Artur Soares Dias, aos 45 anos, anunciou a sua retirada dos campos de futebol, depois de duas décadas como árbitro de primeira categoria, 14 anos como internacional.
O anúncio foi realizado agora, depois de ter sido divulgadas fotos e vídeos em que partilhou o mesmo espaço com Pinto da Costa, ex-presidente do FC Porto, num convívio promovido pelo amigo e conhecido adepto dos ‘dragões’ Fernando Póvoas em sua casa, apontado como alguém de fácil socialização que ajudou Pinto da Costa em momentos de maior aperto de tesouraria do clube azul-e-branco.
A decisão estava tomada, havia sido sinalizada junto do Conselho de Arbitragem a época passada (na qual não conseguiu melhor do que o 8.º lugar na classificação), mas percebe-se que o aludido convívio tornado público teve influência no anúncio — e só não se percebe por que motivo não foi feito no começo da época desportiva, no limite imediatamente antes da Supertaça.
Dir-se-à que qualquer cidadão tem direito à sua vida privada e há quem queira fazer disso um direito inegociável, sobretudo num momento em que se terminam funções em que a exposição (e não apenas à crítica) é total.
Em teoria é assim, mas quem tem funções de regulação — muitos querem ignorar que o setor de arbitragem regula, repito, REGULA O JOGO através das suas 17 leis ou regras — não pode esquecer-se de uma, como dizer?, lei 18, sagrada, segundo a qual é preciso muito cuidado com as relações estabelecidas entre agentes desportivos e, por isso, é necessário auto-impor um regime de proximidade controlada. Ou, se se quiser, de distância conveniente.
Porque não basta ser sério; também é preciso parecê-lo, sobretudo num setor mergulhado durante muitos anos num mar denso e indecente de suspeitas e coações várias, entre as quais as que dominaram o futebol português durante décadas e com as quais, aliás, Artur Soares Dias teve de lidar…
É isto que não se pode ignorar no intervalo dos mergulhos ou dos convívios.
Não nos interessa nada se Artur Soares Dias é amigo de Pinto da Costa ou de Fernando Póvoas ou de Fernando Madureira; o que me preocupa, num setor em que a regulação é fundamental para existir Verdade Desportiva, é não haver bom-senso ou recato nesse tipo de relações.
E isso não tem nada que ver com eventuais mergulhos na piscina de Póvoas; tem que ver com incompatibilidades que se geram quando os interesses chocam ou se intersectam.
Muitos sabem, desse lado, o que lutei - pela palavra - contra este tipo de relações e das promiscuidades que nela se incrustaram.
Não consigo ver o setor da arbitragem funcionar, se não for sempre no limite da sua blindagem e, por isso, também nunca desvalorizei factores que podem condicionar as atuações dos árbitros, sejam proximidades geográficas, negócios abertos em zonas controladas por chefes de claques, etc., etc.
Quando se viu nada acontecer aquando de uma visita atribuída aos ‘Super’ ao centro de treinos dos árbitros, na Maia, em 2017, na véspera de um Paços de Ferreira-FC Porto, dirigido por Artur Soares Dias, com promessas de que as visitas iriam continuar se as coisas corressem mal, é evidente que não se poderia fazer mais nada senão defender a entrada em campo, na Liga portuguesa, de árbitros estrangeiros para se conseguir obter alguma decência e normalidade.
Não consigo aceitar, em nome da independência e da defesa da credibilidade de uma indústria com muito baixos níveis de ética e respeitabilidade (agora com tudo para melhorar) que os clubes, sejam eles quais forem, dominem os centros de decisão do futebol.
E, também por isso, como já disse aqui, não me parece nada saudável, como princípio (nada contra a pessoa) que um ex-grande árbitro de futebol como foi Pedro Proença tivesse aparecido como dirigente-líder da Liga e esteja agora a posicionar-se para ser o próximo presidente da FPF.
Vai pelo mesmo caminho Artur Soares Dias? Há largos meses que sinalizei a possibilidade de poder render Pedro Proença na Liga, com a migração deste para a FPF.
Que tipo de relações, procedimentos, comportamentos caracterizaram o desempenho de ex-árbitros para se posicionarem muito bem quando estão em causa as lideranças da Liga e da Federação?
Não quero falar de contabilidades e de favores ou desfavores mas façam-me… um favor: não ignorem o tema porque ele é sério e porque, por mais que os adeptos queiram ver os seus clubes ganhar, estou certo de que eles sossegarão quando perceberem que os agentes desportivos impõem a si próprios códigos de conduta compatíveis com as suas funções.
Desta maneira, entre mergulhos, convívios, gratidões ou reconhecimentos, com mais rissol menos rissol, quem-é-quem e o-que-é-o-quê?
Uma coisa devemos reconhecer a Artur Soares Dias, com base na sua competência técnica: mesmo nos momentos mais difíceis sempre conseguiu estancar as hostilidades. E isso teve e tem um preço que não está devidamente contabilizado.
NOTA - Entretanto, A Bola acaba de publicar uma conversa com Artur Soares Dias, na qual aborda alguns dos assuntos suscitados na Mensagem que lhe dirigi neste último “Rui Santos Em Campo”. Ficámos a saber que pretende continuar no futebol (já se sabia) e que não quer ser “qualquer coisa”. Aborda a questão do polémico vídeo na casa de Póvoas (“na piscina… com Pinto da Costa”). Diz que foi surpreendido pela presença do ex-presidente do FC Porto. Então que raio de amigo é Póvoas?! Ficamos a saber que, afinal, o mundo de futebol é um mundo pleno de ingenuidades, porventura mal disfarçadas. Referiu-se também ao episódio de 2017, no centro de treinos na Maia e ficámos a saber que “esse foi só um em milhares de contactos” e dá a entender que o problema foi a dimensão da mediatização. “Esta é a vida de um árbitro!” - disse.
Neste mundo cor-de-rosa do futebol em Portugal já se percebeu que “isto anda tudo ligado” e até os reguladores (onde estão eles) não regulam quase nada. Acho que o problema, aliás, deve ser atribuído à Dona Ingenuidade.