Tudo pelo Espinho: tirou a carta e arrancou para Leiria num Fiat 127

10 jun 2020, 09:32
Miguel Correia, adepto do Sp. Espinho (arquivo pessoal)

Miguel Correia tem 42 anos, 32 deles ligados ao Sp. Espinho. Uma paixão única que não tem divisão

«Até ao Fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@medcap.pt

Para Miguel Correia, a paixão pelo Sp. Espinho não tem divisão.

Lembra-se de ser miúdo e ver, com o pai e o irmão, muitos treinos da equipa. «Na 1.ª Divisão, nos anos 90, se calhar havia mais gente num treino do que agora em jogos no segundo escalão. Era quase religioso», atira. Também recorda os jogos no Comendador Manuel de Oliveira Violas, casa da qual o clube se despediu em 2018. Das emoções da bola, da antiga 1.ª Divisão aos campeonatos distritais e, hoje, no Campeonato de Portugal (CP).

Tem 42 anos e é sócio há quase 32. Já teve épocas em que viu todos os jogos dos Tigres da Costa Verde. Nas últimas duas, só falhou uma ida à Madeira, num jogo com o União, em 2018.

«As primeiras memórias que tenho é do tempo de escola. O Espinho estava na 1.ª Divisão e praticamente toda a gente, ao domingo, ia ver. Hoje, está a acontecer outra vez, mas houve uns 15 anos em que a malta não tinha tanto aquela coisa de ser do Espinho, como tinha a minha geração», afirma.

Atualmente a jogar em Fiães, no Estádio do Bolhão, Miguel não deixa de acompanhar o único clube que move o seu coração. «Até podiam jogar a 500 quilómetros, mas é diferente jogar na nossa cidade. Estávamos habituados ao estádio. À beira da praia. Ao domingo, era uma envolvência enorme. Fazíamos aquele caminho sem levar carro, pelas ruas. Agora, sem estádio, não acontece», lamenta.

Com a nova direção, considera que o clube voltou a ter a força dos adeptos, aliada às campanhas no CP, na disputa pelo regresso às ligas profissionais. E foi nos escalões mais altos, ainda jovem, que viveu algumas histórias marcantes.

Da viagem a Leiria às peripécias até Guimarães

Durante a época 1996/1997, Miguel tirou a carta de condução e, alguns dias depois, pegou no Fiat 127 comprado pelo pai e foi sozinho ver um jogo ante o União de Leiria, no Estádio Dr. Magalhães Pessoa. O pai ficou incrédulo.

«O meu pai ia quase sempre ver e eu tinha a carta nem há um mês. Nesse dia o meu pai não pôde ir. “Olha que eu vou pegar no carro e vou”, disse eu. E ele: “o carro nem chega lá, se calhar”. Eu peguei e fui. Quando o meu pai ligou a perguntar se não ia ouvir o relato, eu disse: “estou em Leiria a ver o jogo”. Uma brincadeira, fui sozinho», conta.

Outra foi antes, em 1993, quando foi com um amigo ver um V. Guimarães-Sp. Espinho. Precisou de comboio, autocarro, carro e algum tempo a pé, mas chegou a tempo ao estádio.

«O comboio, na Trofa, teve problemas, ia estar parado e íamos chegar depois da hora. Então, saímos na Trofa e apanhámos um autocarro. Só que o autocarro só foi até Moreira de Cónegos. Depois começou a chover. Estávamos na estrada, começámos a ir a pé e passou um senhor, curiosamente do V. Guimarães. Nem sabia se éramos do Vitória ou do Espinho: parou, deu boleia e até vimos o jogo à beira dele», recorda. «Chovia torrencialmente. Foi curioso: andámos de carro, comboio, autocarro e a pé para chegar lá e chegámos», conclui.

No ano passado, a Penalva do Castelo, até levou o cão do irmão com o cachecol do Sp. Espinho. E deixaram-no entrar.

Uma brincadeira: Miguel já levou o cão do irmão a dois jogos. Num deles, após o piquenique, o seu pai ia ficar fora do estádio em Penalva do Castelo com o animal, mas deixaram-no entrar. E com o cachecol a rigor

A festa de campeão distrital como se fosse na primeira

Outro dos momentos mais felizes foi a de 7 de maio de 2017: vitória por 3-2 ante o Oliveira do Bairro, título distrital e regresso aos nacionais. Com esse exemplo, ilustra que, quem gosta de um clube, sente-o, seja na I Liga ou na regional.

«Acho que essa época marcou um pouco o regresso do Espinho. Nunca pensei ver o Espinho na distrital, mas eu vejo jogos e nem penso muito na divisão. Se calhar vi um jogo do Espinho na 1.ª Divisão como na distrital. Vibra-se com um golo importante e acho que quem gosta, sente. Eu gosto do Espinho, independentemente de onde está», diz, considerando que os gostos clubísticos desequilibram o futebol português: «acho que é mal do nosso futebol os adeptos serem todos dos três grandes, acho que está errado, mata a competitividade».

Por outro lado, não esquece «uma das piores memórias», quando o clube desceu da 1.ª Divisão, em 1993. Precisava da vitória do Farense frente ao Tirsense e, em simultâneo, de ganhar ao Salgueiros. Tudo parecia certo quando os algarvios marcaram o golo da vitória perto do fim, mas, em Espinho, um golo de Vinha - que também passou pelo FC Porto - ditou o 1-1 final, relegou os tigres e salvou o Velho Salgueiral. «Foi um dos momentos mais tristes, mas não deixamos de ter amor ao clube», frisa.

Observa que, pelo clube, «as forças vivas da cidade deviam fazer tudo, não dizer que se vai fazer». Mantém a ideia de que «os patrocinadores que têm mais posses» deviam investir no Sp. Espinho e não em clubes de fora da cidade. «A euforia dura, mas não dura sempre. O clube precisa de jogar em Espinho. Qualquer clube não consegue sobreviver se não estiver a treinar ou jogar na sua cidade. A logística fica mais dispendiosa», salienta Miguel, que tem o emblema de prata, de 25 anos de sócio.

Miguel, à esquerda, com mais três colegas do Sp. Espinho numa deslocação à Madeira

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