A história do adepto que cumpre os sonhos das crianças

3 out 2019, 12:15
Tiago Velho

Tiago Velho ama o futebol e o altruísmo das pessoas do futebol. Através delas, angaria dinheiro para satisfazer as ambições dos mais necessitados: e traz muitas histórias para contar.

«Até ao fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional pelo futebol e uma história para contar. Críticas e sugestões para spereira@mediacapital.pt

Chama-se Tiago Velho, tem 38 anos, é treinador e adepto, vive em Famalicão e ocupa os tempos livres a cumprir os sonhos dos mais necessitados.

«Você nem imagina o que é oferecer um presente no natal a uma criança que não recebe prendas e ver a cara delas iluminar-se de felicidade. É contagiante. Fica-se com o coração cheio. Parece que até ganhamos saúde», conta Tiago Velho ao Maisfutebol.

Mas vamos por partes.

Antes de mais convém dizer que Tiago Velho vive de ajudar no restaurante dos pais e de trabalhar numa empresa de exames médico-desportivos. Nos tempos livres também treina o Gerês FC. Há uns anos, o cancro atingiu um sobrinho, que acabou por falecer, e levou-o a conhecer a ala pediátrica do Instituto Português de Oncologia.

Desde então, Tiago Velho nunca mais parou de cumprir sonhos.

«Ganhei afeição àquelas crianças. Custa-me muito entrar no IPO, mas por outro lado dá-me uma força enorme de viver. Só Deus sabe o que aquelas crianças passam.»

Foi por isso que começou a trabalhar para dar àquelas crianças um brilho nos olhos. Curiosamente esta aventura não começou no IPO: começou na terra natal, em Famalicão.

«Em 2012 ou 2013 conheci um miúdo que tinha problemas em andar e em falar. Para o ajudar organizei um jogo solidário. Convidei antigos jogadores, os clubes enviaram camisolas que leiloei, enfim, angariei 2500 euros para ajudar nos tratamentos do Filipe», refere.

«A partir daí comecei a fazer leilões de camisolas para ajudar famílias carenciadas que muitas vezes nem têm uma posta de bacalhau na ceia de natal. Em média consigo arranjar 1500 euros por natal, vou às compras, levo os alimentos à casa das famílias e levo um brinquedo para as crianças. Para mim o natal tem de ser uma mesa farta. Se são cinco pessoas, não levo duas postas de bacalhau, levo cinco, e nunca compro o azeite mais barato. No natal toda a gente merece o melhor.»

Depois publica fotos de tudo no Facebook. Desde o início que o faz, aliás.

«No início muitos jogadores ficavam desconfiados, não sabiam se era mesmo para ajudar. Mas posso dizer-lhe que não tenho uma única camisola em casa. Podia ter um armário cheio delas, mas todas as que recebo vão para leilão, para angariar dinheiro para ajudar. Hoje já tenho mais credibilidade e muitos jogadores ajudam-me constantemente.

Tiago Velho fala de nomes como Bruno Fernandes, Diogo Dalot, Rui Patrício, Paulo Oliveira e Rafa Silva, entre outros que lhe pedem para não serem referidos.

«O Rafa, por exemplo, ajuda-me muito. Todos os anos paga um jantar de natal a uma família. Eu mando-lhe sempre o ticket do que comprei e ele até brinca: ‘Tu não poupas dinheiro’. Mas ele sabe que comigo é assim, tento oferecer sempre o melhor nestas datas especiais», sublinha.

«As crianças do IPO, por exemplo, pedem-me muito camisolas e consolas de Playstation. Eu tento sempre arranjar, claro. Mas há uns tempos houve uma que me pediu um cão de uma raça especial. Foi o Rafa que lhe comprou o cão. O André ficou todo contente.»

No meio de tantos anos a tentar cumprir os sonhos das crianças, acontecem sempre histórias especiais. Tiago Velho não esquece duas, sobretudo.

«Há um jogador da Liga que me tem ajudado muito com camisolas para leilões. Mas da primeira vez que lhe pedi uma camisola, foi muito grosso. ‘Há muita gente a pedir-me camisolas, não posso dar a todos’, disse-me. E eu ok, tudo bem. Fiz o leilão com o que tinha e ajudei quem podia», diz.

«Eu e esse jogador somos amigos no Facebook e então ele viu as fotos das pessoas que ajudei. Então mandou-me uma mensagem a pedir desculpa por ter sido mal-educado. Pediu-me o NIB e fez uma transferência. Eu peguei no dinheiro, fui comprar alimentos ao supermercado e mandei-lhe o recibo. Ele disse que não era preciso, que já tinha visto que eu era sério. Hoje ajuda-me imenso, inclusivamente compra camisolas estrangeiras para eu leiloar. No último ano até comprou uma camisola, eu leiloei-a e ele voltou a comprá-la com a licitação mais alta.»

Mas há mais.

«Outra história que não esqueço é a de dois irmãos que ficaram órfãos: os pais morreram numa explosão. São dois miúdos de Espinho, em Braga. Há uns quatro anos conheci os miúdos e fiz um leilão de camisolas para comprar alimentos e fui lá a casa entregar-lhos», recorda.

«Eles viviam com uma tia em casa da avó. Eu perguntei aos miúdos o que eles gostavam mesmo de receber, um disse uma Playstation e outro disse o volante e o pedal da Playstation. Quando ia a sair de casa, perguntei à tia o que ela queria mesmo. Ela respondeu-me que queria 50 mil euros para acabar de construir a casa que os pais dos miúdos tinham deixado a meio. Eu saí de lá a pensar naquilo. Arranjei dinheiro para a Playstation, o volante e o pedal e contactei alguns clubes a contar a história da casa. O Benfica, através da Fundação Benfica, disponibilizou-se logo para ajudar e pagou a construção da casa. Os miúdos hoje vivem com a tia na casa deles.»

Tiago Velho é adepto do FC Porto e não o esconde, mas o que verdadeiramente o encanta é o futebol. Dá-se bem com toda a gente e diz que o pessoal do futebol gosta muito de ajudar.

«O FC Porto ajuda-me muito, o Desp. Chaves também, mas o Benfica e o Sporting também. Toda a gente gosta de ajudar. Este ano quero ver se consigo chegar ao Real Madrid, através do Militão, ao At. Madrid, à Juventus, ao Manchester City. As camisolas mais raras, do equipamento alternativo, por exemplo, têm um valor muito grande. Os colecionadores perdem a cabeça com elas. Depois dou-me bem com vários jogadores e treinadores. O Sérgio Conceição, por exemplo, é um grande amigo. Tem aquele ar de duro, mas é muito humilde e gosta de ajudar.»

Foi Tiago Velho, aliás, que no último domingo fez Sérgio Conceição sair do autocarro para cumprimentar um paraplégico à porta do Estádio do Rio Ave, em Vila do Conde.

«Não conhecia o senhor de lado nenhum, mas vi-o a ir em cadeira de rodas para perto dos balneários. Quando o Sérgio Conceição saiu ele chamou por ele, mas o mister não ouviu. Eu mandei uma mensagem ao Sérgio Conceição. Ele saiu do autocarro, cumprimentou-o e tirou uma foto. O senhor ficou muito emocionado e já me pediu uma camisola do FC Porto.»

Foi também Tiago Velho que proporcionou o momento em que Cristiano Ronaldo mandou parar o autocarro da seleção para dar um abraço num menino de 11 anos com leucemia.

«O Eduardo contou-me que tinha o sonho de conhecer o Cristiano Ronaldo e que uma vez, quando ia apanhar um avião, tinha estado perto do Ronaldo, mas a médica não o deixou ir lá cumprimenta-lo. Passado uns tempos, peguei nele e disse-lhe ‘vamos dar uma volta’», refere.

«Fomos para o Bessa. As coisas estavam combinadas com uma pessoa próxima de Ronaldo, que me ajudou várias vezes, e que trabalha na Gestifute. O Eduardo levou um cartaz a dizer: ‘Ronaldo dá-me um abraço’. Estavam lá 500 pessoas e disse-lhe para irmos para a frente. Então quando a seleção chegou, o Ronaldo mandou parar o autocarro e chamou o Eduardo para dentro.»

Ver um sorriso na cara do Eduardo, do André, do Filipe e de dezenas de crianças (e famílias) que já ajudou é o move este adepto de 38 anos apaixonado pelo futebol, que treina o Gerês FC e que sonha um dia chegar à Liga.

«Espero que esta reportagem me possa abrir portas para ter mais ajudas.»

Esperemos que sim.

MAIS «ATÉ AO FIM»

 

Relacionados

Mais Lidas

Patrocinados