Esta foi a árvore de Natal que inspirou os portugueses. Só era montada a 24 de dezembro

24 dez 2022, 08:00
Árvore de Natal do Palácio da Pena, a partir de gravura de D. Fernando II (PSML/Luís Duarte)

Pequena e com poucos enfeites. Era assim a árvore de Natal da família real, imortalizada pelo rei-artista D. Fernando II. É recriada todos os anos no Palácio da Pena

Chegou à família real pela mão do germânico D. Fernando II, marido da rainha D. Maria II, no final do século XIX e desde que é replicada no Palácio da Pena, em Sintra, já desiludiu mais do que um visitante: é pequena, está pousada numa mesa e tem poucos enfeites para os padrões de 2022. Os presentes nem sequer eram embrulhados. Mas era mesmo assim a árvore de Natal que passou a fazer parte dos costumes da corte portuguesa e, por imitação, dos portugueses.

D. Fernando II, o rei-artista, deixou o desenho para a posteridade: um pinheiro sobre uma mesa, adornos variados e os brinquedos das crianças à volta. Para quem trabalha na Pena, guardiões do monumento e da memória do soberano era um plano antigo fazer uma reconstituição histórica da árvore de Natal da família real a partir dessas imagens. "O nosso objetivo era, tendo as gravuras, fazer aquele desenho em três dimensões”, diz Mariana Schedel, historiadora de arte e conservadora do monumento histórico. Em 2019, concretizaram a ideia e, desde então, a árvore é montada no primeiro dia do Advento (este ano, a 27 de novembro) no salão nobre e só sai de cena a 6 de janeiro, Dia de Reis - um hábito bem diferente do século XIX.

O pinheiro de Natal só era montado a 24 de dezembro e era decoração para a noite de Consoada, explica a conservadora. “Esta era uma festa religiosa entre tantas outras no calendário da família real”, explica Mariana Schedel, especialista nos interiores do Palácio da Pena. A inspiração chegou do centro da Europa, berço da família de Fernando Saxe-Coburgo-Gota e foi assim que chegou à corte portuguesa. E não só. 

Outro Saxe-Courgo, Alberto, primo de D. Fernando II e casado com a rainha Vitória, é ‘culpado’ de ter introduzido a tradição do pinheiro de Natal em Inglaterra. “Na tradição inglesa aparece uma árvore para cada filho, aqui só há um pinheiro”, conta a historiadora. 

“Não posso afirmar que esta foi a primeira árvore de Natal em Portugal. Havia comunidades germânicas que teriam essa tradição”, mas, realça, “o que se fazia nas cortes e casas reais era sempre copiado pela aristocracia e depois pela burguesia. Acreditamos que a introdução da árvore de Natal começa em Portugal nesta altura”. 

A árvore de Natal é montada no salão nobre do Palácio da Pena

Onde era montado o pinheirinho

A bem do rigor histórico, Mariana Schedel explica que não há registo de que o pinheiro de Natal alguma vez tenha sido montado no Palácio da Pena, “mas há registo de que a 25 de dezembro D. Fernando II e a sua pequena corte já cá estavam” e, acrescenta Mariana Schedel, este palácio - ideia do rei - é também o lugar que evoca a sua memória. Além disso, o pinheiro vinha da serra de Sintra. “Temos faturas dos homens que levavam o pinheiro do parque da Pena para as Necessidades”, conta. E também há registo de aquisição de brinquedos para os mais novos. 

Era no atual ministério dos Negócios Estrangeiros, que não é visitável, que D. Maria II, D. Fernando e os filhos festejavam a véspera de Natal - D. Maria II e D. Fernando II tiveram onze filhos (quatro morreram à nascença). “Foram o primeiro casal liberal, os primeiros com uma representação diferente do poder real e dos valores da vida doméstica”, nota Mariana Schedel. Mais: a representação da vida familiar é muito importante”. E D. Fernando II, rei consorte após o nascimento do herdeiro, D. Pedro V, preocupa-se com a educação dos filhos e os instrumentos musicais junto à árvore não são acaso. A música faz parte da aprendizagem das crianças - “D. Luís era um músico de excelência”, diz Mariana Schedel - e é nesta altura que as crianças começam a ser valorizadas.

O trabalho de detetive

Como as gravuras de D. Fernando II eram a preto e branco, a equipa do Palácio da Pena estudou enfeites do século XIX que se encontram à venda ou em museus para a reconstituição histórica da Pena e para perceber melhor como seriam os adornos e por que razão ali estavam. 

“Havia um limpa-chaminés e percebemos que no centro da Europa se usa esta figura, era um sinal de boa sorte”, explica Mariana Schedel. Outros elementos, incluem um cão, uma vaca, um cavalo e outros animais em chapa e, entre outros, uma corneta, “que também é sinal de boas festas”.

O projeto foi encomendado pela Parques de Sintra - Monte de Lua, que gere o Palácio da Pena (e outros monumentos deste concelho), ao Estúdio Astolfi, de Joana Astolfi, que acabaria por fazer a tal versão a três dimensões da árvore desenhada por D. Fernando II. “Conseguiram produzir tudo o que precisávamos. Fizemos estudos de cor, por exemplo das fardas dos bonequinhos. A ideia é representar o que se fazia, transmitir ao público a ideia dos materiais e cores usados e valorizar o trabalho manual”, explica a conservadora. 

No pinheirinho de Natal de D. Fernando II também eram usadas nozes a sério, pintadas de dourado e prateado, e frutos da época como maçãs, peras e romãs (atualmente feitos de massa). Mariana Schedel nota outra curiosidade: “O hábito de pendurar as maçãs foi-se transmutando em bolas ao longo do século XX”. 

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