Sem aconselhamento jurídico, gabinete criado pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa para apoiar as vítimas de assédio funciona a meio gás

12 abr 2023, 18:00
Universidade de Lisboa - Faculdade de Direito

Advogado Rogério Alves revelou à CNN Portugal que o contrato com a Faculdade de Direito para trabalhar no gabinete criado para apoiar vítimas de assédio moral e sexual, após receção de dezenas de denúncias em 2022, terminou no final do ano passado e não foi renovado. PGR confirma que pelo menos um caso chegou à justiça e foi arquivado. Faculdade diz estar a ultimar procedimentos para garantir continuidade dos apoios e diz que não recebeu queixas vindas do gabinete, mas Rogério Alves afirma que encaminhou casos de assédio moral que foram tratados pela FDUL

O Gabinete de Apoio à Vítima da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), criado na sequência das dezenas de denúncias de assédio sexual e moral que foram recebidas no ano passado naquela instituição, está a meio gás: Rogério Alves, o advogado que na altura foi indicado pelo bastonário da Ordem dos Advogados - a pedido da Faculdade - para assegurar o aconselhamento jurídico, disse à CNN Portugal que foi contratado até 31 de dezembro do ano passado e que não houve procedimento para renovação da prestação de serviços. Fonte da Procuradoria-Geral da República indica que um caso, revelado na sequência da criação deste gabinete, chegou à Justiça mas foi arquivado.

Já a responsável pela vertente de aconselhamento psicológico deste mesmo gabinete, a psicóloga Susana Lourenço, disse à CNN Portugal que continua a exercer funções. "O gabinete continua a funcionar sob a minha alçada. Não cessei o apoio psicológico, tenho acesso ao email, continuo a responder e a agendar consultas", esclareceu, admitindo, porém, que a comunicação com a Faculdade de Direito, dirigida por Paula Vaz Freire, é "escassa".

Questionada pela CNN Portugal, a FDUL confirma através de e-mail que a relação contratual formalizada com Rogério Alves cessou no passado dia 31 de dezembro de 2022, por razões referentes ao regime da contratação pública. "Ainda assim, o serviço mantém-se disponível, estando a ser ultimados os procedimentos simplificados para garantir a continuidade do apoio", esclarece a instituição. "Enquanto estrutura especializada de assistência aos membros da comunidade académica, o GAV exerce funções externamente e com total independência da estrutura organizativa da FDUL, assegurando, desse modo, a total confidencialidade dos que recorrerem aos seus serviços", acrescenta a declaração.

Ainda segundo a FDUL, "desde a entrada em funcionamento do Gabinete de Apoio à Vítima e até à data de hoje não foi apresentada qualquer queixa junto da Faculdade. Apesar da ausência de solicitações por parte da comunidade académica, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa atribui relevância ao projeto como resposta a quem se encontre num estado de fragilidade perante situações de assédio. Por essa razão decidiu que a estrutura se manterá em atividade", lê-se ainda na declaração remetida por e-mail.

E a verdade é que, no site da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, continua a existir um separador dedicado ao Gabinete de Apoio à Vítima, onde são disponibilizados dois endereços de e-mail, um para aconselhamento jurídico, "assegurado pelo Dr. Rogério Alves", e outro para apoio psicológico e emocional, "assegurado pela Dr.ª Susana Lourenço, psicóloga".

"Podem recorrer ao Gabinete de Apoio à Vítima todos os membros da comunidade académica: atuais estudantes, docentes e funcionários", lê-se nesta página, que descreve o serviço como "estrutura de aconselhamento que acompanha as vítimas de assédio ou discriminação até ao momento de apresentação de denúncia formal". Porém, uma pesquisa no Google pelo Gabinete de Apoio à Vítima da Faculdade de Direito abre uma ligação que indica "página não encontrada"; é preciso descer e encontrar a sigla GAV, quase no fundo da página oficial da Faculdade, para ler mais informações. 

Tentando abrir diretamente a ligação do Gabinete de Apoio à Vítima, a página não é encontrada

Além deste gabinete de apoio a eventuais vítimas, a FDUL continua a disponibilizar um canal para a apresentação de queixas formais a todos os membros da comunidade académica, incentivando-os a denunciarem "quaisquer situações de assédio ou discriminação de que tenham sido objeto ou que tenham presenciado" através do email queixas@fd.ulisboa.pt. Foi por reconhecer que a decisão de apresentar uma queixa diretamente à faculdade poderia ser mais difícil para as vítimas que foi criado este Gabinete de Apoio à Vítima enquanto estrutura independente que presta "aconselhamento confidencial prestado por profissionais externos à FDUL". 

Questionada pela CNN Portugal também sobre este canal de denúncias, a instituição refere que recebeu por esta via dez queixas e que "a todas foi dado o adequado seguimento, tanto que daí resultaram três processos de inquérito aos quais foram atribuídos instrutores externos à FDUL, que concluíram pelo seu arquivamento, por prescrição".

PGR confirma arquivamento de inquérito

Rogério Alves, responsável até 31 de dezembro passado pelo aconselhamento jurídico do Gabinete de Apoio à Vítima da FDUL, disse à CNN Portugal que ficou surpreendido com a escassez do número de casos que lhe chegaram através do e-mail designado para o efeito, mas garante que "os que apareceram foram devidamente encaminhados e tratados". Esclarece ainda que os casos, tendo sido poucos, não tiveram natureza criminal e incidiam sobre questões de relacionamento entre docentes e alunos, questões de "assédio moral" que foram reportadas à Universidade. 

Mas a CNN Portugal questionou também a Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a eventual abertura de inquéritos na sequência das denúncias que chegaram a este Gabinete de Apoio à Vítima implementado pela FDUL: fonte da PGR informa que, relativamente a essa matéria, correu termos no DIAP de Lisboa um inquérito que foi arquivado, sem detalhar pormenores.

Este gabinete de apoio às vítimas foi anunciado pela Faculdade em abril de 2022, dias depois da divulgação de um relatório do Conselho Pedagógico da FDUL, que recebeu 50 queixas de assédio e discriminação, relativas a 10% dos professores da faculdade, através de um canal de denúncias que esteve aberto durante 11 dias em março. A estrutura começou oficialmente a funcionar no final de maio do ano passado.

“Toda a orientação e apoio serão prestados em absoluta confidencialidade por profissionais externos à Faculdade, preservando o máximo respeito pela autonomia e liberdade das vítimas para que possam, em condições objetivas de consciência, decidir se pretendem avançar com uma denúncia formal”, referia então a diretora da Faculdade de Direito, Paula Vaz Freire, citada em comunicado.

A propósito do aconselhamento jurídico, a instituição esclarecia ainda que serviria para informar as vítimas "quanto à relevância disciplinar ou criminal da ocorrência” e não como apoio jurídico ou patrocínio em fases posteriores do processo.

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