivo, acrescenta Nassour, era dar a impressão de que Tice estava nas mãos de extremistas e não do regime de Assad.

"O vídeo foi publicado online no dia seguinte e era como se Tice estivesse nas mãos do talibãs no Afeganistão e nunca tivesse entrado na Síria", explica Nassour. Tice foi visto neste vídeo de 46 segundos a recitar a profissão de fé muçulmana e a implorar "oh, Jesus".

Autoridades americanas e analistas independentes rapidamente determinaram que o vídeo era uma farsa. Investigadores americanos seguiram as pistas digitais até ao regime sírio. O vídeo foi considerado uma prova de que Tice estava nas mãos do governo sírio e a primeira e única prova de que Tice estava vivo.

O complexo da Guarda Republicana, frequentemente referido como Tahoune, não se destinava a ser uma prisão oficial. Quando a CNN o visitou, o complexo tinha sido quase todo remodelado pelo novo governo sírio foto David von Blohn/CNN

De volta a Tahoune, em finais de outubro, Tice pediu a Bahloul sabonete e uma toalha, que Bahloul disse que Tice usou para fugir. Os investigadores sírios na altura, explica Bahloul, determinaram que Tice usou o sabonete para deslizar pela janela alta e a toalha para saltar sobre os cacos de vidro cimentados no topo da parede externa do complexo.

O soldado de baixa patente da equipa de Al-Hassan descreve o caos que se seguiu. "Estávamos em estado de alerta. Havia caos porque alguém tinha fugido da prisão", diz o soldado à CNN. "Eles distribuíram a foto dele aos postos de controlo próximos ao complexo."

Tice chegou ao bairro nobre de Mazzeh, a cerca de um quilómetro e meio de Tahoune. Por mais de 24 horas, esteve a fugir numa área repleta de embaixadas e casas de alguns dos principais generais do regime.

"Todos os aparelhos de segurança em Damasco, milhares de agentes, iniciaram a busca e ele foi capturado por um deles e entregue à milícia das Forças de Defesa Nacional, que na altura era liderada por Bassam Al-Hassan", diz Bahloul.

Depois de Tice ter sido recapturado, Bahloul foi levado mais uma vez para o ver.

"Senti que a ligação entre mim e ele tinha simplesmente desaparecido. Eu falava com ele e ele não respondia. Ele estava, de certa forma, deprimido", recorda Bahloul. "Nunca mais voltei a ver o rapaz."

Desta vez, Tice foi levado para o escritório de Al-Hassan, do outro lado da rua de Tahoune. A partir daí, o rasto desapareceu, de acordo com vários comandantes dos serviços secretos sírios e das NDF.

"Deixei de perguntar sobre o assunto", diz Nassour. "Na Síria, se alguém souber que perguntaste sobre algo que não te diz respeito, vais ter problemas. Nunca mais perguntei nada até à queda do regime."

Bahloul diz assim à CNN sobre Tice: "É um dos casos mais misteriosos que já vivi".

A pessoa que conhece a chave do mistério é Al-Hassan.

Bassam Al-Hassan, conselheiro do ex-presidente sírio Assad, deteve Austin Tice em 2012. Al-Hassan diz à CNN que Tice está morto desde 2013 foto Sarah El Sirgany/CNN

Bassam Al-Hassan

Al-Hassan serviu como conselheiro de Assad e criou a notória milícia NDF, implicada em alguns dos piores crimes durante a guerra civil na Síria. Foi sancionado pelo Reino Unido e pela UE em 2011 e pelos EUA em 2014. As sanções dos EUA referem as suas múltiplas funções no regime, incluindo "atuar como representante presidencial sírio no Centro de Estudos e Investigação Científica da Síria (SSRC), que é a agência governamental responsável pelo desenvolvimento e produção de armas e mísseis não convencionais".

Em 2023, procuradores franceses emitiram um mandado de prisão para Al-Hassan, Assad e outros por cumplicidade em crimes de guerra pelo uso de armas químicas contra civis em agosto de 2013. Os dois ataques referidos no caso mataram mais de 1000 pessoas nos subúrbios de Damasco, Douma e Ghouta Oriental.

"Ele era uma espécie de braço direito de Bashar al-Assad, alguém em quem Bashar podia confiar plenamente, alguém a quem Bashar podia delegar os seus trabalhos mais sujos, as suas tarefas mais desagradáveis", diz o jornalista da Economist Gareth Browne, que tem feito uma cobertura extensiva de Al-Hassan desde a queda do regime.

Al-Hassan recusou-se a falar com jornalistas e as únicas fotografias dele online eram incorretas ou muito antigas. Em setembro, a CNN obteve uma foto recente dele e uma informação sobre onde ele estava escondido — um complexo de apartamentos de luxo nos subúrbios de Beirute.

Uma equipa da CNN passou uma noite a observar os prédios. Uma varanda e um homem em particular pareciam corresponder à foto. Na manhã seguinte, a CNN bateu à porta e perguntou-lhe sobre Tice. Convidou-nos a entrar assim que ouviu o nome de Tice.

Durante a conversa, Al-Hassan pareceu abalado por a CNN o ter encontrado e perguntou repetidamente quem lhe tinha dito onde ele morava. Al-Hassan explicou à CNN que tinha dito recentemente a uma equipa do FBI que estava a manter Tice em cativeiro quando Al-Assad lhe deu a ordem para executá-lo. De acordo com várias fontes com conhecimento do interrogatório, Al-Hassan também alegou que tentou resistir à ordem de Assad, mas que o então presidente foi inflexível.

Vários sírios que conhecem Al-Hassan contestaram a probabilidade de ele desafiar Assad.

"Pode dizer-se o que quiser sobre Bassam, mas ele não é um tipo corajoso... Não consigo imaginá-lo a dizer algo como 'senhor, não devemos fazer isso'. Não, ele não dá esse tipo de conselho", diz Bahloul.

Outras fontes disseram à CNN que questionam os motivos dele para falar com o FBI. Após a queda do regime, o governo dos EUA ofereceu uma recompensa de 8,62 milhões de euros por informações sobre Tice. Al-Hassan revelou à CNN que não estava à procura dessa recompensa monetária.

Fontes também descreveram Al-Hassan como astuto, maquiavélico e alguém em quem não se pode confiar. De muitas maneiras, Al-Hassan personificava a cultura da era Assad.

"É preciso olhar para a natureza deste regime. Sabe, estas pessoas estão a competir entre si. Está repleto de rivalidades. Há pessoas a mentir e a enganarem-se umas às outras, mesmo que, nominalmente, estejam do mesmo lado", diz Browne, repórter da revista The Economist.

A família do ativista Waseem Enawi (na foto) hospedou Austin Tice, que reportou a partir de Yabroud, na Síria, em julho de 2012 foto de Waseem Enawi

Nos bastidores

Tanto Nassour como Bahloul disseram à CNN que, quando Tice foi capturado, Assad ficou satisfeito e viu nele uma carta valiosa a ser usada em negociações posteriores com os EUA.

"Assad sabia sobre Tice e sabia que podia usá-lo nas negociações. Seria extremamente estúpido matá-lo... abrir mão de uma carta vencedora na sua mão", diz Nassour.

Outras pessoas com quem a CNN falou acreditavam que era plausível que Assad ordenasse a execução de Tice, especialmente após a sua fuga.

Nos últimos 13 anos, vários governos dos EUA fizeram várias ofertas ao governo de Assad em troca da libertação de Tice. Os negociadores sírios mantiveram-se firmes na recusa, mesmo quando as autoridades americanas pediram apenas uma prova de vida.

"Não era lógico para mim. Mas comecei a sentir que havia algo de errado a acontecer em torno do caso ou em torno de Austin", afirma o general Abbas Ibrahim, ex-chefe dos serviços secretos do Líbano, sobre as negociações fracassadas durante o primeiro mandato do presidente Donald Trump.

Mediador que negociou a libertação de vários reféns ocidentais em toda a região, Ibrahim trabalhou no caso de Tice durante todos os governos dos EUA, começando com o do presidente Barack Obama.

"Os americanos estavam muito interessados neste caso e estavam dispostos a pagar qualquer preço para ter [Tice] de volta", diz Ibrahim. "O regime na Síria teve uma grande oportunidade de se salvar [com] Austin, mas não jogou essa carta porque talvez já não a tenha."

Um retrato vandalizado de Bashar Al-Assad, presidente deposto da Síria, pendurado numa parede na capital Damasco, a 2 de junho foto Louai Beshara/AFP/Getty Images

Justiça indescritível

Durante a visita da CNN a Tahoune e ao escritório de Bassam Al-Hassan do outro lado da rua, ficou claro que os vestígios do que aconteceu ali há 13 anos desapareceram — não apenas perdidos na pilhagem e vandalismo por multidões que retaliaram em dezembro de 2024 contra anos de opressão, mas pintados por cima pelos horrores que esses complexos testemunharam ao longo dos anos.

Nos meses após a abertura das masmorras de Assad no ano passado, a esperança de encontrar Tice e dezenas de milhares de sírios desaparecidos começou a desaparecer. Aqueles que não apareceram foram considerados mortos. Muitas das suas famílias recusam-se a aceitar oficialmente isso até que os restos mortais sejam encontrados. Estas famílias ainda esperam que a verdade, enterrada em sepulturas secretas e escondida em milhões de documentos antigos do governo, possa um dia trazer um desfecho.

Para a família Tice, a busca por Austin continua.

Foi apenas na porta, quando estávamos a sair, que a voz de Al-Hassan se quebrou para dizer que devia um pedido de desculpas à mãe de Tice.

"Sinceramente, fico perturbado ao lembrar-me disso. Gostaria que o que aconteceu não tivesse acontecido", diz Al-Hassan nesse momento. Tira os óculos, tem os olhos vermelhos. "Foi uma situação difícil com a qual tive de lidar."

Tice pode simplesmente ser lembrado como mais uma vítima das mentiras intermináveis e da crueldade sem sentido de um regime implacável.

Pins com uma hashtag que pede a libertação de Austin Tice. Foto tirada num evento no National Press Club, em Washington, DC, a 14 de agosto foto Alex Wroblewski/AFP/Getty Images

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