«Se perguntar pelo Barroso, é o que está no campo do Paços a dar dicas»

Ricardo Jorge Castro , Estádio da Capital do Móvel, Paços de Ferreira
14 nov 2019, 09:08

Todos conhecem Joaquim Barbosa no Estádio da Capital do Móvel: passa os jogos a puxar pela equipa junto ao banco do P. Ferreira. Ganhou alcunha em viagens de táxi para ir ao cinema

«Até ao fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história por contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@medcap.pt

Nasceu Joaquim Ferreira Barbosa, mas não há quem não o conheça melhor por Barroso, em Paços de Ferreira. Tem 65 anos, quase tantos como os 69 do clube do coração. Lembra-se dele desde miúdo: de ver nascer o Estádio da Mata Real, agora Capital do Móvel, num local onde antes jogava torneios amadores, sobre terra. De cada jogador e treinador que passou pelo clube. É sócio há quase 40 anos.

Barroso é um adepto especial em Paços. É domingo à tarde e ali há mais um jogo, ante o Tondela. Entra no estádio, cumprimenta um, dois… dezenas de adeptos. Os hábitos repetem-se: afinal, nunca falha um jogo em casa.

«Se o treinador ou algum jogador não me vir, por exemplo o Bruno Santos, o Bruno Teles, o Tanque… desconfiam logo. Se eu não aparecer, alguma coisa falhou. Falhar um jogo? Não, só se estiver a morrer (risos). Se estiver doente durante a semana, ao fim de semana reajo, tenho de ver o Paços», atira.

Quem vai à Capital do Móvel percebe: do primeiro ao último apito, o sexagenário berra, grita, bate palmas, chama pelos jogadores. Incentiva-os. E está sempre, sempre de pé, no corredor que vai de perto do túnel antes usado como acesso aos balneários até junto do banco de suplentes do Paços. É nesse espaço de 30 a 40 metros que vinca apoio. Calhe a plateia estar mais silenciosa e (quase) só se ouve Barroso.

«Vou dizer-lhe, é nos 90 minutos. Sempre a apoiar, a berrar, a incentivar. Viro-me para a bancada para apoiarem a equipa, nos momentos difíceis, sempre. Mas a berrar. Felizmente tenho uma voz forte. Podia falar mais moderado, mas não consigo», constata.

«Ganhei vontade de dar dicas aos jogadores»

A postura vincada há vários anos fez Barroso deixar livre, a cada ano, o lugar que é seu por direito na bancada central: a cadeira número 111 da fila um fica vazia, salvo alguém precise de ocupá-la. Alguém que não o detentor. «A cadeira está paga, não há ninguém que possa pôr-me daqui para fora», frisa, enquanto está sentado nela, em conversa com o Maisfutebol antes do Paços-Tondela.

«Comecei a ganhar vontade de dar dicas aos jogadores, na zona da entrada do túnel, já há muitos anos. Ainda era Mata Real. Vieram certos treinadores, comecei a ganhar confiança com eles. Depois comecei a dar dicas e a falar com eles, a ver se estava a ajudar ou a prejudicar. Eles dizem: “não, senhor Barroso”. Todos me conhecem por Barroso, jogadores, presidente, massa associativa. Se perguntar pelo Barroso, toda a gente indica: é o que está no campo do Paços a dar as dicas», defende.

Barroso passa os jogos junto à grade da bancada e perto do banco do Paços a apoiar a equipa (RJC)

É por esse apego que foi criando, a metros do relvado e do banco de suplentes, que recorda quem por ali passou. «Por exemplo o Rui Vitória, Paulo Fonseca, Vítor Oliveira, o Vasquinho [Vasco Seabra], Ulisses Morais, o Filó que esteve aqui e já gostava de mim - mas infelizmente não correu bem para ele não sei por que motivo - o Carlos Pinto… O José Mota, nosso vizinho! Eu corro aqui e vou até ali [aponta para o espaço que percorre]. Penso que devo ter autorização de andar para trás e para a frente, tanto da GNR e direção. Quando acabam os jogos, incentivo o treinador [cerra os punhos]».

É esse gesto que foi ficando conhecido como um dos de Barroso, sobretudo nos golos e nas vitórias. Na alegria pura, fecha as mãos e salta para festejar. «É aquela alegria, aquele gesto de garra: vamos trabalhar, vamos para a frente!», explica.

O Barroso surgiu nas viagens de táxi

Barroso é natural de Frazão, freguesia do concelho de Paços, mas vive, já há várias décadas, junto ao atual estádio, para o qual vai sempre a pé. Fecha a porta de casa com a chave que tem um porta-chaves do clube. «É do outro lado da rua», atira.

«Entre os meus 16, 18 anos, ainda estava tudo em terra, não havia bancadas. Na minha terra, que é Moinhos, pertence a Frazão, formámos um clube amador e jogávamos aqui futebol», recorda. E foi nessa «mocidade» que surgiu também a alcunha de Barroso.

«Tenho uma história engraçada, você quer saber e eu explico. Com 16, 17 anos, em Moinhos, juntávamos muito pessoal e íamos ao cinema a Paços, ao fim de semana. Um dia, estava frio, éramos cinco e fomos de táxi. Um colega nosso disse: "ó Barbosa, vai ao café do senhor Almeida ver se ele liga para um táxi". Lá fui e o único disponível era o senhor Barroso. Como eu sou Barbosa, no fim de semana a seguir disseram: “ó Barbosa, vai dizer ao senhor Barroso”. O nome era parecido e em vez de dizerem Barbosa diziam Barroso. Ficou naquela de Barroso: “ó Barroso, vai lá ligar [ao taxista]”».

A cada fim de semana, segue a equipa sénior, formação, modalidades e só não vai aos jogos fora quando fica, por exemplo, a cuidar dos dois netos, já sócios do Paços, um de nove e outro de dois anos. Faz questão de ir ver os treinos quando pode. Só se o trabalho não permitir. «Eu trabalho e preciso. Estou reformado, mas vou trabalhando», sublinha.

O amor pelo Paços é notório na fase mais emocional do diálogo. «É falar de um clube muito grande. Há muita gente que considera os grandes serem o FC Porto, Benfica, Sporting... Para mim, o clube forte, grande, é o Paços de Ferreira, é o mais importante para mim. Há poucos clubes como o Paços a ter as capacidades que tem. É um clube humilde, as direções que entram, trabalham muito», defende.

O aperto de mão a Luiz Phellype e a descida: «Andei um mês sem convencer-me»

A marca deixada por Barroso fica patente quando quem já passou por Paços faz questão de não o esquecer. No Paços-Sporting, há duas semanas, Luiz Phellype foi substituído e cumprimentou Barroso antes de ir para o banco dos leões. «Não há um que não me conheça. Veio aí o Sporting, o Phellype cumprimentou-me. Do Rio Ave, o Bruno Moreira. Do Tondela, o Xavier. O Pizzi do Benfica. Não há um jogador que saia daqui e não venha cumprimentar-me ou que não saiba onde estou. Fico satisfeito», afirma.

Se fama é pureza nos atos, Barroso até lembra os amigos no estrangeiro.

«Tenho colegas a trabalhar na Suíça, França, Alemanha, que quando veem cá dizem: “tu és sempre o mesmo, estás em todas, és sempre filmado”. Não tenho culpa, vivo muito o futebol. E o Paços… não sei, não há explicação», respira.

Entre dezenas de anos e centenas de jogos, Barroso não esconde emoção de vitórias contra Benfica, FC Porto e Sporting, a recente subida à I Liga, mas também a incredulidade na descida, em 2018. «Eu não queria acreditar. Andei um mês sem convencer-me que o Paços tinha descido de divisão, um trauma. Às vezes, à noite, começava a pensar. Quando fomos para a II Liga, soube que vinha o Vítor Oliveira, o mestre das subidas, que já tinha subido aqui em 1990/1991. Tranquilizei, tornei a ambientar o meu sistema e fomos para a primeira».

Outrora à porta da Liga dos Campeões ou nas provas não profissionais. Seja onde for, é «ano a ano, um de cada vez». Pela «alegria enorme» de ver o Paços jogar. E de o Paços tê-lo a apoiar.

«Enquanto for vivo, só se me der algum enfarte. Mesmo que dê, vou dizer aos meus filhos: “levem-me lá, nem que seja numa cadeira”. Se calhar poderei não falar como falo agora, não é?».

Barroso com o neto mais velho, de nove anos, também já sócio do P. Ferreira (RJC)

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