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Diretor executivo CNN Portugal

Porque é que a PJ comunicou um ataque terrorista que não aconteceu?

11 fev 2022, 19:21

Sabe quantos ataques terroristas não foram concretizados por serem neutralizados por ação das polícias? Não, não sabe, as polícias não os comunicam. Para não criar alarme social. Para não provocar grupos terroristas nem encorajar mimetizações. Para não dar visibilidade a métodos utilizados nesse combate. Esta semana aconteceu o contrário. Porquê?

Esse é um dos aspetos ingratos deste combate: vê-se estrondosamente quando falha, como aconteceu nos atentados de Paris de 2015 ou em Nice em 2016, onde se concluiu pela existência de falhas dos serviços secretos; e é invisível quando a prevenção tem sucesso.

Não é só no resto da Europa, é também em Portugal. Não somos alvo preferencial de atentados, felizmente, mas há um trabalho discreto, secreto e intenso da Unidade Nacional Contraterrorismo da Polícia Judiciária, em articulação com os serviços secretos e em ligação (muitas vezes imperfeita, diga-se) com serviços de inteligência europeus, que tem deslindado ou contribuído decisivamente em vários casos internacionais, por exemplo de portugueses ou lusodescendentes convertidos e envolvidos em redes do Daesh. Os relatórios anuais de Segurança Interna falam disso. É um trabalho muitas vezes de formiguinha que o público desconhece. Já houve aliás investigações que foram traídas por informações divulgadas que afugentaram suspeitos. Nós sabemos pouco disso, os agentes da PJ e das secretas sabem muito.   

Mas eis que esta quinta feira ao fim da tarde a PJ emitiu um comunicado oficial com o título “Impedida ação terrorista”. A notícia explodiu, claro, um rapaz de 18 anos planeara matar a eito na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, foi detido em flagrante delito (preparação de um ataque terrorista é crime) e presente ao juiz. Evitou-se uma tentativa de chacina.

Parabéns à Polícia Judiciária. Parabéns às cooperações internacionais de órgãos policiais, que neste caso envolveram o FBI. Parabéns a todos. Mas…

… porquê comunicar? Cândida Almeida disse o mesmo hoje na Renascença: “Ato terrorista falhado não deve ser divulgado". É das regras, é das práticas. 

A PJ é um órgão muito respeitado em Portugal, tem excelentes inspectores, que todos os dias combatem crimes hediondos, muitas (mesmo muitas) vezes colocando a sua própria vida em risco, assistem e passam por coisas que a esmagadora maioria dos cidadãos nem sonha que existem. Este quadro de profissionais só tem um grande defeito: eles são poucos, muito poucos para a criminalidade que existe, seja no combate ao terrorismo, seja no combate ao crime informático em casos como o da Vodafone, seja no combate ao tráfico de droga, à criminalidade violenta, à corrupção, são poucos em todas as frentes e todas as frentes são muito mais do que coletivamente temos consciência.

Tecnicamente, este é um caso de terrorismo, mas não parece ser um caso de atentado terrorista organizado, como outros na Europa, com ligações a redes criminosas ou com mimetizações de lobos solitários: será mais parecido com casos de atiradores solitários em escolas norte-americanas. Dizê-lo não é menorizar o caso, é querer dar-lhe a leitura que ele exige.

E ele exigirá muitas leituras, sobre o caso em específico mas também sobre o que ele pode representar, talvez convocando análises não apenas jurídicas e criminais, mas também de psicólogos sociais e sobre os riscos de quem se barrica em realidades paralelas na Internet. Para já, a decisão do tribunal foi manter o suspeito em prisão preventiva, ao contrário do que aconteceu em 2013 no caso do jovem que esfaqueou três colegas e uma funcionária numa escola em Massamá, que foi internado em regime fechado num centro educativo.  

Precisamos de mais informações para formular análises e não fazer juízos apressados nem montar o circo na cidade. E precisamos de respostas a pergunta como a que titula este artigo, para não concluirmos que a PJ está de parabéns mas não precisávamos de saber que a PJ está de parabéns.

Hoje é um dia feliz na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, safou-se de uma tentativa de ataque terrorista. Em vez de um dia feliz, podia ser apenas um dia normal.

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