Donald Trump anunciou um cessar-fogo entre Israel e o Irão. E, como já é seu hábito, atribuiu um nome grandioso ao episódio: “a Guerra dos Doze Dias”, que, segundo ele, será lembrada por todo o mundo. Mas estamos a falar de Trump — o mesmo que disse que daria ao Irão duas semanas para reflectir e, no dia seguinte, bombardeou as instalações nucleares do regime. Ou seja, já deixou claro que a diplomacia, para ele, muitas vezes serve mais como cortina de fumo do que como ferramenta real de negociação. A isso junta-se o facto de o Médio Oriente estar sob tensão permanente há anos. Por isso, antes de encarar este anúncio como o início de uma nova era, convém colocar algumas questões em perspectiva.
Primeiro: a rivalidade entre o Irão e Israel não começou com os ataques dos últimos dias e está longe de terminar com este cessar-fogo. A tensão entre os dois países é estrutural, arrasta-se há décadas, e está ancorada na própria retórica existencial do regime iraniano. Falar em cessar-fogo não é o mesmo que falar em paz ou coexistência pacífica. Muito pelo contrário. Mesmo com a novidade dos bombardeamentos norte-americanos contra instalações nucleares, esta ronda de hostilidades é apenas mais uma dentro de um ciclo que se intensificou especialmente em Abril e Outubro de 2024. Ou seja, apagar o incêndio de agora não impede que novos focos de conflito surjam nas próximas semanas.
Segundo: os Estados Unidos estão a tentar vender este cessar-fogo como uma vitória diplomática — e isso diz muito sobre os interesses de Donald Trump, que precisa desesperadamente de um gesto de força controlada para exibir como trunfo político. O problema é que a narrativa de “sucesso absoluto” dos bombardeamentos contra o programa nuclear iraniano está longe de estar confirmada. O próprio secretário da Defesa, Pete Hegseth, afirmou que “as ambições nucleares do Irão foram obliteradas”. Mas os especialistas que acompanham estas instalações através de imagens de satélite foram claros: o que se vê até agora são crateras causadas pelas bombas, mas não há qualquer prova de que os túneis subterrâneos e o material mais sensível tenham sido realmente destruídos. Pelo contrário, dias antes do ataque, foram avistados veículos iranianos nos locais atingidos, o que sugere que houve tempo para evacuar material ou selar os acessos com terra. Fala-se de urânio quase em nível de armamento, suficiente para cerca de dez bombas, armazenado em pequenas cápsulas metálicas — móveis, fáceis de esconder e difíceis de localizar. E o Irão, claro, pode contar com outras centrífugas, noutros locais, para retomar o programa.
Terceiro: o que vai Trump coordenar — ou permitir — em relação a Israel daqui para a frente? Há poucos dias, o governo israelita dizia estar perto de atingir os seus objectivos, mas não está claro o que isso significa, na prática. Netanyahu pode muito bem considerar que eliminar alvos-chave do regime iraniano — como cientistas, generais ou infra-estruturas militares — ainda faz parte desta “fase final”. E Trump, que até aqui tenta apresentar-se como mediador, terá de decidir se vai alinhar ou travar uma nova ofensiva. Até ao momento, nada indica que o Irão tenha recuado nos seus objectivos estratégicos de longo prazo, como a destruição do Estado de Israel. Pode estar enfraquecido no imediato, mas isso apenas significa que precisa de tempo. Tempo para se reorganizar politicamente e, inclusive, para relançar o seu programa nuclear de forma ainda mais clandestina.
E por fim há o factor político interno em Israel: Netanyahu. Mesmo que parte do programa nuclear iraniano tenha sido neutralizado, será isso suficiente para que o primeiro-ministro israelita possa declarar “missão cumprida”? A sobrevivência política de Netanyahu também depende do que vem a seguir — e de como ele vai explorar este cessar-fogo no discurso interno. A guerra com o Irão pode ter sido pausada. Mas ninguém no seu juízo perfeito acredita que ela tenha acabado.