"Eu acredito que a democracia tem de ser intolerante com os intolerantes": Gregório Duvivier

8 dez 2022, 22:00
Gregório Duvivier em "Sísifo" (Direitos Reservados)

O humorista brasileiro, fundador do coletivo "Porta dos Fundos", está em Portugal com a peça "Sísifo", a partir do mito grego mas a olhar para o nosso quotidiano. E também já sabe quando volta.

É um cliché que se tornou cliché por ser certo: Portugal é a segunda casa do humorista brasileiro Gregório Duvivier, 36 anos. Está por cá para mais uma ronda de apresentações de "Sísifo". Desta vez, depois de Lisboa, nesta quarta-feira chuvosa, visita o Porto, Coimbra e Águeda - esta última uma estreia na sua carreira. "Já estive numas 20 cidades portuguesas, mais cidades portuguesas do que brasileiras porque aqui toda a cidade pequena tem um teatro bom. Águeda, 20 mil habitantes, tem um local para 800 pessoas", diz à TVI/CNN Portugal. 

"Sísifo" parte do mito grego para o nosso quotidiano - redes sociais, fake news e o Brasil contemporâneo, essa tela sobre a qual Gregório Duvivier tanto gosta de trabalhar. Os anos de Bolsonaro no poder, como antes com Michel Temer, foram de crítica aberta. "O governo Bolsonaro foi um governo de desmonte da democracia", diz. "Todas as instituições democráticas foram aparelhadas ou desmontadas. Por exemplo, a Polícia Federal trocou toda a superintendência para proteger, para se blindar e blindar os filhos de Bolsonaro que estavam sendo investigados." Dá outro exemplo: "O Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], que é um órgão que até então no Brasil sempre funcionou, ele desmontou. O Ibama demitiu um monte de gente e entre as pessoas demitidas estava o Bruno Pereira, que depois de demitido foi assassinado", afirma Gregório Duvivier, lembrando a morte do ativista e do jornalista britânico Don Philips, durante uma expedição no Vale do Javari, Amazonas. "Essa morte, de certa forma, está no colo de Bolsonaro porque ao demiti-lo tirou-lhe a proteção institucional que ele tinha." 

E, no entanto, apesar de ter perdido as eleições, continuam as manifestações de apoio. "Não dá para falar de um bolsonarista, tem mil matizes. Tem, claro, o fanático, o neonazista. Existem essas pessoas no Brasil. Supremacistas, brancos, machistas, que morrem de medo do feminismo ou homofóbicos declarados as pessoas. Tem as pessoas com ódio ao PT, que acham que o PT é comunista e que tanto o PT quanto o comunismo não só são a mesma coisa como são o grande vilão do mundo. E tem também, claro, pessoas que entraram na última hora por causa de 100 mil notícias falsas. Espalharam que o Lula ia acaber com o auxílio no Brasil e muitos passaram a votar Bolsonaro só por causa disso."

Com Lula, um líder da "conciliação", Gregório Duvivier acredita que vem um "governo de reconstrução da democracia". "O Lula tem uma grande habilidade, que é a habilidade da união e da conciliação." 

Cargo político? "Jamais" 

Duvivier garante que nunca aceitaria um cargo político. "Jamais. Eu não poderia fazer tudo o que amo, que é o teatro, a Porta dos Fundos. O humor é incompatível com estar dentro da política. Além de não ter a menor habilidade para conciliação mesmo. Eu acho que a política exige um temperamento e uma conciliação e uma paciência e uma transparência na própria vida que também eu não quero ter". 

E mais: "O humor é o contrário da política", garante. "Eu faço humor político, acho, mas  você tem que ter um distanciamento para conseguir fazê-lo. E ele é o contrário do poder. Ele é uma arma dos desarmados. É uma ferramenta dos derrotados". E lembra: "O Lula ganhando, eu já estou na oposição, como já estava antes. Não vou ficar chamando de ladrão, de comunista, mas vou falar do absurdo que é botar um sujeito que esteve ao lado dos militares na ditadura militar no Ministério da Defesa. O Brasil nunca fez a rutura com a ditadura militar como Portugal fez com o salazarismo", aponta.

"Eu acredito que a democracia tem de ser intolerante com os intolerantes", defende. "O Brasil tem uma Constituição razoavelmente progressista. Muito liberal em relação às opiniões e eu acho que Bolsonaro não entendeu o perigo disso. De defender a tortura para a Dilma quando era parlamentar", lembra. "Não se pode entrar num jogo de futebol, que tem regras, com uma arma, isso desiquilibra o jogo." 

Falamos de liberdade de expressão, um dos temas mais caros aos humoristas. "Eu acho que o poder político, o cargo político, ele vem junto, necessariamente, com uma diminuição da liberdade, porque vem com aumento de responsabilidade. Eles acham que eles têm mais direito de falar o que eles querem, mas é o contrário. Falam na casa do povo, em nome do povo. Então, eu sou a favor da liberdade plena para os que não têm poder nenhum."

Em palco, e a partir de uma peça escrita com Vinicius Calderoni, Gregório Duviver explora o mito grego de Sísifo, o humano que se dedicava à tarefa de escalar um montanha com uma pedra às costas e fazê-la rolar colina abaixo. "Eu acho que o teatro é um bom lugar para você falar de coisas que não estão sendo ditas, mas de uma maneira diferente. E essa peça eu acho uma acho bom resgate de Sísifo, dos mitos gregos, para falar de coisas que são do nosso dia a dia, do absurdo, da vida, da condição humana, não é?". 

Nesta curta passagem, depois de Lisboa e Porto estará no Convento de São Francisco, em Coimbra, e no Centro de Artes de Águeda no sábado. 

"Essa peça eu acho que é uma tentativa de, claro, dar muito ao público o que ele quer, mas também dá algo a mais no sentido que a gente faz um pouco de tudo", diz. "Tem um pouco de 'Porta dos Fundos', sketches, um pouco de poesia, tem um pouco de política, de humor político. Foi um pretexto que a gente achou para falar de um monte de coisas que a gente queria." 

Enquanto se prepara para escrever um peça sobre a língua portuguesa e um musical com Fábio Porchat, também da "Porta dos Fundos" - "um Musical do estilo 'Spamelot' para o qual ainda não arranjámos tempo para nos sentarmos a escrever" -, Duvivier já sabe quando regressa à sua segunda casa. Em abril, com "Portátil", a versão teatral de "Porta dos Fundos".

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