400 jornalistas, quatro manifestações à porta da AR, deputados ausentes em protesto. Como vai Lula da Silva ser recebido no Parlamento

24 abr 2023, 18:00
Lula da Silva com António Costa nas OGMA (Foto: Tiago Petinga/EPA)

Sessão de boas-vindas ao presidente brasileiro acontece no dia 25 de abril às 10:00, obrigando a adiar a sessão solene que evoca a Revolução dos Cravos. Lula da Silva terá à sua espera quase 1.000 pessoas, entre convidados, deputados, Governo e imprensa

O dia 25 de Abril é sempre especial na Assembleia da República, palco da sessão solene que assinala a Revolução dos Cravos e o fim da ditadura em Portugal. Mas, este ano, a chamada casa da democracia recebe um convidado antes das intervenções de partidos, presidente da Assembleia e presidente da República, o que obrigou a algumas alterações de protocolo e outras tantas declarações acesas de líderes políticos. 

Lula da Silva, que estará amanhã, terça-feira, no quinto e último dia da sua visita oficial a Portugal, será homenageado no parlamento com uma sessão solene que já fez correr muita tinta - desde logo quando o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, anunciou que o presidente do Brasil iria discursar precisamente na sessão solene do 25 de Abril. 

A sessão de boas-vindas a Lula da Silva viria a ser autonomizada da cerimónia solene de celebração do Dia da Liberdade com o acordo de quase todos os partidos - à exceção do Chega, que se manifestou desde logo "veementemente contra" a presença do presidente brasileiro no parlamento português - mas ficou mesmo agendada para o 25 de Abril, obrigando a atrasar para as 11:30 a sessão solene habitualmente realizada neste dia. 

Na sala das sessões do Parlamento, à espera de Lula da Silva, estarão pouco menos de 1.000 pessoas, uma lotação completa que levantou problemas de segurança - neste caso, a própria segurança física dos presentes, uma vez que o espaço é limitado e estão acreditados cerca de 400 jornalistas, disse à CNN Portugal fonte da Assembleia da República. Nas galerias há 600 lugares, mas o espaço reservado aos jornalistas parlamentares com acreditação permanente tem, normalmente, num 25 de Abril, cerca de 30 pessoas a trabalhar. Esta terça-feira, deverá encaixar até 50 membros da imprensa, já em esforço, sendo necessário distribuir ainda centenas de repórteres pela tribuna. Para não retirar lugares aos convidados, os membros da imprensa que não puderem ficar nas galerias terão lugar na Sala do Senado, onde acompanharão as cerimónias através de ecrãs.

Encaixe de cerimoniais e segurança apertada

O facto de haver duas sessões solenes no mesmo dia obrigou também a encaixar dois cerimoniais. Assim, haverá apenas um momento de entrada dos convidados - as altas figuras de Estado entrarão na AR para a sessão solene com Lula e permanecerão para a sessão do 25 de Abril. Um outro momento, que deverá ser notado, é o da retirada da bandeira da República Federativa do Brasil quando a sessão de boas-vindas com Lula da Silva terminar, sendo então hasteado o pavilhão presidencial - sinal de que estão para começar as comemorações oficiais do Dia da Liberdade.

A sessão com Lula da Silva terá início pelas 10:00 de terça-feira e o presidente brasileiro chegará com a mulher, a socióloga Rosângela Lula da Silva - Janja, como é conhecida - ao Palácio de são Bento pelas 9:30. Dirigir-se-ão às escadarias exteriores, onde ouvirão os hinos nacionais do Brasil e Portugal antes de entrarem. Depois de uma sessão de apresentação de cumprimentos na sala de visitas da Presidência, já nos Passos Perdidos, Lula assinará o Livro de Honra, após a fotografia oficial. Por esta altura, já terão ocupado os seus lugares as mais altas figuras do Estado e centenas de convidados, do corpo diplomático ao presidente do Banco de Portugal ou ao Presidente da Associação 25 de Abril. A sessão será aberta por Augusto Santos Silva, que discursará, passando depois a palavra ao presidente brasileiro antes de a sessão ser encerrada pelo Presidente da Assembleia da República e se voltarem a ouvir os hinos dos dois países. 

O presidente do Brasil deverá abandonar o edifício 15 minutos antes do início da sessão solene do 25 de Abril, iniciando viagem até Madrid. Mas os convidados mantêm-se e será necessário, neste intervalo, distribuir os habituais e obrigatórios cravos vermelhos, bem como a folha de sala com a lista de intervenções na cerimónia deste ano.

No exterior da Assembleia deverão fazer-se ouvir entretanto os participantes das quatro manifestações que estão agendadas para aquele local, uma delas convocada pelo Chega em protesto pela presença de Lula da Silva no Parlamento, outra por apoiantes do presidente brasileiro. Mas nem o gabinete de imprensa da Assembleia da República ou o gabinete de Augusto Santos Silva falam sobre o protocolo de segurança ou eventuais alterações exigidas pela presença de um chefe de Estado estrangeiro que, recentemente, fez declarações pouco consensuais sobre a guerra na Ucrânia, sugerindo que EUA e Europa estavam a prolongar a guerra ao fornecer armas e apoio a Kiev.

Fonte do Comando da PSP de Lisboa recusou divulgar o número de efetivos empenhados na operação junto à Assembleia da República, garantindo porém que as autoridades vão apostar num policiamento de visibilidade e preventivo, que possibilitará uma resposta "rápida e eficaz" se for necessária, por exemplo, junto de uma das 15 manifestações agendadas para a capital - quatro nas imediações da AR, recorde-se. "Toda a cerimónia do 25 de Abril já nos obriga a condições de segurança especiais e diferentes. Neste caso, temos uma entidade extra, o que nos obriga a um esforço de segurança maior, naturalmente", disse à CNN Portugal o comissário Artur Serafim, sem entrar em pormenores. "Colaboramos sempre na monitorização das condições de segurança para que essa visita decorra dentro da normalidade", esclarece ainda, lembrando que a segurança faz-se num "processo dinâmico constante". 

Deputados ausentes e "a maior manifestação de sempre"

Augusto Santos Silva dizia, a poucos dias da celebração do 49.º aniversário do 25 de Abril, no podcast "Perguntar Não Ofende", de Daniel Oliveira, que a vinda de Lula ao Parlamento na precisa data das comemorações não representava qualquer problema. "Foi a data em que a agenda do presidente Lula da Silva, do presidente português e do Parlamento coincidiram", frisou, lembrando que na Conferência de Líderes houve um amplo consenso para se dedicar uma sessão solene ao presidente do Brasil e que Portugal tem a boa tradição de incluir um momento no Parlamento nas visitas de Estado. "Tenho pena que se tenha transformado num motivo de incidente político", admitiu. 

André Ventura, presidente do Chega, garantiu que o partido iria "organizar a maior manifestação de sempre contra um dignatário estrangeiro em Portugal", mobilizando "portugueses e brasileiros, todos os que se quiserem juntar, para mostrar que o centro-direita e a direita portuguesa não são o PSD, não são este PSD" - aludindo às declarações de Paulo Rangel, que salientara no dia anterior a "importância fundamental" da "oportuna e útil" visita de Lula da Silva a Portugal. 

Além da manifestação marcada para o exterior da Assembleia da República - que terá início às 9:00 e só terminará depois de se lhe juntar o presidente do partido, André Ventura, quando terminar a sessão solene do 25 de Abril -  o Chega não confirmou à CNN Portugal qualquer protesto dos seus deputados durante a sessão de boas-vindas com o presidente brasileiro. Recorde-se que Augusto Santos Silva também disse, recentemente, que iria levar à Conferência de Líderes da AR o caso dos comentários insultuosos dos deputados do Chega contra a socialista Edite Estrela, vice-presidente da Assembleia da República, frisando que não iria tratar apenas daquele episódio em particular, que considerou "especialmente grave", mas da "sucessão de comportamentos que desafiam o nosso regimento e as condições em que o debate livre e plural se pode fazer". 

Francisco César, vice-presidente do grupo parlamentar do PS, disse à CNN Portugal que espera "sentido de Estado" dos partidos que assinalaram a vontade de protesto contra Lula da Silva na AR, referindo-se não só ao Chega mas também à Iniciativa liberal. "O que me parece estranho, no caso da IL, é que um partido que quer fazer parte do arco da governação faça protestos no Parlamento, como se fosse um partido de protesto", declara. "O que está aqui em causa não é a trica partidária, são as relações entre dois Estados", sublinha.

Recorde-se que a IL vai fazer-se representar na sessão solene com Lula da Silva apenas pelo seu líder parlamentar, que promete ostentar um símbolo da bandeira ucraniana. Os restantes deputados retirar-se-ão em sinal de protesto.  

"O grupo parlamentar decidiu tomar esta atitude em protesto pela presença de Lula da Silva, que tem adotado posições absolutamente inaceitáveis no que diz respeito à invasão da Ucrânia pela Rússia, no Parlamento num dia tão simbólico como o 25 de Abril que representa a data fundadora da nossa liberdade e democracia", refere uma nota do partido enviada à CNN Portugal. "A presença do líder parlamentar é um sinal de respeito pelo povo brasileiro e uma demonstração de solidariedade para com o povo ucraniano, estando previsto que ostente um símbolo da Ucrânia", informa ainda a declaração. 

"A Iniciativa Liberal condena firmemente Putin e todas as quintas colunas que funcionam como caixa de ressonância dos interesses de Putin, sejam eles Lula, Bolsonaro ou Salvini. Os deputados ocuparão posteriormente os seus lugares durante a cerimónia do 25 de Abril com excepção do deputado Carlos Guimarães Pinto que se encontra ausente no estrangeiro", conclui o comunicado da IL.

Uma honra "seja em que dia for"

Para o deputado socialista Francisco César, a relação com o Brasil tem de ser "cuidada e estimada". O vice-presidente do grupo parlamentar socialista considera que, do ponto de vista simbólico, ter no Parlamento o presidente da República Federativa do Brasil "é uma honra, seja em que dia for". Francisco César defende ainda que a visita de Lula a Portugal é importante na medida em que marca "o retomar de uma relação estreita entre dois países que têm tanto em comum" e que "o discurso do presidente Lula na sede da democracia portuguesa é um marco".

O líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, concordou com a opção de receber o presidente do Brasil numa sessão solene, "com a dignidade que o país e o chefe de Estado merecem, mas não na sessão solene do dia 25 de Abril que comemora a Revolução dos Cravos".  Aos jornalistas, Miranda Sarmento disse ainda que os "partidos responsáveis que pretendem ser governo e que nunca o foram antes e partidos como o PSD que já foram Governo e que serão Governo muito em breve, têm de entender que há questões diplomáticas e que o Brasil é um dos parceiros mais importantes que Portugal tem, por razões históricas, culturais e económicas".

O bloquista Pedro Soares disse também, recentemente, que a "receção na Assembleia da República do presidente Lula da Silva" tem a "total anuência" do BE, seja no dia 25 de abril ou "numa sessão no dia anterior". E, ainda no domingo passado, Catarina Martins, coordenadora do Bloco de Esquerda, criticou a direita radicalizada por querer "criar muitos casos" sobre o presidente brasileiro. 

"Lula da Silva vai estar no dia 25 de abril no Parlamento, terá oportunidade de se dirigir ao Parlamento em si, o que é importante, e continuará o seu percurso. Acho que não vale a pena estarmos a criar um caso sobre cada ponto da agenda da visita do presidente brasileiro a Portugal, pois é absurdo", defendeu. 

Já o PCP defendeu, numa nota enviada aos jornalistas pelo seu grupo parlamentar logo que se soube da visita de Lula da Silva a Portugal, que, estando prevista a deslocação do presidente brasileiro ao nosso país, "a sua participação numa sessão solene na Assembleia da República, dentro dos critérios definidos, faz todo o sentido, seja numa sessão solene específica dedicada, seja na sessão solene de comemoração do 25 de Abril".

Inês Sousa Real, deputada única do PAN, defendeu também que a realização de uma sessão solene de boas-vinda a Lula da Silva é "da mais elementar sensatez", acompanhando o que foi proposto pelo presidente da AR em Conferência de Líderes.

E Rui Tavares, deputado do Livre, falando no podcast Explicador, da Rádio Observador, alertou para um "equívoco" gerado pelos tempos de polarização política que vivemos, em que alguns partidos assumem que respeitar um convidado como Lula significa concordar com todas as suas posições, o que levaria a um "caminho para o isolamento da política externa portuguesa, se só dialogarmos com quem concorda connosco". 

Lula da Silva, questionado já em Portugal sobre a sessão no Parlamento, disse apenas que é "com muita alegria" que vai participar na comemoração da Revolução dos Cravos. "Seja de manhã, à tarde, só espero que não seja à noite", ironizou. O presidente brasileiro partirá depois da sessão de boas-vindas no Parlamento para Madrid, onde tem um almoço agendado com o rei de Espanha, Filipe VI.

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