Oito perguntas e oito respostas. E uma delas também é sua
Há 1.044.606 de imigrantes em Portugal. Quantos são e quanto ganham? Vêm tirar empregos, substituir portugueses? São muitos os mitos sobre os imigrantes em Portugal. Numa altura em que estão marcadas manifestações em Portugal de movimentos conotados com a extrema-direita e com a ideologia neonazi, a rubrica As Pessoas Não São Números dedica um episódio à descodificação de mensagens. Pode ver o episódio na íntegra no vídeo em cima - e ler mais dados e fontes de informação de seguida.
Mito 1: imigrantes vêm tirar o emprego aos portugueses
Com as novas regras introduzidas pelo governo português - nomeadamente o fim da Manifestação de Interesse para pedido de visto -, o número médio de vistos para procurar trabalho caiu 24%. Mas há um mito de que os empregos dos imigrantes são empregos que, por isso mesmo, cidadãos portugueses perderam.
Este é um dos mitos mais fáceis de desconstruir. Primeiro, porque o desemprego está a um nível relativamente baixo (6,1% em junho); segundo, porque o emprego está a níveis recorde, rondando os 5,1 milhões de população empregada.
Não há, pois, "roubo" de emprego, já que ele não falta. Há sim mais necessidades de trabalho, a que os imigrantes estão em grande parte a responder. Aliás, em muitas áreas - como a restauração ou a construção -, o que há é relatos de carência de trabalhadores.
Mito 1: Falso. Há muito emprego em Portugal, não há um movimento de transferência entre trabalhadores portugueses para estrangeiros.
Mito 2: fazem o trabalho que os portugueses não querem
Este mito é uma variação do anterior: os imigrantes fazem o trabalho que os portugueses não querem fazer.
Há setores em que a mão de obra imigrante é mais procurada. No setor agrícola e das pescas, 4 em cada 10 trabalhadores são estrangeiros. Seguem-se o alojamento e restauração, atividades administrativas e construção.
Sem surpresa, o peso do emprego imigrante é assim maior nos concelhos com mais atividade agrícola, sobretudo no sul do país. E há o caso de Odemira, onde a comunidade imigrante representa 76,1% da população empregada. É um caso único em Portugal.
Repare-se que há cerca de 500 mil estrangeiros registados na Segurança Social. Destes, cerca de 200 mil são brasileiros. Seguem-se os naturais da Índia (41 mil), sendo que os trabalhadores nepaleses e bengalis cerca de 20% do total. Ora, se os restantes imigrantes estão dispersos por vários sectores, os trabalhadores oriundos do Indostão distribuem-se essencialmente pela agricultura e pescas.
Trata-se pois de uma meia-verdade. Há um sector onde isto parece acontecer, na agricultura e pescas. Ou de outra forma: há imigrantes que aceitam fazer o que os portugueses não aceitam por aquele salário.
Mito 2: meia-verdade, pelo menos no sector da agricultura e pescas, a concentração de trabalhadores oriundos do Indostão sugere que eles estão a desempenhar trabalhos por salários que trabalhadores portugueses não aceitam
Mito 3: imigrantes ganham menos que os portugueses
Pergunta frequente é se os imigrantes ganham mais ou ganham menos do que os portugueses.
A resposta é: menos. Em média, a remuneração mensal de um trabalhador estrangeiro é pouco acima do salário mínimo nacional.
Em 2023, a remuneração mensal de um trabalhador estrangeiro foi de 769 € nos imigrantes até aos 35 anos e de 781 € naqueles com mais de 35 anos. Nesse ano, de 2023, o salário mínimo em Portugal era de 760 €.
Mito 3: verdade, os estrangeiros têm salários médios inferiores aos dos portugueses
Mito 4: saem os qualificados, entram os não qualificados
Mais de 850 mil jovens nascidos em Portugal com idades entre 15 e 39 anos — ou seja, um terço — vivem atualmente no estrangeiro. Desde 2001, emigraram, em média, mais de 75 mil pessoas por ano. E sim, a maioria deles tem formação superior.
E os que chegam? Há medidas para atrair talento (como IRS de 20% para residentes não habituais), mas os imigrantes qualificados inscritos na Segurança Social são apenas cerca de 15% do total. A maioria tem o 3º ciclo do ensino básico ou ensino secundário.
Assim, estão de facto a sair jovens qualificados e a entrar imigrantes com menores qualificações. Mas uns não estão a ocupar o lugar dos outros, pelo que as duas partes da frase não estão relacionadas.
Aliás, vários especialistas dizem que, em Portugal há situações de “sobrequalificação” de trabalhadores estrangeiros face às atividades que exercem no mercado de trabalho nacional, ou seja, há estrangeiros que estão a desempenhar funções abaixo do nível das suas habilitações.
Não existe uma substituição laboral. O que faltam são empregos qualificados. E, portanto, salários mais altos.
Mito 4: Sim, mas sem relação. Maioria dos emigrantes têm elevado nível de qualificações e maioria dos imigrantes tem qualificações menores. Mas uns não vêm substituir os outros.
Mito 5: imigrantes vêm aproveitar-se do nosso estado social
Comecemos pelos nascimentos. Mais de um quinto dos bebés nascidos em 2023 em Portugal são filhos de mães estrangeiras: 19 mil de um total de 86 mil. Outro relevante quanto ao SNS: há 2400 médicos e enfermeiros e mais de 1300 assistentes estrangeiros no SNS.
Noutra área, a educação, há hoje mais alunos estrangeiros do que antes. E isso um bom problema, segundo disse o ministro da Educação: mau problema mau seria faltarem crianças.
Se não fossem os imigrantes, o país estaria com menos gente e estaria mais envelhecido. Repare-se: nascem 1,43 filhos por mulher em idade fértil; e há 186 velhos (com mais de 65 anos) por cada 100 jovens (com menos 14 anos).
A presença dos imigrantes melhora o saldo natural: a diferença entre o número de óbitos e de nascimentos.
Mito 5: Falso. Imigrantes melhoram o saldo natural do país, combatendo o declínio e o envelhecimento populacional e contribuindo, além disso, com trabalho e com prestações para a Segurança Social (ver Mito 6)
Mito 6: imigrantes vivem de subsídios
Um dos mitos propagados por críticos da imigração é o de que o Estado paga subsídios para atrair imigrantes. Isso é falso, não há subsídios pagos a estrangeiros para eles entrarem no país. Com duas exceções: refugiados e residentes não habituais com rendimentos elevados.
No ano passado, entraram em Portugal menos de três mil refugiados, que têm um estatuto próprio e são apoiados ao abrigo de programas europeus de acolhimento.
Já os benefícios fiscais para residentes não habituais fora criados para "atrair talento" a aplicavam-se a quem permanecesse em Portugal durante pelo menos 183 dias num ano e aqui fixasse a sua residência fiscal. Nesse caso, a taxa de IRS seria de apenas 20% durante um período de dez anos, renovável. O governo de António Costa acabou entretanto com este regime. Mas o novo governo, de Luís Montenegro, já anunciou que o vai reintroduzir.
Olhando para a Segurança Social, podemos ver quanto é que os estrangeiros recebem em apoios e em quanto contribuem. No final do ano passado os imigrantes contribuíram com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social; e beneficiaram de cerca de 257 milhões euros em prestações sociais. Verificou-se assim um saldo positivo das contribuições dos imigrantes de cerca de 1,6 mil milhões. E isto sem contabilizar com os impostos pagos por estrangeiros, dados que não são públicos.
Mito 6: Falso, os imigrantes não vivem de subsídios. Pelo contrário, contribuem com mais do que beneficiam
Mito 7: mais imigrantes, mais criminalidade
É um facto: a criminalidade em Portugal está a aumentar em Portugal, em parte porque tinha caído muito com a pandemia: em 2023 foram registados 372 mil crimes, mais 28 mil do que no anterior. É mesmo o valor mais alto desde 2013.
Os dados são do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023, o mais recente. E é o próprio RASI que não associa o aumento da criminalidade à imigração. Aliás, nunca este relatório anual dos serviços de segurança fizeram essa associação.
Em segundo lugar, Portugal continuar a ser um dos países mais seguros: é o sétimo país mais seguro do mundo e o quarto na União Europeia.
Terceiro: mesmo em relação à população prisional, em cada seis reclusos, um é estrangeiros e cinco são portugueses.
Aliás, o que o RASI mostra não é um aumento dos crimes de imigrantes; o que há é um aumento dos crimes contra imigrantes. Crimes de tráfico de pessoas, crimes de auxílio à imigração ilegal e crimes de ódio (étnico ou racial).
Este último crime está, aliás, relacionado no RASI com o surgimento de mais grupos de extrema-direita ou neonazis em Portugal, referindo o relatório a preocupação pela introdução destes grupos nas forças de segurança.
Mito 7: Falso, não há relação demonstrada entre imigração e criminalidade
Mito 8: extrema-direita dissemina ódio e xenofobia para ganhar apoiantes
Lembra-se de aqui, há umas semanas, se falar de uma tentativa de rapto de uma criança de 4 anos, por três imigrantes do Indostão? E lembra-se de uma operação policial que apanhou 30 argelinos com bombas caseiras? Tudo falso - foi desmentido pela PSP. Só na segunda quinzena de agosto a polícia desmontou seis notícias falsas contra imigrantes. Todas disseminadas por sites ou contas nas redes sociais de grupos de extrema-direita ou neonazi.
Esta informação serve para um desafio que lhe deixamos: responda você mesmo ao mito 8...
A rubrica As Pessoas Não São Números volta na próxima semana.
Fontes de informação neste episódio
- Arroios, em Lisboa, tem 92 nacionalidades em cerca de dois quilómetros quadrados. Fonte: INE/Censos 2021 e Junta de Freguesia de Arroios
- Portugal atingiu um milhão (concretamente, 1.044.606) de imigrantes no final de 2023. Fonte: AIMA e CNN Portugal
- Número médio de vistos de procura de trabalho caiu 24% com as novas regras do governo. Fonte: Ministério dos Negócios Estrangeiros, citado pelo Público
- Taxa de desemprego foi de 6,1% em junho e de 5,9% em julho de 2024. Fonte: INE
- População empregada atinge as 5,1 milhões de pessoas no 2º trimestre de 2024. Fonte: INE
- Faltam trabalhadores no sector da construção. Fonte: AICCOPN, via Eco
- Faltam trabalhadores no sector do Turismo. Fonte: Observatório Talento Migratório do Turismo da PB, Via Lusa
- Sectores com mais peso de trabalhadores estrangeiros são a agrícola e pescas, o alojamento e restauração, atividades administrativas e a construção. Fonte: Banco de Portugal, "Caracterização dos Trabalhadores Estrangeiros por Conta de Outrem em Portugal", João Amador, Vanda Cunha, Fernando Martins e Ana Catarina Pimenta, 27 de junho de 2024
- Peso do emprego imigrante é maior no sul do país. Fonte: Banco de Portugal, "Caracterização dos Trabalhadores Estrangeiros por Conta de Outrem em Portugal", João Amador, Vanda Cunha, Fernando Martins e Ana Catarina Pimenta, 27 de junho de 2024
- em Odemira, a comunidade imigrante representa 76,1% da população empregada. Fonte: Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia
- Há cerca de 500 mil estrangeiros registados na Segurança Social: cerca de 200 mil são brasileiros, 41 mil da Índia, trabalhadores nepaleses e bengalis são cerca de 20% do total. Fonte: Banco de Portugal, "Caracterização dos Trabalhadores Estrangeiros por Conta de Outrem em Portugal", João Amador, Vanda Cunha, Fernando Martins e Ana Catarina Pimenta, 27 de junho de 2024
- Remuneração média mensal de um trabalhador estrangeiro em 2023: 769 € nos imigrantes até 35 anos e 781 € nos acima de 35 anos. Fonte: Banco de Portugal, "Caracterização dos Trabalhadores Estrangeiros por Conta de Outrem em Portugal", João Amador, Vanda Cunha, Fernando Martins e Ana Catarina Pimenta, 27 de junho de 2024
- Remuneração média mensal de um trabalhador português. Fonte: INE
- Salário mínimo em 2023 era de 760 €. Fonte: Governo de Portugal, via CNN Portugal
- Mais de 850 mil jovens nascidos em Portugal com idades entre 15 e 39 anos vivem no estrangeiro. Desde 2001, emigraram, em média, mais de 75 mil pessoas por ano. E sim, a maioria deles tem formação superior. Fonte: Atlas da Emigração Portuguesa, Rui Pena Pires*, Inês Vidigal*, Cláudia Pereira*, Joana Azevedo*, Carlota Moura Veiga, Mundos Sociais, outubro de 2023
- 15% dos imigrantes inscritos na Segurança Social têm ensino superior, maioria tem o 3º ciclo do ensino básico ou ensino secundário. Fonte: Banco de Portugal, "Caracterização dos Trabalhadores Estrangeiros por Conta de Outrem em Portugal", João Amador, Vanda Cunha, Fernando Martins e Ana Catarina Pimenta, 27 de junho de 2024
- Há casos de sobrequalificação de trabalhadores estrangeiros. Fonte: Eurostat
- Nasceram na Maternidade Alfredo da Costa (em Lisboa) em 2023 1 647 filhos de mães estrangeiras, o equivalente a 43% dos partos. Daqueles, 18% são filhos de mães oriundas da Índia, Nepal, Bangladesh e Paquistão; 10% filhos de mães africanas. Fonte: Maternidade Alfredo da Costa, via CNN Portugal
- Nasceram em Portugal 86 mil bebés em 2023. Cerca de 19 mil são filhos de mães estrangeiras. Fonte: INE
- Há 2400 médicos e enfermeiros, e mais de 1300 assistentes, estrangeiros no SNS. Fonte: SNS via Lusa
- Alunos estrangeiros representaram no último ano letivo cerca de 10% do total de alunos nas escola públicas portuguesas. Fonte: Ministério da Educação, Ciência e Inovação e via Público
- Nascem 1,43 filhos por mulher em idade fértil; e há 186 velhos (com mais de 65 anos) por cada 100 jovens (com menos 14 anos). Saldo natural. Fonte: INE
- Em 2023, entraram em Portugal menos de três mil refugiados (foram 2 807). Fonte: Governo de Portugal, via Eco que têm um estatuto próprio e são apoiados ao abrigo de programas europeus de acolhimento.
- Despesa fiscal com o estatuto de residentes não habituais. Fonte: relatório de despesa fiscal do Ministério das Finanças, via CNN Portugal
- Contribuições e benefícios da Segurança Social por estrangeiros. Fonte: Segurança Social via Público/Eco/CNN Portugal
- Aumento da criminalidade em Portugal. Fonte: Relatório Anual de Segurança Interna (RASI 2023)
- Portugal é o sétimo país mais seguro do mundo e o quarto na União Europeia. Fonte: Global Peace Index 2023
- 16,7% da população prisional é composta por estrangeiros. Fonte: Conselho da Europa, via Eco
- Crimes de tráfico de pessoas, de auxílio à imigração ilegal e de ódio (étnico ou racial) estão a aumentar desde 2019. Fonte: Relatório Anual de Segurança Interna (RASI 2023)
- Aumento de crimes de ódio está relacionado com surgimento de mais grupos de extrema-direita ou neonazis. Fonte: Relatório Anual de Segurança Interna (RASI 2023)
- Notícias falsas contra imigrantes. Fonte: PSP via CNN Portugal
Ficha técnica deste episódio
Tema: Imigração, 8 mitos e realidades
Local de filmagens: Lisboa, sede da AIMA, Maternidade Alfredo da Costa; Martim Moniz
Autoria: Pedro Santos Guerreiro, Tiago Palma e António Prata
Imagem: Nuno Assunção
Edição: Filipe Freitas
Grafismo: Matilde Candeias e Rita Casaes
Música: "Os Alquimistas Estão Chegando", "Menina Mulher da Pele Preta", "Zumbi" e "África Brasil (Zumbi)", Jorge Ben Jor