Casar ao som do hino do V. Guimarães: «Era mais um amor a celebrar»

Ricardo Jorge Castro , Guimarães
19 set 2019, 00:10

José Miguel e Tânia Oliveira são sócios do clube desde miúdos. Casamento, em 2017, uniu dois amores. Encurtaram a lua de mel pelo Vitória e vão a Frankfurt ver o primeiro jogo no estrangeiro

«Até ao fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@mediacapital.pt

Dizer que há um amor que une José Miguel da Cunha e Tânia Oliveira é insuficiente. São dois, na verdade. O que há entre eles e o Vitória de Guimarães. Ele tem 29 anos e é sócio há 25, ela tem 30 e é sócia há 27: é mesmo desde o berço.

O encontro com o casal acontece nas imediações do palco que move aqueles corações: o Estádio D. Afonso Henriques. José e Tânia, que se conheceram em 2014, percorrem as ruas adjacentes com o Maisfutebol. Abrem um livro de memórias à volta de outro grande amor. A primeira - e mais marcante - foi a 20 de maio de 2017: a data do casamento entre ambos.

Depois da missa, José e Tânia entraram para o copo de água ao som do hino do V. Guimarães, rodeados por família, amigos e adereços do clube. Celebraram dois amores num só. Com surpresa à mistura.

«Não fazíamos a mínima ideia de que ia acontecer. A minha irmã fez uma reunião com as raparigas para organizar a minha despedida de solteira e surgiu a ideia de fazerem alguma coisa relacionada com o Vitória. Foi uma colega, Luísa, que sugeriu. Para contextualizar, essa colega foi ao Jamor de bicicleta nesse ano», conta Tânia. A ideia até era ter elementos da claque a cantarem músicas. «Foi logo anulada pelas minhas tias, que disseram que não fazia sentido juntar o futebol à religião. Mais tarde, entre a minha irmã e o meu cunhado, surgiu a ideia de fazer algo à entrada da quinta. Queriam a música mais simbólica e surgiu o hino. A minha irmã fez uns papéis com a letra da música e informou os convidados para levarem adereços do Vitória», acrescenta.

Primeiro estranhou-se. Depois, entranhou-se o momento.

«Nós passámos à entrada da quinta, íamos com o meu pai no carro e eu disse: “pai, é aqui”. E ele: “mas vamos ali conhecer aquele caminho…”. Percebi que iam preparar alguma coisa (risos). Começámos a ver bandeiras e cachecóis no ar e foi fantástico, uma surpresa que encaixou perfeitamente, estávamos a celebrar o amor e era mais um amor que estávamos a celebrar. Fiquei muito feliz», recorda a vimaranense. José não esquece: «Ligar o Vitória ao nosso momento foi extraordinário», aponta.

A ligação de ambos ao clube vem de família. A exemplo, um dos avôs de Tânia já recebeu a medalha de 50 anos de sócio. Os pais de ambos e a irmã de Tânia, de 27 anos, a de 25. «É bom sentirmos que temos um clube da nossa cidade, adeptos fantásticos, não é qualquer um que pode sentir esta adrenalina todos os jogos», defende José.

Jogos, muitos os que ambos já viveram. Em casa só falham «se houver alguma contrariedade». Fora, para o campeonato, acompanham o que podem. Mas a época 2019/2020 promete algo mais.

Alemanha e Açores: as primeiras fora do continente

Os voos estão marcados. José e Tânia vão, pela primeira vez na vida – e juntos – ver o Vitória fora do continente. Em dezembro, vão à Alemanha ver o jogo com o Eintracht Frankfurt, para a Liga Europa. Em maio de 2020, na 34.ª e última ronda da Liga, ida ao Açores para o jogo com o Santa Clara. «Esta época vai ser tudo, pelo nosso Vitória vamos a todo o lado», ilustra José.

A ida a solo germânico é mesmo um «dois em um» para o minhoto da freguesia de Nespereira. Um familiar em Frankfurt foi o mote. «No dia a seguir ao sorteio, o meu primo mandou-me uma mensagem: “Está na hora de vires cá, conheces Frankfurt, vês o jogo e passas uns dias comigo”. Falei com a Tânia, vi a possibilidade que ela tinha do trabalho e está marcado», atira.

A propósito, José é empregado de balcão no ramo da pastelaria. Tânia é enfermeira num lar de idosos. Com fortuna, os horários ajudam a ir à bola. «Às vezes tenho de pedir trocas de turnos, mas felizmente tenho uma diretora técnica que percebe a minha paixão pelo clube (risos)», nota ela.

A paixão que até encurtou a lua de mel

Depois do casamento, José e Tânia partiram para lua de mel, mas já sabiam que dali a uma semana havia outro compromisso: o V. Guimarães jogava a final da Taça de Portugal com o Benfica. Não dava para falhar. «Casámos a um sábado e, no fim de semana a seguir, no domingo, era a final no Jamor com o Benfica. Tivemos de marcar a lua de mel só de segunda a sexta, para no sábado preparar tudo e, no domingo de manhã, arrancar para o Jamor», lembra Tânia.

O Vitória falhou o título após derrota por 2-1, mas não houve arrependimento. Pese o desaire e a intempérie. «Perdemos e levámos grande banho de chuva, mas foi o ano que consegui levar a família toda. Pena não termos ganho, mas valeu pela festa e pela presença», adiciona a esposa, que foi às três finais do Vitória em vida. A conquista de 2013 é a «maior alegria que o Vitória podia ter dado», afirma. Nessa altura, ainda não conhecia José, que viu o êxito pela televisão. «Ganhámos com muito mérito», defende.

As memórias de quem tanto segue o V. Guimarães nas últimas duas décadas estendem-se a bons e maus momentos. José não tem dúvidas: a descida à II Liga, em 2006, foi o pior. Nem quer lembrar o ano em que viu jogar «um dos melhores pontas de lança» para si: Marek Saganowski.

José e Tânia com amigos, à margem da final da Taça de Portugal, no Jamor, em 2017

«Deixou saudades, quem me dera todos os anos um como ele, fez uma grande época, infelizmente descemos. Lembro-me do último jogo, com o Estrela da Amadora [ndr: derrota por 1-0]. No final, não conseguia mais estar lá dentro, uma desilusão. Mas fomos fortes e voltámos rápido à I Liga, o nosso sítio». Tânia contrapõe com o que se passou um ano depois. «Não tenho grandes recordações da descida. Lembro mais a subida, no fim de semana de 13 de maio [de 2007]. Tínhamos ido a Fátima, vínhamos a ouvir o relato e parámos em Gondomar para fazer a festa». «É um amor que não se explica, até porque o número de sócios aumentou na época em que descemos de divisão», reforça.

Pioneiros para ideia repetida

José e Tânia só começaram a ir à bola juntos após o casamento. Desde então, têm os dois lugares marcados na bancada poente. Antigamente não era assim. «As primeiras memórias que tenho de ir ao futebol é com o meu pai, o estádio ainda era sem cadeiras. Levávamos umas almofadas para pôr na pedra. Tenho a imagem de ver o Neno na baliza», descreve a vitoriana, defendendo que «quem é do Vitória é do Vitória, não é de mais clube algum».

Para um outro vídeo, o da despedida de solteiros exibido no casamento, conseguiram autorização para filmagens na sala de imprensa, nos camarotes e no relvado do estádio. Diz José que «se era para celebrar o amor, fazia sentido ter um amor em comum». De resto, o hino do V. Guimarães no casamento impulsionou outros casais a fazer o mesmo.

«Que tenhamos conhecimento, fomos os primeiros a ter o hino do Vitória no nosso casamento. A seguir a nós, vieram vários, que tiveram conhecimento através das redes sociais. Na última sexta-feira, tivemos um casamento no qual a entrada na quinta foi com o hino do Vitória e também surpresa, os noivos não sabiam. Logo a seguir a nós, houve um casamento em que o autor do hino estava presente a cantar», conta Tânia.

Entre o maior sonho comum de «ver o Vitória campeão», este é também - tal como diz o hino - força, querer, futuro e memória para José e Tânia. Como ele é para ela. E vice-versa.

*Parte das fotografias da galeria: Provideo e arquivo pessoal

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