Os dois adeptos que apoiam o Santa Clara com um fato de vaca

1 mai 2020, 20:16

Valquirio e Belchior aproveitaram o Carnaval num jogo em Chaves para adaptarem o disfarce alusivo ao setor do leite nos Açores e já o repetiram em mais três estádios

«Até ao Fim» é uma rubrica do Maisfutebol que visita adeptos que tenham uma paixão incondicional por um clube e uma história para contar. Críticas e sugestões para rjc.externo@medcap.pt

A ideia surgiu há pouco mais de um ano, na altura do Carnaval. Março de 2019.

O Santa Clara jogava em Chaves. Valquirio Barcelos e Belchior Botelho, sócios do clube, queriam assinalar a festividade de forma diferente. Viajaram até Trás-os-Montes e viram o jogo vestidos com um fato de vaca. Um disfarce alusivo à força do setor do leite no arquipélago.

«Eu tinha um fato de vaca, ele [Belchior] também comprou um e resolvemos ir ao jogo vestidos de vaca. A ideia principal era irmos fantasiados, era Carnaval. Mas o sucesso foi tão grande, os adeptos acharam tanta piada, que resolvemos, nos jogos a seguir, ir vestidos de vaca, nos campos adversários», conta Valquirio, natural da ilha Terceira e residente em São Miguel.

Os dois amigos e adeptos viajaram dos Açores até ao Porto, onde Belchior comprou o fato de vaca antes da ida para Chaves. Já por lá, a primeira de quatro aventuras com a veste. Cruzaram-se com conterrâneos e acabaram com escolta policial à saída.

«Vestimos os fatos e assim que saímos do carro aparece uma carrinha da polícia. Eu olho para o meu colega: “estamos tramados”. O interessante é que a condutora era uma agente açoriana, da ilha do Faial (risos). Estivemos a conversar, entretanto entrámos numa pastelaria e ao balcão tinha um micaelense. Foi divertido, ofereceu-nos umas cervejas e uns pastéis. Fomos para o estádio e as pessoas começaram a rir-se: nós vestidos de vaca, com a bandeira dos Açores. Foi divertido, fomos bem recebidos», lembra Belchior.

Só que o Chaves precisava mais de pontos e, enquanto a ânsia flaviense aumentava, a dupla ia fazendo a festa. Mudaram de bancada ao intervalo, face a alguns «assobios» dos locais.

«Não estávamos a ofender e continuámos a fazer a festa na segunda parte. No final do jogo, o comissário da polícia veio dizer-nos que tínhamos de esperar que os adeptos do Chaves fossem embora. Saímos do estádio com quatro polícias. Quatro polícias para guardarem duas vacas até à viatura. Mas sem necessidade, as pessoas estavam a rir-se, o feedback foi incrível e havia vontade de repetir», completa.

Assim foi. A veste repetiu-se esta época, contra Marítimo, Desp. Aves e Famalicão. Valquirio até fala na sorte: «sempre que fomos vestidos de vaca, o Santa Clara nunca perdeu».

Do Marítimo ao Famalicão: peripécias no aeroporto e o convívio

A experiência no Funchal, no Marítimo-Santa Clara, teve também peripécias. Tudo começou entre aeroportos, aviões e fotografias.

«O voo atrasou cá [nos Açores] e tínhamos ligação de Lisboa para a Madeira. Quando chegámos, perdemos o voo. Tivemos de ficar umas seis horas em Lisboa. Esse voo atrasou mais três horas, ficámos a beber uns copos no aeroporto, vestimos o fato e tirámos fotografias com as pessoas, porque acharam piada. Tanto que estivemos quase a perder novamente o voo. Fomos os últimos a chegar», recorda Valquirio.

Já na Madeira, uma aventura de «sucesso». «Conseguimos colocar a cantar toda a bancada na qual estávamos. Comecei a dizer: “não sei quê Marítimo, a poncha é boa”. E o pessoal todo a cantar. Quando saímos do estádio, tínhamos uma fila de mais de 50 pessoas para tirar fotos connosco e fomos conviver com a claque do Marítimo», frisa o terceirense. «Até tivemos um adepto do Dortmund que quis tirar uma fotografia para mostrar aos amigos», completa Belchior.

A missão é, diz Valquirio, «dar exemplo às crianças de que o futebol pode ser alegria, boa disposição e harmonia». «Adoramos futebol, o ambiente do adepto. A cerveja, os tremoços, o convívio com os amigos. É nossa missão, com esta história das vacas, contribuir para o futebol com a festa entre adeptos. Antes, durante e, depois do jogo, podermos estar juntos outra vez numa tasca, independentemente do resultado. É esse convívio que é agradável em todos os sítios onde temos ido vestidos de vaca», considera Belchior, técnico de radiologia de profissão.

Além dos fatos, a dupla leva sempre a camisola do Santa Clara e uma bandeira dos Açores para mostrar o clube e a região.

Famalicão, mais uma das deslocações com o fato, abriu espaço às brincadeiras que pretendem. «Tentamos ir com calma, nunca sabemos quando há um adepto mais descontrolado. Eles começam a falar e eu digo: ”Mas tenham cuidado com estas vacas, não são o que aparentam. Somos perigosas, do Porto para cá já assaltámos estações de serviço”. E o pessoal começa a rir-se, paga uma cerveja, tira umas fotos e é o convívio entre adeptos», aponta Valquirio.

Fato como kit de sócio: «Sonho era ter uma bancada com 5 mil vacas»

Os sonhos são acompanhados com a crença da realidade. Valquirio e Belchior não escondem o objetivo. Para eles, o fato de vaca chegou ao estádio para ficar nos jogos do Santa Clara. Pelo clube. Pela identidade da região.

«Uma das nossas ideias é estarem no estádio 50 a 60 adeptos do Santa Clara vestidos de vaca, mas que esse fato tivesse um livro de instruções. Que o adepto que o use tenha regras de conduta. Queremos que essas pessoas tenham o mesmo espírito: rir, brincar, apoiar o clube e respeitar o adversário», atira Valquirio, dizendo que a ideia já foi sugerida à direção. Belchior constata e responde à hipótese de a ideia passar para os jogos em casa. «Falámos com o presidente e sugerimos criar um kit de sócio em que, em vez de se oferecer um cachecol, oferecer-se-ia um fato de vaca com o símbolo do Santa Clara, com possibilidade de ter um número ou nome nas costas. É algo que nos caracteriza nos Açores e pode ser uma ideia com a qual o clube possa avançar», afiança.

Valquirio, que já jogou futebol no Angrense, vai mais longe ao dizer que o seu «sonho era o Santa Clara chegar um dia a uma final da Taça de Portugal e ter uma bancada com 5 mil vacas (risos)». «É irrealista, mas acho que ia ser bonito», completa.

Há uma semana, o Santa Clara desafiou os adeptos a uma votação para escolher a mascote do clube: uma vaca dos Açores, o cão de fila dos Açores ou uma criança. Valquirio e Belchior gostariam de ver adaptada a ideia do fato da vaca. O primeiro, com entusiasmo, até lança a sugestão. «Uma ideia engraçada, em vez uma mascote, eram duas mascotes. Se fosse as vaquinhas, uma a Santa e outra a Clara. Uma ia por um lado do estádio e outra por outro e começavam a chamar-se uma à outra: “Ó Santaaa, ó claraaa” (risos). Penso que era uma boa escolha a vaquinha para mascote», defende.

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