"De onde venho, ser 'ativista' pelo clima não é uma escolha"

CNN
11 nov 2022, 17:24
A comunidade indígena da Amazónia de Helena Gualinga levou o governo equatoriano ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos por atividades de exploração petrolífera. Créditos: John Lamparski/Getty Images for Grounded

ENTREVISTA | Helena Gualinga, uma jovem de 20 anos, está na COP27 em representação de uma vila remota da Amazónia equatoriana - lar da comunidade Kichwa Sarayaku, que luta há décadas por justiça climática e pelos direitos indígenas às terras

Esta semana, líderes mundiais e diplomatas estão reunidos na cidade turística egípcia de Sharm el- Sheikh para a 27.ª Conferência do Clima das Nações Unidas - mais conhecida como COP27.

Enquanto isso, a cerca de 12 mil quilómetros das praias ensolaradas e das negociações de alto nível, decorre outra batalha pelo clima.

Entre os participantes da COP27 está Helena Gualinga, uma jovem de 20 anos. Vem de uma vila remota da Amazónia equatoriana - lar da comunidade Kichwa Sarayaku, que luta há décadas por justiça climática e pelos direitos indígenas às terras.

E com resultados históricos. Em 2012, a comunidade Sarayaku levou com sucesso o governo equatoriano ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, depois de o governo ter permitido atividades de exploração de petróleo no território da comunidade, sem consentimento. (Uma das conclusões do tribunal foi que o Equador tinha colocado os direitos do povo Kichwa Sarayaku à vida e à integridade cultural em sério risco, sendo assim condenado a pagar mais de 1,3 milhões de dólares de indemnização.)

Manifestantes avançam para a Casa da Cultura Equatoriana em Quito, a 22 de junho de 2022, durante protestos contra o governo, liderados por indígenas. Créditos: Veronica Lombeida/AFP/Getty Images

O caso legal histórico teve um forte impacto em Gualinga, e ela não se coibiu de chamar a atenção para a ineficiência das anteriores COP.

Em resposta às aparentes falhas da COP25, cofundou a Polluters Out, uma coligação global de jovens que desafia as Nações Unidas e os governos a cortar laços com a indústria dos combustíveis fósseis.

Neste artigo, Helena Gualinga relata à CNN as razões para ter reservas sobre a eficácia da COP27, a importância de incluir os indígenas nas conversas sobre a crise climática e o porquê de não se identificar com o termo “ativista”.

Descreva como foi crescer na Amazónia equatoriana e como é que isso influenciou a sua relação com a Natureza.

Passei uma grande parte da minha infância na comunidade Sarayaku da minha mãe, na Amazónia equatoriana, onde tenho uma grande ayllu ou “família”. Foi uma infância na Natureza e em coexistência com a Natureza. Um estilo de vida e uma cultura dos quais temos muito orgulho.

Aqui, estamos rodeados por grandes árvores Ceibo e por belas águas. Vivemos em cabanas feitas de madeira e folhas de palmeira, construídas com recurso a práticas ancestrais. A nossa subsistência depende apenas da Natureza - mas a crise climática, a extração de recursos e o desflorestamento contribuíram para a devastação do nosso território, o que tem um impacto na vida selvagem e nas nossas comunidades.

Tudo isso influenciou a nossa filosofia e lema - Kawsak Sacha, que significa “Floresta Viva”, onde tudo está vivo.

A floresta, a água e as montanhas são para nós seres vivos e, portanto, para honrar e proteger esses seres vivos, os Sarayaku lutam pelo seu reconhecimento legal de forma a ser criada uma nova categoria de conservação. Uma vez que os métodos tradicionais de conservação são cada vez mais postos em causa, torna-se claro que o mundo precisa de olhar para os povos indígenas para aprender a proteger os nossos ecossistemas.

O caso Sarayaku de 2012 foi uma vitória histórica para os direitos indígenas - como é que isso moldou a forma como vê o mundo?

O caso Sarayaku é um símbolo de resistência. Ao longo da minha infância, os líderes da minha comunidade - muitos dos quais são da minha família - foram agredidos, vítimas de difamação, violência, tortura e criminalização por terem ousado contestar. Isso provocou raiva em mim e na minha comunidade.

Mas com a vitória no caso Sarayaku, mostrámos ao mundo que podemos lutar contra as grandes petrolíferas porque nenhuma força política ou económica é suficientemente poderosa para explorar a terra, quando o povo se une.

A nossa vitória inspirou outros povos indígenas a proteger as suas terras e envia uma mensagem importante às empresas e aos bancos envolvidos em projetos que violam os nossos direitos. O tempo deles acabou!

Depois de vivermos com o receio de perdermos a nossa casa, eu e os meus pares seguimos as pisadas dos mais velhos e desafiámos os sistemas que mantêm a violência contra as pessoas e contra a natureza.

No mês passado, foi organizado um encontro da juventude em Sarayaku, onde jovens indígenas de toda a Amazónia equatoriana e peruana se reuniram para debater o futuro dos nossos territórios e reafirmar o nosso compromisso de proteger Kawsak Sacha.

Kawsak Sacha - uma mudança de mentalidade descolonizada e enraizada nas práticas indígenas - é vital para enfrentar a ganância humana e combater as mudanças climáticas. Precisamos de substituir os métodos de conservação ocidentais pela gestão indígena. Os modelos ocidentais tratam a Natureza como algo diferente dos humanos, enquanto os povos indígenas veem-se como parte da Natureza, com a qual convivemos há milhares de anos, e que pretendem passar para as gerações futuras.

Não se identifica com o rótulo “ativista”. Porquê?

Não me identifico como ativista porque não acredito que tivéssemos escolha. De onde venho, a maioria da população indígena da Amazónia seria considerada “ativista”.

Se os Sarayaku não lutassem, o nosso território teria sido destruído. É uma questão de sobrevivência e não uma ação por escolha.

A minha região, a América Latina, é um dos lugares mais perigosos para os indígenas e os defensores da terra. O trabalho da nossa vida tem sido proteger as nossas terras. A nossa existência é a nossa resistência.

A mera existência de pessoas na Amazónia é o que garante o futuro da Amazónia. Isso faz de nós ativistas? Não. É simplesmente parte de quem somos e da nossa história. É um mecanismo de defesa da própria Natureza.

Porque são as vozes indígenas importantes no debate global sobre o clima?

As nossas comunidades têm alertado sobre a crise climática à medida que vemos as mudanças no meio ambiente, em primeira mão. Estamos na linha de frente para manter os combustíveis fósseis no solo enquanto trabalhamos para defender as nossas terras.

À medida que o mundo se afasta dos combustíveis fósseis, vai substituindo-os pela indústria da energia verde. No entanto, a transição para uma economia verde deve garantir a inclusão dos povos indígenas na tomada de decisões para que não se repita a mesma abordagem colonialista da indústria dos combustíveis fósseis.

No entanto, a indústria da energia verde, atualmente, não está a incluir adequadamente os povos indígenas na tomada de decisões.

De onde virão esses recursos? Infelizmente, os territórios indígenas serão o ponto zero para as práticas de exploração na transição para a energia verde. Por exemplo, em toda a América Latina, a mineração de lítio, “o novo ouro”, está a intensificar-se e a colocar as comunidades indígenas em condições extremamente precárias.

Na Amazónia, também vimos projetos de barragens hidroelétricas surgirem em territórios indígenas sem o consentimento prévio e informado dos povos indígenas. Muitas vezes, esses projetos são classificados como “verdes”, no entanto, os impactos nas comunidades indígenas não foram devidamente abordados e tidos em conta.

É essencial que os povos indígenas não só tenham voz nas negociações sobre o clima, mas que as discussões também sejam lideradas por povos indígenas, para que todas as ações pelo clima sejam guiadas pela justiça climática.

Os povos indígenas cuidam dos ecossistemas há milhares de anos. O conhecimento que adquirimos por interagirmos e convivermos com a Natureza há anos, é essencial para entendermos como vamos repor e encontrar o equilíbrio entre o Homem e a Natureza.

Para entender isto, temos de olhar para os números. Os povos indígenas totalizam menos de 5% da população mundial, mas protegem 80% da biodiversidade da Terra nas florestas, desertos, pastagens e ambientes marinhos nos quais vivemos há séculos.

Tem esperança que a COP27 traga mudanças?

Não tenho grandes expectativas para a COP27. O sentido de urgência sobre a crise climática ainda não chegou às salas de negociação, apesar de milhões de pessoas estarem a sofrer com as suas consequências devastadoras.

A COP ainda não cumpriu as grandes promessas que as partes envolvidas fizeram ao longo dos anos. Em especial, a COP27 precisa de garantir que os povos indígenas estão envolvidos e na frente das negociações, para obterem um resultado que tenha em conta a injustiça que enfrentamos na proteção dos nossos direitos, terras e biodiversidade no mundo.

Os países devem colocar a Natureza no centro dos planos de mitigação e adaptação.

E a conversa mais urgente é o fim da extração de combustíveis fósseis. A crise climática continuará se não fecharmos a torneira do petróleo, se não interrompermos as indústrias extrativas e se não travarmos o financiamento de projetos de energia que violam os direitos dos povos indígenas e ameaçam os ecossistemas como o meu.

Por exemplo, a minha comunidade, a Sarayaku, está atualmente dividida em vários blocos de petróleo – ou seja, o governo alocou os nossos territórios para a exploração e produção de petróleo - o que significa que vivemos sob uma ameaça constante. Grande parte do comércio de petróleo bruto da Amazónia equatoriana é financiado por bancos europeus, alguns dos quais podem estar a participar na COP27 com promessas inconsistentes e compromissos Net Zero.

A COP27 precisa de reconhecer que o fim dos combustíveis fósseis é agora. Precisa de reconhecer a nossa sabedoria em termos de soluções climáticas, enquanto administradores da terra, e fornecer financiamento e recursos para que possamos ajudar a desenhar um futuro justo.

O que está em jogo é a Natureza, e não estará a salvo enquanto os governos não forem responsabilizados.

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