As mulheres, as condecorações, um pontapé. As intervenções dos partidos na sessão solene do 25 de Abril

25 abr 2022, 15:05

Chega foi o partido mais aplaudido pelos seus próprios deputados, PS lembrou Jorge Sampaio no início do discurso e José Soeiro, do Bloco de Esquerda, até atirou um palavrão. Leia os destaques dos discursos dos partidos na sessão solene de comemoração dos 48 anos do 25 de Abril

O 48.º aniversário do 25 de Abril foi assinalado esta segunda-feira com a habitual sessão solene na Assembleia da República, já sem restrições devido à covid-19. Antes do Presidente da Assembleia da República e do Presidente da República, discursaram deputados dos oito partidos com assento parlamentar por ordem crescente de representatividade.

"Um dia que valeu por décadas"

O deputado único do partido Livre foi o primeiro a discursar na Assembleia da República, ainda que a primeira parte da intervenção de Rui Tavares tenha sido inaudível a quem assistia aos discursos através da televisão, devido a um  problema no sistema de som da Assembleia da República. Enaltecendo o 25 de Abril como "um dia que valeu por décadas", Tavares destacou o ensino público como uma das grandes conquistas da revolução. 

Fez ainda referência aos três D do 25 de Abril de 1974 - Democratizar, Descolonizar e Desenvolver - para deixar um alerta. "Dos três D da Democracia, Desenvolvimento e Descolonização pensa-se por vezes que este o último foi o mais imediato a ser cumprido. Mas se pensarmos que o abandono das estruturas coloniais significa tratar toda a gente com o mesmo respeito e dignidade e encontrar um novo lugar na Europa e no mundo, logo perceberemos que, como os outros dois D, se trata de uma tarefa longa a ser cumprida", alertou. "O caminho que se abre à frente de Portugal é agora muito diferente daquele que durante séculos nos habituámos a trilhar, e ainda bem. A partir de agora contamos só com a valorização das pessoas, do conhecimento e do território como chaves para o nosso futuro", sublinhou.

"Abril ainda não tem rosto de mulher"

Inês de Sousa Real, deputada do PAN, decidiu colocar a tónica do discurso na desigualdade de género. Lembrando inicialmente a guerra que decorre na Ucrânia, para dizer que a democracia não pode ser dada como garantida. Sousa Real realçou que o sol, vento e oceanos podem ser a solução para garantir a autonomia energética de Portugal, destacando que dois milhões de pessoas vivem ainda em pobreza energética no nosso país e oito mil em situação de sem-abrigo. "O mesmo país que tem as mãos largas para financiar os prejuízos da banca e nada faz para impedir a perda de muitos milhares de milhões de euros para os paraísos fiscais ou para a corrupção", sublinhou.

Abordando então a desigualdade de géneros, a deputada do PAN disse que "abril ainda não tem rosto de mulher", ao elencar os problemas do sexo feminino em Portugal, nomeadamente a violência doméstica, a justiça lenta, a mutilação genital e a desigualdade salarial. "Somos apenas 84 deputadas e nunca tivemos uma mulher como Presidente da República", frisou Sousa Real. "É preciso lutar pelo fim do sexismo e transformar a emancipação feminina em realidade. Só assim a manhã de Abril poderá acordar em plena igualdade e liberdade", defendeu a deputada do PAN.

Os trabalhadores mal pagos e o pontapé de Maina Mendes

José Soeiro, deputado do Bloco de Esquerda, começou a sua intervenção descrevendo o trabalho de "centenas de pessoas nos bastidores da democracia", cuja ação permitiu realizar a sessão de comemoração no parlamento. Os trabalhadores mal pagos - "700 e poucos euros de salário" - que limpam "o mundo e o Parlamento".

"Às 04:00, muito antes da primeira claridade do dia, já um punhado de mulheres saía da cama para vir trabalhar. Apanharam um transporte às 4:45, chegaram às 6:00 à Assembleia. Quando o dia nasceu, muito antes dos nossos despertadores tocarem, já elas tinham lavado a escadaria principal, puxado o lustro com as rotativas às madeiras enceradas dos Passos Perdidos, esfregado as casas de banho. Já elas tinham aspirado de novo as carpetes vermelhas, desinfetado as bancadas desta sala, conferido se os cravos estavam bem espetados nas esponjas verdes que não vemos", disse Soeiro. 

Fazendo contas ao "que fica para viver" para aqueles que recebem o salário mínimo, o deputado diz que a democracia não lhes deve apenas "gratidão".  "Quão democráticas são as desigualdades?", questionou Soeiro, dizendo que é tempo de ouvir as pessoas que "não estão no retrato emoldurado dos notáveis ,que não têm nem terão medalhas ou ruas com o seu nome, que estão no avesso dos lugares, mas sem as quais não existiriam os lugares". 

O deputado do Bloco de Esquerda serviu-se mesmo do exemplo de Maina Mendes, protagonista de Maria Velho da Costa, que "pôs ambas as mãos sobre o corpo e deu um pontapé no cu dos outros legítimos superiores".

"Há quem procure branquear o que foi o fascismo, não o permitiremos"

Paula Santos, líder da bancada parlamentar do PCP, começou por lembrar que a Revolução de Abril instaurou a liberdade e a democracia, pôs fim à exploração e à miséria que afetava a maioria da população e pôs fim à guerra colonial.

"Há quem procure branquear o que foi o fascismo, não o permitiremos", disse Paula Santos. "Há quem procure desvirtuar o conteúdo e o significado do 25 de abril", afirmou a deputada do PCP, acrescentando que houve quem não se conformasse com as conquistas de abril e procurasse "impor retrocessos". 

"Cabe a todos os democratas defendê-lo. Da parte do PCP (…), contra tentativas de intimidação reafirmamos o compromisso de hoje e de sempre contra o fascismo e a guerra, pela paz, a liberdade”, sublinhou a deputada que é membro do Comité Central do PCP.

"Em resultado da política de direita, as condições de vida agravam-se", disse ainda Paula Santos, referindo que houve um "descarado aproveitamento da guerra e das sanções" como pretexto para acumulação de lucros. "Mas o PS e os partidos à sua direita recusam essa resposta e pedem ao povo que pague a fatura da guerra", concluiu a comunista. 

Portugal "estagnado, hipnotizado e politicamente desligado"

Bernardo Blanco, deputado da Iniciativa Liberal, lembrou que antes do 25 de Abril "Portugal era um país fantoche controlado por uma mão cerrada".

"Antes do 25 de Abril tivemos quase 50 anos de silêncio", afirmou. Lembrando os presos políticos "sem crimes", os livros proibidos e o "sistema político fantoche", Bernardo Blanco questionou "como é que uma grande parte dos portugueses não quis saber".

"Para mim, que nasci nos anos 90, o Estado Novo é o estado velho. Para mim, a maior dádiva do 25 de abril não é material. Para mim, o 25 de abril, é o dia em que os portugueses quiseram saber", sublinhou.

O deputado da Iniciativa Liberal disse ainda que "Portugal é um país estagnado, hipnotizado e politicamente está desligado", terminando o seu discurso lembrando os cidadãos da Ucrânia: "Hoje, todas as pessoas livres, onde quer que vivam, são cidadãos da Ucrânia. Vamos, com o inconformismo de abril, romper a estagnação."

"Se isto é abril, preferimos outro"

André Ventura, do Chega, defendeu que é preciso pedir desculpa aos portugueses, porque falharam as promessas de abril, "num império que se dissolveu e deixou países à sua mercê e famílias à sua sorte". E lembrou os retornados e as vítimas da expropriação após o 25 de Abril, recebendo o primeiro aplauso da sessão solene na Assembleia da República, dos deputados do seu partido.

O presidente do Chega disse ainda que cravos "de nada valem" aos pensionistas que têm o pior poder de compra da UE no supermercado e que o país falhou na "reconciliação", frisando que o 25 de Abril só existe por causa do 25 de Novembro - altura em que foi aplaudido pelos deputados do Chega. 

Dirigindo-se diretamente ao Presidente da República, chamando-lhe "rival" - recordando que também se candidatou nas últimas eleições presidenciais - André Ventura pediu-lhe que não condecorasse "aqueles que mataram e expropriaram em Portugal" e destruíram a economia portuguesa nos anos 70 e 80 do século passado. 

"Se isto é abril, preferimos outro", destacou. Ventura foi fortemente aplaudido pelos deputados da sua bancada no final do discurso.

25 de Abril tem de ser "momento de autocrítica"

Rui Rio, líder do PSD, falou na sessão solene do 25 de Abril pela última vez enquanto presidente do partido. E começou o discurso a dizer que o 25 de Abril "não pode ser um repositório" daquilo que já foi dito diversas vezes.

"Se para alguns de nós a revolução dos cravos é uma memória bem presente, a verdade é que para a maioria dos portugueses ela já é apenas uma data histórica ocorrida antes do seu nascimento", disse, acrescentando que "é por isso que o 25 de Abril precisa de ser um momento de autocrítica". 

"Ficar pelo simples elogio do passado é objetivamente renunciar o futuro", afirmou Rio.

Rui Rio falou ainda do crescimento dos extremismos em Portugal, dizendo que "a solução está em nós próprios", em reformas que rompam com o estabelecido e não em "absurdos cordões sanitários”.  Na sua intervenção, Rui Rio elencou algumas destas reformas, que enquanto liderou o PSD nos últimos quatro anos foi apontando como urgentes: a alteração do sistema eleitoral; a revisão constitucional; a reforma da Justiça; a descentralização; a lei dos partidos políticos e a sua lógica de funcionamento e até uma reforma do Estado que “fomente a qualidade e a produtividade dos serviços públicos e permita a redução dos impostos”.

"A solução está em enfrentar a realidade sem cobardia nem hipocrisia. Está em reformar, ou diria melhor, em romper com o que há muito está enquistado e ao serviço de interesses setoriais ou de grupo. Romper com tudo aquilo que não funciona de acordo com a lógica do interesse coletivo, mas sim em função do setor ou da corporação a quem o imobilismo aproveita. ".
 

"Uma menina que nasça em 2022 conhecerá um país em paz"

Pedro Delgado Alves, do Partido Socialista, começou por dizer que comemorar o 25 de Abril é "em primeiro lugar honrar a memória dos que resistiram", recordando o falecido antigo presidente Jorge Sampaio, o que lhe mereceu aplausos de quase todo o hemiciclo. "Junta-se aos eternos que tanta falta nos fazem para recordar que o respeito, a cordialidade, a convivialidade são essenciais à democracia". 

O socialista sublinhou que o Portugal "que somos apenas existe devido às portas então franqueadas", decidindo confrontar o Portugal democrático de hoje com o que existia antes do 25 de Abril. 

Dando exemplo de uma menina que nasça em abril de 2022 "e queira viver livremente", Delgado Alves sublinhou que esta criança não correrá o risco de viver num país com alta taxa de mortalidade infantil, com baixa taxa de alfabetização e não será marginalizada em virtude da orientação sexual, com direito a proteção no emprego e na reforma.

"Terá direito a informar-se e a ser informada", livre de "professar qualquer fé ou não professar fé alguma", e poderá participar "com o seu voto" nas decisões políticas. "Uma menina que nasça em 2022 conhecerá um país em paz", resumiu Delgado Alves, falando ainda na importância da integração europeia. 

O socialista disse ainda que a derradeira razão para continuar a celebrar o 25 de Abril é o futuro em aberto, assinalando que "orgulhosos que estamos do que realizámos", falta ainda trilhar caminho e muitas das realizações "não são perfeitas nem estão completas".  "Muitos dos inconformados com o que ainda falta fazer não são inimigos de abril mas correm o risco de serem manipulados", acrescentou.

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